Quadrinhos: Os Mitos de Cthulhu, de Esteban Maroto (2019, Pipoca & Nanquim)



“Não está morto o que pode jazer eternamente
E para além da eternidade estranha do espaço e do tempo
Até a morte pode morrer”*
                                                          
H.P. Lovecraft

É com essa famosa citação que Esteban Maroto narra a primeira página desta adaptação de contos de H.P. Lovecraft. Lançada em junho de 2019 pela editora Pipoca & Nanquim, a edição da HQ Os Mitos de Cthulhu pretende ser a edição definitiva. Após um conturbado histórico editorial, contado em detalhes no prefácio de Maroto, a obra demorou 34 anos para ser publicada como concebida pelo autor.

A espera pode ter sido torturante, mas é recompensadora. As 92 páginas são um deleite para fãs de quadrinhos, principalmente para os amantes do realismo de Maroto, da arte em P&B e, claro, de Lovecraft. Pouquíssimas adaptações em quadrinhos fazem jus à obra deste autor, destacando-se aqui a série adaptada e desenhada pelo inglês Ian Culbard. A editora capricha e entrega um produto em capa dura, miolo em papel couché de alta gramatura e alguns extras: introdução de Jose Villarrubia, prólogo e prefácio de Maroto, algumas notas da tradutora Denise Schittine, biografias e um texto de Rodrigo Guerrino sobre os monstros lovecraftianos). A capa é uma atração à parte e entra facilmente no hall de melhores ilustrações baseadas na obra de Lovecraft.

A HQ consiste na adaptação de três contos do escritor (para alguns) gótico: A Cidade Sem Nome, O Cerimonial e O Chamado de Cthulhu.

Em A Cidade Sem Nome, considerado o primeiro conto do chamado Ciclo de Cthulhu, acompanhamos um explorador encontrando uma cidade mítica e seus estranhos moradores. Em O Cerimonial, uma esquisita história de Natal passada na fictícia Kingsport, um homem é apresentado a um destino nada esperançoso. O Chamado de Cthulhu, quintessência lovecraftiana, encerra a HQ de maneira épica.




Em relação ao argumento, não há muito o que comentar. É uma adaptação livre, mas extremamente fiel aos escritos originais. A exceção está em O Cerimonial, em que Maroto adiciona um ritual não existente no conto de 1923. Esse fato é importante, como pontuado na introdução de Jose Villarrubia, pois acrescenta algo praticamente inexistente na obra de Lovecraft: o erotismo. Nesta mesma história, Maroto dá ao leitor um sentimento único de existencialismo quando seu protagonista caminha solitário em direção à cidade e a um destino desconhecido. Não há qualquer diálogo entre personagens em toda a HQ, apenas caixas de texto narrativo – como um narrador em off – honrando uma característica marcante da escrita de Lovecraft: a narração em primeira pessoa. Recurso importante, é muito utilizado na construção dos heróis góticos lovecraftianos: relatores passivos de algo improvável e sobre o qual o personagem não possui qualquer controle.

Adjetivador excessivo, Lovecraft costumava descrever situações, ações e criaturas com relativa subjetividade: terrível, canceroso, ancestral, lunar, angular, estranho. Criador de monstros únicos (um barril com asas e cabeça em forma de estrela do mar!), cabia ao leitor imaginar a tenebrosa criatura. Em sua literatura isso é ímpar, mas qual o peso do terror ao adaptar isso graficamente? Maroto, com sobra, dá conta do recado. A arte é a grande atração da HQ, principalmente em O Chamado de Cthulhu, quando um monstro extraplanar há muito adormecido emerge de seu sono ancestral. A arte em P&B favorece, pois dá mais densidade ao horror apresentado.

“Neverexplainanything”. Nunca explique nada. É provável que Lovecraft nunca tenha dito isso, mas essa acaba sendo, de certa forma, um pouco da essência de seus escritos. Um mestre do não dito. Os Mitos de Cthulhu, de Esteban Maroto, não precisa de muitas explicações, basta dizer que é abissalmente imprescindível.

*Uma curiosidade: essa citação é o epitáfio do Eddie no álbum Live AfterDeath do Iron Maiden.

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Por Fábio Brod

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