Ghost mostra porque é especial no excelente EP Phantomime


O Ghost aprendeu tudo com as grandes bandas da história, e aplica esse aprendizado não apenas na sua música. Bandas como Iron Maiden, por exemplo, foram pródigas em lançar material adicional nos lados B de seus singles durante as décadas de 1980 e 1990, músicas essas que eram predominantemente covers dos grupos que inspiraram a banda e eram encontradas apenas nos singles. Elas seriam reunidas anos depois no CD duplo Best of the ‘B’ Sides, lançado em 2002 no box Eddie’s Archive, que traz os também duplos BBC Archives e Beast Over Hammersmith.

Os EPs do Ghost seguem essa receita do Maiden à risca. São três até agora: If You Have Ghost (2013, com versões para canções do ABBA, Depeche Mode e outros), Popestar (2016, que inclui releituras para Echo & The Bunnymen e Eurythmics) e Phantomime, o mais recente. Lançado em maio, vem com cinco faixas, todas elas covers: “See No Evil” (Television), “Jesus He Knows Me” (Genesis), “Hanging Around” (The Stranglers), “Phantom of the Opera” (Iron Maiden) e “We Don’t Need Another Hero” (Tina Turner). E o resultado é, como esperado, sensacional!

Assim como o Metallica, o Ghost não apenas sabe escolher muito bem as canções que "coveriza" como também possui uma imensa capacidade de imprimir a sua própria personalidade nas releituras, apropriando-se das composições como se fossem suas e trabalhando com faixas cujas letras conversam com o conceito lírico de sua própria carreira. Mérito total de Tobias Forge e seus colegas, e uma das qualidades que transformaram a banda sueca no maior fenômeno do metal dos anos 2010.

Isso fica ainda mais evidente quando o grupo trabalha em canções não tão conhecidas, como é o caso de “See No Evil”, que aqui ganhou uma interpretação inspirada e que deu uma cara super positiva para a música, que abre o primeiro álbum do Television, o ótimo Marquee Moon (1977). “Jesus He Knows Me”, vinda direto de We Can’t Dance (1991), do Genesis, possui uma letra que critica o televangelismo em voga no início daquela década na Inglaterra e nos Estados Unidos, e que produziu versões tupiniquins como Edir Macedo. A versão do Ghost é não menos que excelente, e o refrão escrito por Phil Collins ecoa na voz de Papa Emeritus de forma ainda atual. A deliciosa releitura de “Hanging Around”, cuja gravação original está em Rattus Norvegicus (1977) disco de estreia do The Stranglers, é um dos destaques do EP e soa como uma composição novinha em folha do Ghost, com direito a um “riff” de teclado contagiante conduzindo tudo.

A parte final de Phantomime traz as duas faixas mais conhecidas presentes no EP. A interpretação de “Phantom of the Opera”, não apenas um dos maiores clássicos, mas também uma das melhores músicas do imenso catálogo do Iron Maiden, evidentemente dividiu opiniões entre a fanbase da lendária banda inglesa, mas não há motivo para isso. Forge e seus colegas, ainda que não soem reverenciais na regravação, respeitam a estrutura da canção e entregam a sua personalidade em uma releitura super competente e, até certo ponto, convencional. Gostaria de ter ouvido, por exemplo, os teclados fazendo a harmonia originalmente gravada pelas guitarras e presente antes dos solos, pois me parece que isso daria uma cara ainda mais Ghost para a versão. Mas isso é apenas uma opinião pessoal, e, como fã do Iron Maiden e também do Ghost, gostei do que a banda fez e das pequenas mudanças inseridas no arranjo.

O EP se encerra com “We Don’t Need Another Hero”, um dos maiores hits de Tina Turner e a música tema de Além da Cúpula do Trovão (1985), terceiro filme da trilogia Mad Max. Essa aqui ficou sensacional e irretocável, e mesmo sendo um enorme hit conhecido por todos, impressiona como o Ghost se apropriou da faixa e deu a sua cara, forte e contagiante, para a canção. Isso é alcançado com um arranjo muito bem construído, uma irretocável interpretação vocal de Tobias e uma performance instrumental onde tudo está no lugar certo. Todos os elogios são merecidos, e, além de tudo, a versão serve como um belo tributo à Tina Turner, falecida no final de maio, poucos dias após o EP ser lançado.

Phantomime é mais um título da até agora irretocável discografia do Ghost. As comparações e associações feitas com nomes gigantes como Iron Maiden e Metallica não são exageradas, e acontecem porque o Ghost já é, ele próprio, um gigante da música.

É muito bom presenciar a história acontecendo diante dos nossos olhos. Ou melhor: rolando diretamente em nossos ouvidos.


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