Corria o ano de 1976 e não havia um único branco, negro, amarelo, azul ou vermelho que fosse que não estivesse tentado descobrir como seria o novo álbum de Stevie Wonder. Razões para tal não faltavam. Stevie vinha de um disco de sucesso - Fulfillingness' First Finale (1974) - e, como havia se transformado num superstar, assinou um contrato milionário com sua gravadora, a Motown.
A mordida do cantor foi forte: 13 milhões de dólares por sete discos, 20% de royalties nas vendas obtidas, além do direito de escolher as músicas do álbum que deveriam virar single. Enquanto a Motown quebrava a cabeça questionando se o investimento teria valido a pena, ele passeava com uma camiseta em que estava escrito: "Estou quase terminando o disco". E que disco.
Quando chegou às lojas, Songs in the Key of Life, um álbum duplo acompanhado por um mini-LP de brinde, foi direto para o primeiro lugar das paradas, merecidamente. O LP era a lapidação de todos os trabalhos já feitos por Wonder, alternando canções de amor com temas políticos e sociais. O cantor se viu à vontade para pesquisar novos timbres em seus sintetizadores, incrementou a mistura de soul music com jazz e rock, além de construir melodias barrocas.
Songs in the Key of Life abre com "Love's in Need of Love Today", um tema tipicamente wonderiano: a necessidade de se amar num período turbulento. "Have a Talk With God" afirmava que Deus era o "único psiquiatra que trabalhava de graça". Wonder volta a batucar nos temas sociais em "Village Ghetto Land". Construída sob uma base orquestrada, ela fala dos problemas da pobreza e da degradação social. O cantor retoma a alegria em "Sir Duke", homenagem ao jazzman Duke Ellington, e "I Wish", em que recorda os tempos "em que era um rapaz desencanado". As músicas foram parar no primeiro lugar na parada da singles da revista Billboard.
Em "Isn´t She Lovely", Wonder comemorava o nascimento de sua filha, Aisha. A música traz um dos mais belos solos de gaita do cantor. Em "Ngiculela - Es Una Historia - I Am Singing" ele ataca numa versão trilíngue: interpreta a letra da música em zulu, espanhol e inglês. "Another Star" tem como convidado especial o guitarrista George Benson.
Brilhante, ousado e em algumas vezes cansativo - mesmo as obras-primas tem seu momento de chatice -, Songs in the Key of Life permanece intacto quase vinte anos após o seu lançamento. Basta dizer que as músicas deste álbum constituíram-se no maior filé dos recentes shows de Stevie Wonder no Brasil.
Texto escrito por Sergio Martins e publicado na Bizz #124, de novembro de 1995
Comentários
Postar um comentário
Você pode, e deve, manifestar a sua opinião nos comentários. O debate com os leitores, a troca de ideias entre quem escreve e lê, é que torna o nosso trabalho gratificante e recompensador. Porém, assim como respeitamos opiniões diferentes, é vital que você respeite os pensamentos diferentes dos seus.