Ummagumma: o laboratório de sons do Pink Floyd


Junho de 1968. Após um considerável sucesso no meio underground com The Piper at the Gates of Dawn, o Pink Floyd - banda da casa no UFO Club, em Londres - lança seu segundo LP. Logo nos primeiros segundos de "Let There Be More Light" já é possível notar que algo havia mudado. A Saucerful of Secrets não tem a cor e o brilho pop de seu antecessor. Tudo é mais sombrio. A causa de tal sonoridade está na ausência do gênio criador de The Piper at the Gates of Dawn, o brilhante Syd Barrett. 

Syd foi o responsável por oito das onze canções de Piper, sendo todas elas pérolas pop. Nenhum músico da época escrevia músicas psicodélicas melhor que Barrett. Porém, a crença de que o LSD poderia libertar seu corpo e mente da selvageria mundana causou um abalo sísmico na vida do jovem gênio, comprometendo seus compromissos com a banda. Shows irregulares, sumiços e desconexão com o mundo real eram elementos constantes na vida de Syd. Sua participação em A Saucerful of Secrets é mínima: guitarra em "Set the Controls For the Heart of the Sun" e "Remember a Day", nenhuma delas de sua autoria. Apenas a sublime "Jugband Blues", um folk-fanfarra surreal, era assinada por Syd.

Para preencher a lacuna deixada por Syd Barrett, o Pink Floyd recorreu a um velho amigo da banda, David Gilmour, que inclusive participou da gravação de A Saucerful of Secrets. Quando o disco finalmente foi lançado, Barrett já estava fora do grupo, totalmente impossibilitado de exercer sua arte. 

Em 1969, é lançado Music From the Film More, que, apesar de ser um disco de estúdio, não era legitimamente uma criação do Pink Floyd, pois se tratava de uma trilha sonora para o filme lado B More. Mesmo sendo um disco interessante, cheio de canções folk e até mesmo um proto-metal (ouça "The Nile Song"), tinha temáticas ligadas ao filme, limitando o foco criativo. A liberdade viria depois, em Ummagumma.




Ummagumma foi lançado também em 1969, e é o primeiro LP duplo do Pink Floyd, sendo o disco um gravado ao vivo e o disco dois no estúdio. A respeito do álbum ao vivo, há pouco que se falar. Foi gravado no Mothers Club, em Birmingham, e no Manchester College of Commerce, e é livre de overdubs. Trata-se também do único registro ao vivo oficial da formação "clássica" da banda que tenha sido lançado na mesma época de sua gravação. Se Ummagumma fosse composto apenas desses dois primeiros lados, seria lembrado como um dos grandes discos ao vivo de todos os tempos, visto que nele estão contidas as versões definitivas de "Astronomy Domine" - onde a guitarra de Gilmour começa a dar sinais de seu som clássico - , "Careful With That Axe, Eugene", "Set the Controls For the Heart of the Sun" e "A Saucerful of Secrets" - esta última apenas não supera a versão contida no filme Live in Pompeii, que infelizmente só existe em bootlegs.

Porém, lançar apenas um disco ao vivo (repleto de "sucessos" do passado) logo após uma trilha sonora não ajuda a consolidar uma banda ainda restrita ao nicho do underground londrino. Era preciso algo novo. E é desta necessidade que surge a parte em estúdio de Ummagumma, o primeiro trabalho da formação Gilmour-Waters-Wright-Mason feito a partir do zero e sem a força criativa de Syd Barrett. Isso gerou uma imensa expectativa do que poderia resultar esta nova empreitada. Mais do space-rock criado por Waters em A Saucerful of Secrets? Mais influência folk? Nem um, nem outro. Os dois lados do LP foram igualmente divididos entre os quatros músicos para serem usados como quisessem. A única unidade musical nisso tudo era um experimentalismo em níveis extremos e uso massivo de equipamentos de estúdio. O resultado: um disco sem paralelos.


Rick Wright tinha uma enorme bagagem de música erudita consigo, e contribuiu em Ummagumma com "Sysyphus", uma belíssima e perturbadora suíte de piano dividida em quatro partes, repleta de atmosferas dark. É sem dúvidas a melhor e mais complexa contribuição entre os quatro. 


A sequência de Roger Waters seria previsível, afinal ele foi responsável por quase todo o disco A Saucerful of Secrets, que carregava uma sonoridade bastante atmosférica e cheia de improvisos. Ledo engano. Waters dá início a sua fatia com "Grantchester Meadows" (da qual o nome vem de um bosque que ele Barrett frequentavam na adolescência), uma joia folk preciosíssima acompanhada de sons de insetos, garantindo um maravilhoso clima bucólico. Mas não está tão distante musicalmente de "Cirrus Minor" - de Music From the Film More - , por exemplo. A verdadeira surpresa, em todo o disco, ficou por conta de "Several Species of Small Furry Animals Gathered Together in a Cave and Grooving With a Pict". Apenas pelo nome é possível verificar que esta não seria uma canção normal. E realmente não é. Trata-se de uma das músicas mais bizarras da história da civilização, e também uma das mais divertidas! Waters usa apenas alguns microfones, aprimorados com equipamentos de estúdio, para simular sons de animais roedores, e mais nada. No final é possível ouvir Roger falando algumas frases soltas com um exagerado sotaque escocês.

Após esta dose absurda de avant-garde contida no lado A, vamos à metade final. David Gilmour e Nick Mason, ao contrário de Waters e Wright, nunca haviam escrito nenhuma canção sozinhos para o Pink Floyd. Gilmour foi o primeiro dos dois a dar as caras no lado B de Ummagumma com a breve suíte "The Narrow Way", em três partes. É uma peça bastante confusa, com momentos interessantes nas partes um e dois, ambas dedilhados de guitarra e violão preenchidos com sons eletrônicos. A parte três muito se assemelha com algumas canções de More, porém já traçando alguns esboços da sonoridade de Atom Heart Mother. Ela e "Grantchester Meadows" são as únicas faixas a contarem com vocais. Nick Mason encerra o disco com "The Grand Vizier's Garden Party", um solo de bateria experimental sem pé nem cabeça baseado em loops e técnicas de estúdio.


Ummagumma teve um considerável sucesso, alcançando o quinto lugar das paradas britânicas. Muito disso se deve ao impecável disco ao vivo. Quanto ao disco de estúdio, acabou caindo no ostracismo. Com o passar dos anos, a banda passou a renegá-lo friamente, classificando-o como um "experimento fracassado", um "erro". Muitos fãs sequer ouviram. Não é um disco fácil, afinal é extremamente avant-garde. Porém reflete muito bem o que o Pink Floyd fazia naquela época, principalmente nos palcos: um laboratório de experiências sonoras, usado para aproveitar ao máximo todo o equipamento e tecnologia disponíveis. 

A experiência adquirida em Ummagumma foi crucial para que o Pink Floyd tomasse conhecimento de seu arsenal e passasse a usá-lo para compor peças musicais simplesmente inacreditáveis. Vide MeddleThe Dark Side of the Moon Wish You Were Here. Sua audição atenta é extremamente recomendável, e garanto, será inesquecível – para o bem ou para o mal.


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