Discoteca Básica Bizz #121: John Lennon - John Lennon / Plastic Ono Band (1970)


Em 1970, John Lennon estava sofrendo de um acúmulo de tudo ao mesmo tempo, agora. Com os Beatles reduzidos a ruínas após anos musicalmente brilhantes, mas que deixaram os quatro integrantes da banda marcados por um desgaste físico, psicológico e artístico de proporções inéditas no rock, Lennon via-se num momento de transição, no qual suas convicções pessoais, prioridades profissionais e emoções foram radicalmente reavaliadas.

Recém-saído de sessões de terapia primal em Los Angeles com o doutor Arthur Janov, que pregava a libertação emocional através da exteriorização de sentimentos reprimidos desde a infância, John era um nervo exposto armado de uma metralhadora giratória apontada para tudo que ele havia construído até então – seu trabalho, sua obra musical, suas alianças pessoais – e para aquilo que, no seu entender, aprisionava-o: a idolatria, as drogas, a política e, sobretudo, os Beatles.

Com a cabeleira raspada em um ato simbólico cheio de significados para a época, ele se apresentava não mais como o "Beatle ferino e mordaz" (que na verdade acabava sendo um produto de consumo em massa), mas como um herói da classe operária que emergia de um longo torpor induzido pela fama e muita grana. E chegava cheio de raiva.


Este disco veio de uma catarse pessoal tornada pública, sem paralelos no rock. Algo realmente chocante para o mundo daquele tempo, quando o "tudo bem" da geração paz e amor triunfava em Woodstock. Gravado da forma mais crua possível por Lennon e um reduzido núcleo de músicos (Klaus Voorman no baixo, Ringo Starr na bateria e Billy Preston nos teclados), o álbum se tornou tão imediato e urgente quanto a sua realização: no máximo uma ou duas passadas por música antes de ser gravada e entregue a Phil Spector para mixar. Ao invés dos arranjos elaborados que marcaram os últimos lançamentos dos Beatles, um som descarnado, brutal. Que, curiosamente, veio a ser registrado no estúdio Abbey Road, em Londres, onde o quarteto trabalhou em suas mais célebres gravações.

Nas letras das canções, em vez dos inteligentíssimos jogos de palavras que eram a marca registrada de John, estavam diatribes aliadas às confissões íntimas, nas quais Lennon tornava pública- pela primeira vez - a falta que sentia do pai (que o abandonou ainda bebê) e da mãe (morta quando ele era garoto). E ainda revelava o seu plano de ação para o futuro: "O sonho acabou", decretava ele na faixa "God", depois de avisar ao mundo que já não acreditava mais em Elvis, nem em Bob Dylan ou nos Beatles, apenas nele mesmo e em Yoko ; "isso é a realidade".

Até as canções de amor dedicadas à sua mulher teimavam em pingar algumas gotas de fel contra o mundo: "Segure firme, Yoko", dizia ele nos versos de "Hold On", "tudo vai ficar bem, venceremos a luta".

Texto escrito por José Emilio Rondeau e publicado na Bizz #121, de agosto de 1995

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