O coach de coleção


Já fiz mais de cem entrevistas com colecionadores de discos nesses quase 13 anos de Collectors Room, o que me proporcionou ter contato com as mais variadas coleções e os mais variados perfis de colecionadores. E, também, com os mais diversos comentários envolvendo esses acervos incríveis.

Nesse tempo todo, vi surgir e crescer uma figura que você, que coleciona discos e frequenta fóruns e grupos de colecionadores, certamente já teve contato: o coach de coleção. Ou o sommelier de discos. Chame como quiser. O perfil é sempre igual: mesmo não perguntado sobre algo, ele faz questão de externar a sua opinião sobre tudo. De julgar e avaliar as coleções e os discos que são apresentados com orgulho por apaixonados pela música como a gente. E faz isso de cima de um pedestal, emitindo opiniões que, em sua cabeça, são verdades absolutas. Mas que, na prática, só reforçam um estereótipo caricato a respeito de quem coleciona discos.

A experiência de vida, de ouvir discos, de comprar álbuns, de amar a música e de ser um apaixonado por algo tão fora do nosso tempo como a mídia física e os acervos que a mantém viva, fez com que eu chegasse a algumas conclusões sobre esse mundo do colecionismo que une todos nós e é tão especial: 

- uma coleção é o retrato extremamente pessoal do colecionador. Por esse motivo, jamais existirão duas coleções iguais

- não existe uma coleção melhor ou pior que a outra. Todas elas são incríveis

- quantidade não é qualidade

- a razão para construir e possuir uma coleção é ouvir os discos de seu acervo. Você compra discos para escutá-los, não para deixá-los expostos na estante

- CDs, LPs, K7s, MDs, DVDs, Blu-rays: não existe um formato de mídia melhor ou pior que o outro. O melhor formato é aquele que você mais gosta

- ame a música acima de tudo, e não o formato

- você não é uma pessoa melhor por colecionar tal banda ou tal estilo

- você não é uma pessoa mais evoluída por ouvir um estilo ou outro de música


O coach de coleção nada mais é do que mais um fruto desse mundo narcisista em que vivemos, onde um número cada vez maior de pessoas acredita cegamente que não apenas deve se expressar e se posicionar sobre tudo, como também que os demais indivíduos do planeta não conseguirão viver sem conhecer a sua opinião sobre qualquer assunto. O que sabemos que é um grande delírio, para dizer o mínimo. Em um mundo onde cada movimento é conhecido, onde cada pensamento é compartilhado e onde tudo vira conteúdo nas redes (anti) sociais, o sommelier de acervos alheios é só mais uma figura desnecessária, pedante e irritante. Mais um personagem que, para preencher o vazio e falta de assunto de sua vida, foca em criticar os outros e diminuir as conquistas alheias.

Você já conheceu e já discutiu com algum desses coachs de coleções, tenho certeza. E a minha dica para lidar com eles é bem simples: ignore. Ou aperte o botão de block. A vida já é complexa o suficiente e o mundo já tem problemas demais para você perder tempo com quem se sente no direito de julgar o que você ouve, o que você gosta e o que você coleciona.

E se ele insistir, recomende que ele siga ouvindo o que mais gosta: as vozes de sua cabeça.


Comentários

  1. Sensacional. Acho que vou usar o termo coach para algum eventual problema. 😂

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  2. Conseguem ser ainda mais irritantes do que aqueles que só fazem frizar que há tudo no YouTube e no Spotify, como se o colecionador vivesse numa caverna de ignorância e jamais tivesse lhe passado tal ideia pela mente.

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  3. Excelentes observações. Aquele pessoal que gosta de colecionar dezenas de edições do mesmo disco, bonecos e outras futilidades deveria ler a matéria. E, por fim, duas conclusões perfeitas contidas no texto: "a razão para construir e possuir uma coleção é ouvir os discos de seu acervo. Você compra discos para escutá-los, não para deixá-los expostos na estante"; "ame a música acima de tudo, e não o formato".

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    1. Mas o problema é o cara querer colecionar N edições do mesmo disco ou ficar nas redes cagando regra e esculachando a coleção dos outros? Acho que você não sacou o foco do texto. Se o sujeito gosta de ter o mesmo disco em zilhões de edições diferentes e isso é legal para ele eu não vejo problema algum. Vejo problema é se o camarada tiver essa postura descrita no texto, de se achar uma autoridade e que o mundo precisa saber a opinião dele. E esse me parece ser o centro da discussão aqui. Cada um coleciona como quiser, meu chapa, essa é a mensagem do texto.

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  4. Parabéns pelo texto. Concordo. Gostaria de acrescentar que há coach de tudo hoje em dia. Independente do assunto.

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  5. "Ame a música acima de tudo, e não o formato" — exatamente. Ainda ouço meus mp3 (bootlegs e afins) e sou muito feliz com isso.

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  6. Estava esperando a hora certa para ler com calma. Legal demais.

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