Renato Russo gostava de dizer que a Legião era uma banda folk que trabalhava com o rock e era percebida como pop. Mas o começo não foi bem assim. No início da história está o punk.
Foi de um grupo punk, o Aborto Elétrico - formado em 1978 por Renato, o baterista Fê Lemos e o guitarrista André Pretorius -, que saiu parte do repertório inicial da Legião. Foi da revolta "no future" (brado de Johnny Rotten, do grupo Sex Pistols, no hino punk "God Save the Queen") que surgiram as primeiras letras do maior compositor do rock brasileiro.
Gravado em 1984 nos estúdios da EMI Odeon, Legião Urbana, o disco de estreia, foi lançado em 1º de janeiro de 1985, duas semanas antes do Rock in Rio. No festival, despontavam Paralamas, Blitz e Barão Vermelho. Mas nenhuma dessas bandas tinha Renato Russo. Voz firme, ele abria o disco com versos furiosos: "Tire suas mãos de mim / Eu não pertenço a você". Era o espírito dos tempos. "Será" foi uma das músicas mais tocadas de 1985. Por causa dela, Renato Russo, Marcelo Bonfá, Dado Villa-Lobos e Renato Rocha saíram de Brasília para o Rio e começaram a tocar de quinta a domingo em Curitiba, Porto Alegre e São Paulo.
Eles sabiam de cor a história dos Sex Pistols, vinham da turma da colina, formada por punks brasilienses, e acreditavam mesmo que poderiam mudar o mundo. Nas entrevistas, Renato falava dos livros que lia, achando que assim conscientizaria algumas pessoas. Falando de ética, amor e perdão (foi assim até o final), ele fez do primeiro álbum um disco de protesto.
Três faixas viraram clássicos do rock nacional: "Será" (cantada até por Simone e Raça Negra), "Geração Coca-Cola" e "Ainda é Cedo" (gravada por Marina Lima e Nelson Gonçalves). "Geração Coca-Cola" é do tempo do Aborto Elétrico, punk básico. Renato colocou as vozes em duas únicas passagens.
A incerteza diante do futuro estava em quase todas as faixas. "Vivendo num planeta perdido como nós / Quem sabe ainda estamos a salvo", divagava "Perdidos no Espaço". "A Dança" é a única com a assinatura e arranjo do baixista Renato Rocha, o Negrete. "O Reggae" é a historinha do disco (muitas outras viriam - segundo Dado, a Legião Urbana era "um violão e vou contar uma historinha para vocês").
O discurso muda na romântica "Por Enquanto", última faixa. No lugar das guitarras, sintetizadores. De volta para casa, Renato já não queria cuspir em ninguém.
Texto escrito por Teresa Albuquerque e publicado na Bizz #160, de novembro de 1998
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