Review: Nightwish - Human. :II: Nature. (2020)



Mesmo que tenha iniciado no metal sinfônico e se transformado em uma das bandas fundamentais não apenas para a construção do estilo, mas sobretudo para a sua popularização, o Nightwish extrapolou o gênero faz tempo. Há anos a banda faz um som sem igual, dono de uma personalidade gigantesca e que não encontra parâmetro nem mesmo em nomes que são comumente associados aos finlandeses, como é o caso do Epica. O uso farto de elementos étnicos vindos de diferentes partes do globo, as orquestrações onipresentes, o protagonismo do teclado, os coros crescentes e invariavelmente arrepiantes, as harmonias vocais sempre elaboradas, a onipresente ligação com o prog: existe uma forma de Tuomas Holopainen construir o universo sonoro do Nightwish, e essa receita jamais parou no tempo.

Essa é a primeira impressão ao ouvir Human. :II: Nature., nono álbum do sexteto. É o Nightwish mais uma vez fazendo algo que não tinha feito antes. A banda dá um passo além em relação ao disco anterior, Endless Forms Most Beautiful (de 2015, que eu adorei mas muita gente torceu o nariz), algo natural após a efetivação da atual formação – Floor Jansen está na banda desde 2012, o vocalista e multi-instrumentista Troy Donockley desde 2013 e o baterista Kai Hahto desde 2014, sendo efetivado como integrante oficial após cinco anos apenas como músico de turnê.

Gravado entre agosto e outubro de 2019 em quatro estúdios diferentes (três na Finlândia e um na Inglaterra), Human. :II: Nature. tem produção do próprio Tuomas ao lado de Tero Kinnunen e Mikko Karmila, repetindo o trio que há anos vem assinando os discos da banda. Duplo, o álbum é dividido em duas partes. A primeira vem com nove músicas onde o Nightwish dá sequência à evolução da sua sonoridade, que nunca ficou parada nesses quase 25 anos de carreira. Já o segundo disco traz uma peça de música clássica – ou erudita, como preferir – predominantemente instrumental, que conta com algumas narrações em sua duração e onde a banda não utiliza os instrumentos tradicionais do rock e metal, como guitarra, baixo e bateria.

Um dos pontos altos de Human. :II: Nature. está nas interações vocais entre Floor, Troy e Marco Hietala. O Nightwish possui um trio de vocalistas que possibilita arranjos técnicos e intrincados, e a banda não se furta disso. Floor Jansen é um fenômeno da natureza, com uma voz absolutamente única. Troy vem com um timbre reconfortante e sereno, enquanto o baixista rasga o tom e possui uma técnica e uma agressividade que colocaram o som do Nightwish em um nível superior desde a sua estreia, em Century Child (2002). Nesse novo trabalho o brilho maior fica logicamente com Floor, que é a voz principal. Ela esá mais à vontade e solta que em Endless Forms Most Beautiful, como era de se esperar e como ficou evidente no ótimo ao vivo Decades - Live in Buenos Aires, lançado no final de 2019. Mas Troy Donockley ganha também grande destaque, sendo inclusive a voz principal da linda “Harvest”, assim como Hietala, que assume o protagonismo em “Endlessness”.

Liricamente o álbum fala basicamente sobre a vida, que é o tema recorrente em todas as canções. Inconscientemente, o Nightwish acabou compondo um trabalho que traz letras que adquirem uma dimensão totalmente diferente devido à pandemia que vivemos. E, nesse aspecto, a sonoridade, linhas vocais e arranjos ascendentes da banda, já carregados de emoção, deixam o ouvinte ainda mais à flor da pele. O disco transborda sentimento e beleza, tocando fundo quem não consegue separar a arte da vida real, o som que chega aos ouvidos e a incerteza que vem lá de fora. Isso faz de Human. :II: Nature. um disco único na carreira do Nightwish.

Consistente como de costume, o álbum traz destaques óbvios como a grudenta “Noise” (não por acaso o primeiro single), a linda abertura com a emocionante “Music”, a alternância de vozes de "Shoemaker", a belíssima “Harvest”, a incrível performance vocal de Floor em “Procession”, o peso e agressividade de “Tribal” e o fechamento da primeira parte com os contornos épicos de “Endlessness”. Já a parte orquestrada, que ocupa todo o segundo disco, é de uma beleza inebriante e mostra, de novo e mais uma vez, o incrível compositor que é Tuomas Holopainen. Quem ouve o Nightwish apenas pelo peso e pelo lado metal talvez não curta, mas azar dessas pessoas.

