Mais que um dos pioneiros da cena punk nova-iorquina, o Blondie poderia ser lembrado como o grupo "da" Blondie, aquela loira - falsa - que construiu um mito maior que muitas das originais: Debbie Harry. Seria injusto não ressaltar o trabalho de seu companheiro, guitarrista e diretor musical do sexteto, Chris Stein, bem como o do tecladista Jimmy Destri e do baterista Clem Burke, mas a coisa sempre girou em torno do carisma de Debbie.
Nascida Deborah Ann em Miami, de pais desconhecidos, ela foi adotada pelo casal Harry e cresceu em Nova Jersey. Em 1966, aos 21 anos, estrearia com a banda Tri Angels e um ano depois teve a confirmação espiritual definitiva de sua tendência para o palco ao assistir a expiação musical de Janis Joplin no teatro Anderson, de Nova York. Chegou a gravar um álbum em 1968, com o grupo de folk rock Wind in the Willows, mas precisou diversificar suas atividades - foi garçonete do Max's Kansas City e coelhinha da revista Playboy, entre outras coisas - para garantir a sobrevivência.
Em agosto de 1974 ela debutaria à frente do Blondie - formado por ex-membros do grupo The Stilettos, incluindo Stein, o baterista Billy O'Connor e o futuro baixista do Television, Fred Smith - no emergente clube CBGB, tendo como suporte os promissores Ramones. Depois de uma rápida passagem de Ivan Kral (depois do Patti Smith Group) pela segunda guitarra, o grupo fixou-se com o baixista Gary Valentine no lugar de Smith, com Burke substituindo a O'Connor na bateria e com a adição de Destri nos teclados. Depois do álbum de estreia, Valentine saiu. Frank Infante assumiu seu posto e depois passou para a guitarra base, com a entrada do baixista inglês Nigel Harrison. Foi com essa formação que o Blondie decolou.
Injetando a energia do punk em canções nitidamente pop, a banda foi uma das propulsoras da new wave e com seus cinco primeiros álbuns (lançados entre 1976 e 1980) levou uma legião de fanáticos a delirarem planeta afora - com o fato curioso de terem estourado na Austrália antes do que em sua terra natal. Com isso, emplacaram inúmeros hits nas paradas, entre eles quatro primeiros lugares nos EUA e cinco na Inglaterra.
Por isso, esta coletânea de singles lançada em 1981, pouco antes do último suspiro da banda (o decepcionante álbum The Hunter), é essencial. Ela traz quatorze preciosidades (dezesseis na edição britânica) que revelam um grupo versátil em instantâneos multifacetados, capazes de encantar pela precisão e simplicidade dos arranjos e pelas letras viciantes.
Há "Heart Glass" (uma das três remixadas especialmente para esta compilação pelo produtor Mike Chapman), uma disco clássica indiscutível que tirou o sono até do mais radical roqueiro quando este se pegou dançando na frente do espelho. A gema pop "Dreaming" é o outro destaque, com Debbie lembrando sensualmente na letra que o "sonhar é livre". Com "Rapture", o Blondie chutou as portas da cultura de rua americana ao ser o primeiro grupo branco a introduzir vocais de rap em uma canção, enquanto "Atomic" pode ser interpretada de mil maneiras. Mas basta ouvir Debbie cantando "your hair is beautiful" para se descobrir a melhor delas. Sem contar "In the Flesh", a cover reggae "The Tide is High" (John Holt), "Call Me" (produzida por Giorgio Moroder) e "One Way or Another" (substituída na versão inglesa por "Denis", "Picture This" e "Union City Blues"), entre outras.
Apesar de ter prosseguido em carreira solo, Debbie teve os anos mais marcantes de sua trajetória com o Blondie. Precursor da mescla punk/pop, da new wave e mesmo da importância da estreia do videoclipe, o grupo explorou esses domínios como maníacos apaixonados. O resultado foram canções para serem ouvidas a qualquer hora e lugar. Bálsamo para os tímpanos, o coração e a libido.
Texto escrito por Fábio Massari e publicado na Bizz #086, de setembro de 1992
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