Rock como objeto de culto. Disco como conceito, grande arte. Foram desvios inesperados - e, pensando bem, um pouco ridículos - para um tipo de música desencanada que começou animando bailinhos teen.
Mas os anos 1970 foram mesmo inesperados, e todo mundo que cresceu nessa época é meio esquisito. Não vejo a hora de elegermos nosso primeiro presidente da República, alguém que saiba quem é o Space Ghost e tenha sonhado com uma calça Topeka.
De qualquer forma, se essa pretensão roqueira toda se justificou alguma vez, foi na primeira metade dos 70´s. Dark Side of the Moon, Physical Graffiti, Ziggy Stardust: naquela época gigantes caminhavam sobre a Terra, ou assim parecia.
Dentre esses inesquecíveis pedaços de plástico, nenhum alcançou a sobrevida de A Night at the Opera. Porque o Queen nunca parou de produzir, porque mudou de estilo, porque eles eram imensos no palco, porque Freddie Mercury foi o primeiro superastro a morrer de AIDS, porque ... Principalmente, acho, pela variedade.
A Night at the Opera tem um pouco de tudo para todos. Metal cromado ("I'm in Love With My Car"), vingativo ("Death on Two Legs") e burro ("Sweet Lady", a coisa mais Kiss que o Kiss não fez). Brilhantes baladas: a alegrinha "You're My Best Friend", a quase country-épica "39" e, mamma mia, "Love of My Life". Cabaré variado: "Seaside Rendezvous", "Good Company", "Lazing on a Sunday Afternoon". Um épico progressivo viajante, "The Prophet's Song". E coisas indefiníveis e emocionantes como a peça central do disco, "Bohemian Rhapsody".
Art rock era isso: tudo exagerado, ambicioso, super produzido, bem escrito e incrivelmente bem tocado (no synthethizers!). Os quatro tocavam, cantavam, compunham. "You're My Best Friend" é de (e com) John Deacon, o baixista. "39" e "Good Company", a mesma coisa com o guitarrista Brian May. "I'm in Love With My Car", idem com o baterista Roger Taylor. Sem falar em Freddie. Que banda em atividade hoje tem tanta gente talentosa?
No Brasil, o disco branco do Queen marcou demais (o preto, o seguinte, é A Day at the Races, ambos os títulos tirados de filmes dos irmãos Marx). Junto com News of the World formavam a dupla tiro-e-queda de qualquer discoteca que se prezasse - porque Queen, naquela época e lugar, era sinônimo de rock: quem não gostava do Queen, boa gente não era.
E tinha boa gente pra caramba neste país - o suficiente para lotar o Morumbi, no primeiro megashow de rock a que o Brasil já assistiu. Não existiam telões, a trilha de Flash Gordon tinha acabado de sair, as garotas não usavam sutiã, os meninos usavam tênis All Star e todo mundo sabia o repertório inteiro do show de cor.
Nós éramos os campeões. God save the Queen.
(Texto escrito por André Forastieri e publicado na Bizz #084, de julho de 1992)
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