A conclusão é que Human. :II: Nature. traz, novamente, o Nightwish saindo de sua zona de conforto e explorando novos caminhos. O saldo é francamente positivo, com um resultado final que toca fundo no coração do ouvinte. Uma banda única e que, na minha opinião, está com a sua melhor formação. A consequência é mais um disco brilhante em uma carreira repleta de álbuns excelentes.

Comentários

  1. "Mesmo que tenha iniciado no metal sinfônico e se transformado em uma das bandas fundamentais não apenas para a construção do estilo, mas sobretudo para a sua popularização, o Nightwish extrapolou o gênero faz tempo."

    É isso. E eu vou além. Não apenas o metal sinfônico, mas o próprio metal. Não que a banda tenha abandonado o estilo completamente, é fato que não. Mas eu sinto que nesse disco o heavy metal é apenas mais uma das partes que formam o todo. E não o todo em si.

    Isso traz diferenças importantes. Uma coisa é você curvar sua música/composição ao estilo que quer abordar. Outra é pegar um estilo e fazê-lo encaixar-se com sua música/composição.

    Vários motivos podem fazer com que as pessoas não se conectem ao novo Nightwish, mas eu acredito que esse seja o principal. Afinal de contas, o público ainda é o público de heavy metal, que não costuma ouvir nada que não seja heavy metal.

    O disco 2 é uma evidência eloquente que, ao menos na cabeça de Tuomas, o heavy metal é parte importante mas apenas uma das partes. Anteriormente ele havia separado os mundos, seja em trabalho solo ou então em uma nova banda - Auri, não obstante o som do Nightwish sempre tenha incorporado tudo isso. Mas ao colocar todo o disco dois sem o som tradicional de rock/heavy metal, ele escancara isso.
    É uma atitude ousada, haja visto ser o público como é.

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  2. Resenha sensacional! Embora eu esteja assimilando o disco ainda, achei de uma sensibilidade e profundidade gigantescas.

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  3. Como grande fã da banda, sinto muito do que foi descrito na resenha.
    O álbum vai ainda mais fundo em alguns temas explorados anteriormente no EFMB, e traz linhas vocais variadas, prendendo a atenção do ouvinte pelas nuances de cada composição.
    Já considero este álbum como um dos melhores da banda e do estilo.

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  4. Gostei do primeiro disco. Já o segundo, embora reconheça a qualidade da peça, não me desceu... rs

    O Tuomas as vezes exagera nessa pegada de trilha sonora...

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  5. Escutei o disco uma vez e, infelizmente, não consegui ter a mesma impressão que o autor desta resenha. Talvez eu estivesse esperando um outro tipo de disco e a surpresa que eu tive ao escutar as músicas pela primeira vez não foi boa. Certamente não é um álbum de heavy metal. Mas isso não é um problema para mim. O ponto é que achei muitas das músicas repetitivas e cansativas e, para mim, várias delas pareciam que não "engrenavam". As que mais gostei foram Tribal, Endlessness e How's the heart.
    Minha primeira impressão foi que a banda não soube aproveitar o potencial vocal da Floor nas novas composições. Além disso, a bateria também não me agradou.
    Ressalto que essas foram as minhas primeiras impressões sobre o álbum e, sinceramente, espero que ela mude e passe a curtir mais deste disco, já que o Nightwish é uma das minhas bandas prediletas.
    Vou escutar o disco mais algumas vezes e depois volto aqui para dizer se minha opinião mudou.

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    1. Eu não consegui realmente gostar de quase nenhuma das músicas na primeira vez que ouvi, talvez porque não fosse o que eu esperava, de metal mesmo existe pouco no disco, em metal mas menos do que se poderia esperar.
      O que fiz foi começar as assistir os vídeos com letras lançados no canal do Nighwish no youtube e cresceu em mim, hoje eu adoro do início ao fim, algo que faz MUITO tempo que não consigo dizer de um album.
      Outro ponto é que as músicas são muito complexas e cada vez que ouço vou percebendo novos detalhes.
      E sobre a Floor minha impressão é oposto, penso que o vocal está magnifico e é muito difícil de acertar, ela disse que ficou meses em casa tentando acertar algumas das músicas.

