Não existe fórmula para lidar com o luto. Cada pessoa encontra uma maneira para superar a dor e viver sem aquele alguém que não está mais aqui. O norte-americano James O’Barr transformou a experiência da morte traumática de um ente querido em uma história em quadrinhos que foi adaptada para o cinema e cuja trama acabou impregnada no imaginário popular, tanto pelo roteiro quanto pelos acontecimentos que cercaram sua publicação e adaptação para a tela grande.
O Corvo levou sete anos para ser escrito. O’Barr começou a desenvolver a história após a morte de sua noiva, Beverly, atropelada por um motorista embriagado. A maneira que James encontrou para extravasar a sua dor, para colocar para fora os seus sentimentos e para tentar entender tudo que aconteceu foi essa. O Corvo foi publicado pela primeira vez em 1989, pela Caliber Press. Cinco anos depois, a história foi adaptada para o cinema pela Miramax Films, com direção de Alex Proyas. E outra tragédia aconteceu: durante as filmagens o ator Brandon Lee, que fazia o papel principal, foi atingido por um tiro que deveria ser de festim e acabou falecendo.
O Corvo - Edição Definitiva, publicado no Brasil pela Darkside Books, reúne tudo que James O’Barr produziu e traz ainda mais trinta páginas com artes inéditas, que o autor refez por ter ficado insatisfeito com o resultado original. A HQ saiu no Brasil pela primeira vez em 2003 pela Pandora Books, cuja edição está há anos fora de catálogo. A nova edição da Darkside vem com 272 páginas, capa dura e formato 16 x 23 cm e conta, além das já citadas artes inéditas, também com uma introdução escrita pelo próprio O’Barr, galeria de artes e posfácio.
A HQ relata a história do casal Shelly e Eric, que vivem uma história de amor digna de sonhos, interrompida bruscamente quando ambos são assassinados por uma gangue. Eric então volta à vida pelas mãos de um corvo mágico e sai em busca de vingança. Textualmente, percebe-se de maneira clara os diferentes estágios de dor vividos por O’Barr enquanto escrevia a história. A incompreensão, a revolta e os questionamentos do personagem principal são a incompreensão, a revolta e os questionamentos do autor, em um trabalho poucas vezes visto nos quadrinhos. Além disso, James, que sempre teve uma relação muito próxima com a música, coloca diversas referências ao pós-punk nas páginas, citando bandas como Joy Division e outras de maneira frequente. Já em relação à arte, que é toda em preto e branco, percebe-se uma oscilação constante. Até mesmo pelo fato da HQ ter sido desenvolvida durante longos sete anos, o traço de O’Barr varia muito, e essa característica incomoda.
A leitura da introdução escrita pelo próprio autor logo nas primeiras páginas deixa claro sobre o que a obra é e o quanto ela foi importante para a sua vida. Ao final da leitura, é impossível não sentir o impacto quase físico dos sentimentos vividos por James O’Barr, e isso, por si só, já coloca O Corvo em um nível raramente visto em uma HQ. Não à toa, o título foi traduzido para diversas línguas e já vendeu mais de 750 mil cópias em todo o mundo.
Graficamente, a edição segue o alto padrão que já estamos acostumados a encontrar nos títulos da Darkside Books, e o material é realmente muito bonito.
O Corvo é uma catarse emocional em forma de história em quadrinhos, e ela vem com todos os ingredientes comuns a trabalhos desse tipo. O roteiro, em alguns pontos, passa uma certa confusão - ou seria desespero? - para o leitor, enquanto a arte varia entre os capítulos. A leitura da trágica história de amor vivida por Eric e Shelly é densa, perturbadora e dolorida, e ao final da experiência você está combalido por tudo que foi apresentado.
Quem procura um título que vai muito além dos quadrinhos convencionais, encontrará em O Corvo uma ótima dica.
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