Foto: Jeff Marques
Assistimos a alguns shows para apreciar a obra de um artista. Em outros, vamos para nos impressionar com a técnica dos músicos. Em alguns, o desejo é ficar cara a cara com nossos ídolos e realizar o sonho de uma vida. E há também aqueles em que vamos para homenagear e dar o derradeiro adeus a alguém.
Essa última definição se aplica perfeitamente à The Beast is Back / The Beast Resurrection, tour que Paul Di’Anno faz pelo Brasil. Promovida pela editora Estética Torta, a turnê do ex-vocalista do Iron Maiden é a maior que um artista internacional já fez pelo país, com 31 shows – apenas quatro capitais não têm apresentações de Di’Anno. O cantor apresenta um setlist com músicas dos dois primeiros discos da banda que fez parte – Iron Maiden (1980) e Killers (1981) – e é acompanhado no palco por um time formado por Leo Mancini e Henrique Pucci (guitarrista e baterista do Noturnall), Chico Brown (guitarrista filho de Carlinhos Brown), Nolas (guitarrista do Electric Gypsy) e Saulo Xakol (baixista do Noturnall).
Di’Anno é um dos personagens mais controversos do metal. Após ser expulso do Iron Maiden em 1981, jamais conseguiu emplacar uma carreira solo ou algum projeto. Seu comportamento errático e vida desregrada cobraram o preço com o passar dos anos, colocando-o em uma cadeira de rodas devido a problemas sérios nos joelhos, que só conseguiu operar recentemente devido a ajuda dos fãs. Durante anos, Paul Di’Anno não perdeu a oportunidade de falar mal de sua ex-banda em toda e qualquer entrevista, e seus alvos principais sempre foram Steve Harris e o manager Rod Smallwood. No entanto, contraditório como sempre, sobreviveu desde 1981 explorando a sua passagem pelo Maiden e, como no caso dessa atual turnê, tem o foco de sua vida artística totalmente na banda inglesa. Alguns poderão dizer que o Iron Maiden se tornou gigantesco demais e é impossível se desvencilhar do sexteto inglês, já outros preferem acreditar que o também ex-cantor do grupo, Blaze Bayley, mostra que isso é possível. Eu fico no meio do caminho entre essas duas alternativas.
O show em Florianópolis rolou no Célula Showcase, tradicional palco da capital catarinense e com capacidade limitada a 400 pessoas. O clima no local estava ótimo e era de celebração, com uma aura muito positiva. Confesso que não assisti o Electric Gypsy e fiquei na parte externa da casa conversando com os amigos enquanto a banda mineira tocava. Ouvindo por cima, a sensação é de que o quarteto, formado por músicos bastante jovens e com potencial, possui um futuro promissor.
Já o Noturnall fez um grande show, ainda que o sistema de som do Célula não estivesse nos seus melhores dias. Com músicos extremamente técnicos e um vocalista que soa muito mais maduro hoje do que quando surgiu, a banda paulista tocou nove músicas e teve como destaques a pesadíssima e contagiante “Wake Up” (presente no disco 9, lançado em 2017), o cover do hino “Thunderstruck” do AC/DC e a versão cheia de peso e extremamente atual para “O Tempo Não Para”, clássico de Cazuza, e que está em Cosmic Redemption, novo álbum que acabou de ser lançado. Bianchi teve ótima performance e é um grande frontman, ganhando o público com simpatia e se entregando a cada canção. A banda toda é excelente, mas vale destacar o trabalho de Leo Mancini nas guitarras, encarando sem maiores problemas as complexas linhas compostas e gravadas por Mike Orlando, que deixou o grupo no final de 2022. Xakol e Pucci formam uma dupla pra lá de coesa, com o baixista esbanjando classe e peso enquanto o baterista inscreve-se entre os grandes nomes do instrumento aqui no Brasil.
Após uma breve introdução em que Thiago Bianchi apresentou Stjepan Juras ao público e o escritor croata, autor da série de livros sobre o Iron Maiden que a Estética Torta está publicando, falou sobre a importância desta turnê e do público brasileiro para a carreira, a vida e a recuperação de Di’Anno, o vocalista subiu ao palco. A força das canções presentes nos dois primeiros discos do Maiden é reafirmada aos primeiros acordes da introdução gravada de “The Ides of March” e mostra o seu poder quando a banda começa a tocar a clássica “Wrathchild”. Execução perfeita dos músicos, público ensandecido e cantando a plenos pulmões e Paul Di’Anno com um enorme sorriso no rosto. E ainda que a empolgação tenha dado o tom durante toda a apresentação, Di’Anno desde o início mostrou problemas na voz, que ficaram ainda mais evidentes quando se comunicava com o público, geralmente pedindo desculpas entre uma faixa e outra. Esse foi um fato estranho, pois o show de Floripa aconteceu após três dias livres e sem datas, então era de se esperar que a voz de Paul estivesse descansada, o que não foi o caso. Outro ponto negativo foi o fato de Di'Anno não voltar para o bis com "Prowler" e "Iron Maiden", que acabaram não sendo tocadas para o público catarinense.
Problemas à parte, vamos voltar ao que falei na introdução deste texto: ver Paul Di’Anno ao vivo nesta turnê brasileira de 2023 é ter a oportunidade de se despedir de uma lenda que provavelmente está fazendo a sua última visita ao nosso país. E isso se dá em um momento em que o vocalista conseguiu mobilizar a legião de fãs do Maiden por causa dos seus problemas de saúde, que o colocaram em uma cadeira de rodas e que limitam seus movimentos. Assistir a esses shows é celebrar a vida, ainda que errática, de Paul Di’Anno, com o vocalista dos dois primeiros e clássicos álbuns do Iron Maiden à sua frente. São performances que mostram o cantor com desempenhos variáveis de cidade pra cidade, enquanto sua banda de apoio soa mais afiada a cada nova apresentação.
Para o bem ou para o mal, assistir a (provavelmente) última passagem de Paul Di’Anno pelos palcos brasileiros é uma experiência que vale a pena e se tornará histórica.
Vi o show em JF e foi fantástico! Interessante como fica claro ao vivo o quanto o material da era Dianno tem uma forte inflexão Punk, que se esvaiu por completo na era seguinte. Me senti assistindo a um show do GBH com melodias derramadas! Incrível e histórico, fora noturnall e electric que ARREBENTARAM!
ResponderExcluirExcelente perspectiva Ricardo. A resenha representa muito bem o que é essa tour.
ResponderExcluirEstive no show de Maringá e apesar de muitas questões que prejudicaram o espetáculo, principalmente por conta da organização, vi um Paul Dianno feliz de estar no palco. Foi uma possível despedida digna para uma lenda.