Meados da década de 90. O rock/metal industrial saiu dos guetos do circuito underground e fez seu caminho
no mainstream. Nomes como Ministry, White Zombie e Nine Inch Nails são a bola da
vez, enquanto outros como Fear Factory, Marilyn Manson e Rammstein são
considerados “novidades” naquele momento.
Estes são os que sempre vêm à mente
em primeiro lugar quando se fala nesse tipo de som, e acabam às vezes por
eclipsar outro dos mais originais e igualmente importantes grupos que gravou
alguns dos melhores trabalhos desse gênero: o KMFDM. Até o final daquela década,
o grupo (cujo nome provém de “Kein Mehrheit Für Die Mitleid”, uma expressão meio
nonsense que em alemão significa “Sem piedade pela maioria”) era composto
basicamente pelos alemães Sascha Konietzko, En Esch e Gunter Schulz, possuía a
colaboração periódica do inglês Raymond Watts (mais conhecido pelo seu projeto
musical PIG) e contava com um vai-e-vem de músicos adicionais para participações
no estúdio e ao vivo.
Em 1994, após o projeto
colaborativo entre o KMFDM e o PIG chamado Sin, Sex & Salvation (lançado
exclusivamente no Japão), Konietzko, Esch, Schulz e Watts decidiram unir forças
para gravar o que viria a ser o álbum de maior sucesso do KMFDM: Nihil. Além destes quatro, foram recrutados também o baterista Bill
Rieflin (que na época integrava o Ministry), o guitarrista Mark Durante, as
vocalistas Dorona Alberti (que já havia trabalhado com a banda anteriormente em Angst, de 1993) e Jennifer Ginsberg, e, numa decisão inusitada, um naipe de metais
proveniente do grupo de funk/soul Tower of Power.
Lançado em 4 de abril de 1995, Nihil abre em grande estilo com a bombástica “Ultra”, uma caótica combinação
de sintetizadores, batidas mecânicas e guitarras insanas, e ainda conta com os
vocais sinistros, quase guturais, de Watts - cuja presença é, sem sombra de
dúvida, um dos grandes diferenciais neste álbum, por trazer elementos que ele
explorou em seu trabalho solo com o PIG e que ganham evidência aqui logo de
cara, como seu estilo vocal e suas composições sombrias.
A faixa seguinte, “Juke-Joint
Jezebel”, é facilmente o maior destaque do álbum, a canção de maior sucesso do
grupo e que pode ser considerada como sinônimo da sonoridade do KMFDM em geral. Linhas de sintetizadores mesclam-se com o pesado, porém dançante, som das
guitarras, enquanto Watts vocifera versos que soam como uma perversão de música gospel e
no refrão temos vocais femininos que chegam a evocar a disco music – cortesia da
estreante Jennifer Ginsberg neste caso. Na época, apareceu na trilha sonora dos
filmes Bad Boys e Mortal Kombat (neste último em uma versão remix).
É considerada icônica por boas razões.
“Flesh” é sem dúvida a faixa mais
pesada do álbum que é, por si só, conhecido como o mais pesado do grupo. As
linhas de bateria e guitarra são tão ferozes que podem fazer um desavisado
confundir esta música com algo gravado pelo Ministry entre 1987-92. Até mesmo
os vocais de Watts – principalmente no refrão – chegam até a lembrar um pouco Al
Jourgensen. A escolha de Bill Rieflin como baterista foi mais do que acertada
para este trabalho e esse som é a prova disso. Já “Beast” tem como principal
destaque os sintetizadores que ditam o seu ritmo pesado e a guitarra de Schulz, que faz uma curiosa fusão entre metal e calipso. Konietzko canta os versos num
vocal processado, de aspecto monstruoso, mas solta seu tom natural no refrão em
parceria com Dorona Alberti. A singular natureza que é ao mesmo dançante e
agressiva do som grupo – e em especial de Nihil – é muito bem exemplificada
aqui.
“Terror” é uma daquelas canções
que podemos dizer que resistiu de maneira interessante ao teste do tempo e
possui uma relevância até maior nos dias de hoje do que quando foi lançada, por
conta de sua parte lírica. En Esch questiona sua sanidade mental no refrão,
enquanto Konietzko vocifera versos de forma que parecem samples extraídos de
algum veículo de mídia, tais como: “Forças fundamentalistas estão minando a
integridade das estruturas políticas democráticas e liberais” e “Nossas
sociedades estão saturadas com sede de sangue, sensacionalismo e violência como
resultado da alienação da realidade do indivíduo”, enquanto a guitarra feroz
de Schulz e a bateria pesada de Rieflin dominam o fundo.
Em seguida vem
“Search and Destroy”, que é outra das mais agressivas faixas do álbum e onde Bill
Rieflin parece transparecer novamente a influência vinda do Ministry, aqui
apresentada de uma forma bem próxima do punk e do hardcore. Konietzko traz
novos questionamentos sobre nossa sociedade e visão do mundo, de maneira
simples e direta, e faz um apelo para que sejamos resistência diante das
adversidades: “Apenas a morte é silêncio”.
“Disobedience” talvez seja o
momento mais ousado do álbum, e outro dos grandes momentos na discografia do
KMFDM. Enquanto Watts apresenta sua performance vocal num tom mais sutil e Konietzko
canta seus versos como samples de maneira similar ao que fez em “Terror”, o
andamento é o mais tranquilo do álbum até a aparição do trio de metais, cuja
presença realmente consegue elevar o nível dando ares de big band à uma
canção de rock industrial. Na sequência vem “Revolution”, que traz os viciantes
riffs de guitarra de Schulz, marcados com a bateria de Rieflin e backing vocals
femininos de aspecto quase angelical – um contraste com o clima propositalmente
infernal da canção. En Esch novamente canta versos que questionam nosso estado
mental, mas desta vez procura refletir sobre uma possível mudança, acompanhado
em outros versos pelo vocal feminino de Alberti que dá vagas sugestões de como
isso pode ocorrer: “(...) Algo precisa acabar / É a hora certa para a
mudança / Está tudo em nossas mãos”.
“Brute” volta novamente para a
dualidade dançante/bate-cabeça do álbum, aqui representada por batidas pesadas
e precisas e as excelentes linhas de guitarra de Schulz, além de Watts
entregando uma performance vocal que a princípio beira o sussurro (num nível
próximo ao de Trent Reznor, digamos) e parte para um tom completamente
explosivo no refrão.E, por fim, “Trust” encerra o álbum num tom meio irônico: é
a canção com a mensagem lírica mais positiva de um disco marcado por um clima
excepcionalmente pesado tanto no som quanto nas letras, mas que não deixa de lado
esse peso para transmiti-la e traz por uma última vez o vocal de Dorona Alberti
no refrão, enquanto os versos ficam por conta de Konietzko.
Pesado, dançante, reflexivo,
marcante. Estes adjetivos definem muito bem um álbum como Nihil, mas
certamente são pouco perto do que é a sensação de ouvi-lo. Poucos discos de seu
gênero, antes e depois dele, conseguiram transmitir o mesmo impacto sonoro e
esta é uma experiência auditiva que todo fã que se preze de rock/metal industrial deveria experimentar ao menos uma vez na vida.
Por Rodrigo Façanha
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