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  6. Depois de uma primeira impressão um tanto decepcionante, escutei o álbum mais algumas vezes, além de ouvir novamente toda a discografia de estúdio da banda, e passei a apreciar mais, ou ao menos entender melhor, o novo disco do Nightwish.
    Ao contrário do que escrevi anteriormente, Humam II Nature é sim um álbum de Heavy Metal, apesar de ainda achar que em algumas músicas faltam um peso maior ou mais encorpado, como no caso de Endlessness. A única música que ainda tenha aquela impressão que o instrumental não engrena é Procession, em que pese o belo trabalho vocal de Floor Jansen.
    Falando na vocalista, digamos que ela fez um belo trabalho com o material que tinha, pois ainda penso que a maior parte das composições não a favoreciam.
    A primeira música do disco, apesar de boa, não funciona direito como música de abertura e pode ser um balde de água fria em fãs que esperavam algo mais bombástico, como eu. Talvez Pan ou o próprio single Noise teriam sido uma melhor opção para abrir o disco.
    Human II Nature é um álbum ímpar na discografia do Nightwish, absolutamente diferente de qualquer outro trabalho da banda (e por isso tenha me causado certa estranheza), não sendo recomendado para aqueles que querem um primeiro contato com a banda, na minha opinião.

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    1. Achei seu comentário interessante, por isso eu vou acrescentar algumas coisas:

      Sobre o heavy metal, é o que eu escrevi antes. O metal é um dos elementos da musicalidade de Tuomas atualmente, mas ele não é mais um "escravo" dele. Vou exemplificar com Journeyman, do Maiden. Diz-se que a banda pensou em deixar a música de fora por não ser metal demais. Isso é curvar sua música ao estilo. Felizmente eles tiveram coragem e a mantiveram. Eu vejo que Tuomas chegou num ponto onde isso não é mais o fundamental. A música vem primeiro. Só isso explica um disco 2 que não é nem metal e nem rock. E mesmo no disco 1, que orbita o rock/metal, em muitos momentos o peso é deixado de lado sem nenhum problema.
      Ele deu um passo além do que o Nigtwish era.

      Concordo sobre Procession. É uma música estranha, que não progride e nem refrão tem. Só posso pensar que é proposital, para se pensar na letra. Da mesma forma como a última parte de Song of Myself não tem ninguém cantando e sim várias pessoas declamando a poesia. Naquele caso a poesia era mais importante pra ele do que a música. Acho que esse possa ser o objetivo de Procession.

      Sobre a Floor, parece que não teremos muitos momentos de exibicionismo vocal. Nada de shows de agudos ou passagens que facilmente impressionam o público. Tuomas deu uma colher de chá com a parte lírica em Shoemaker, assim como tinha dado com o gutural da Floor no disco anterior. No entanto, o foco parece ser outro. As linhas vocais são sinuosas e sincopadas em vários momentos. É fácil de perceber ao tentar solfejar as melodias vocais de Pan, Music e Shoemaker. Floor fez um trabalho incrível (embora não teria muito destaque no The Voice, se é que me entende rsrs)

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  7. Melhor álbum dos Nightwish. Nunca gostei deles e agora surpreenderam-me.

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  8. Sempre acompanhei o trabalho deles de longe... confesso com um pouco de pré--- conceito!
    mas esse disco me fez ir atrás de outros trabalhos e entender um pouco do mundo NW.
    Floor É UM FENOMENO da natureza sim, canta como poucas!!! Confesso estar absorvido por este trabalho há algumas semanas... Estou escutando o trabalho anterior tb. Mas posso afirmar que esse disco é soberbo!!! Assim como a voz e a beleza de Floor!!!

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  9. Isso não é um disco, é uma obra-prima! Sem dúvida está entre os melhores da banda, e caminhando a passos largos para ser o número 1.
    Sendo um fã de heavy metal de carteirinha há décadas, e tendo acompanhado o Nightwish desde o começo dos 2000 (que banda diferenciada!), minha visão é: não seria o primeiro disco que eu apresentaria para alguém "de fora", EXATAMENTE por ser uma obra riquíssima, lotada de elementos, referências, nuances, variações, camadas, bom gosto, cultura musical, que exige certa bagagem prévia. O disco funciona maravilhosamente como um todo, muito maior do que a soma das suas partes isoladas. E, apesar de ter ultrapassado o metal (e o rock, e até a música moderna!), o peso está bem marcante e presente, sim.
    Essa evolução grandiosa da banda está uma coisa linda de se acompanhar, e confesso, nem consigo imaginar um próximo passo. Esse já me surpreendeu e pegou pelos cabelos.

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