O Nightwish tem perdido a acessibilidade nos trabalhos mais recentes. Desde a chegada da vocalista Floor Jansen e sua estreia em Endless Forms Most Beautiful (2015), a banda liderada pelo genial tecladista e compositor Tuomas Holopainen vem acentuando o seu lado mais épico e pretencioso. O primeiro álbum com Floor fechou com “The Greatest Show on Earth”, composição de vinte e quatro minutos e que é uma das melhores músicas que a banda já gravou. Em Human :II: Nature (2020), a banda incluiu um segundo CD com uma suíte de trinta minutos predominantemente instrumental.
Canções longas não são necessariamente um problema, afinal estamos falando da banda que tem em seu currículo obras-primas como “The Poet and the Pendulum” e “Ghost Love Score”, a primeira com quase quatorze minutos e a segunda superando os dez. A questão é que o Nightwish está se afastando do apelo pop que sempre foi uma das características de sua obra, e essa decisão está deixando a balança um pouco desequilibrada. Se no disco de 2015 havia pérolas como “Élan”, “Your Is an Empty Hope” e a própria “Endless Forms Most Beautiful”, e no álbum anterior pudemos ouvir “Noise” e “Shoemaker”, esses momentos são bastante raros em Yesterwynde. Se isso é bom ou ruim é uma escolha de cada um, mas o caminho seguido pela banda torna, indiscutivelmente, uma tarefa mais desafiadora - no melhor sentido do termo - ouvir o novo álbum.
Lançado em 20 de setembro em todo o mundo, o CD saiu no Brasil pela Dynamo Records em uma bonita edição jewel case trazendo um longo encarte de vinte e oito páginas. Chama a atenção a tiragem inicial de 3 mil cópias, seis vezes maior que a tiragem padrão atual dos álbuns de metal no mercado brasileiro (que saem com prensagens de 500 cópias por aqui), comprovando a popularidade da banda em nosso país.
Yesterwynde traz uma das mudanças de formação mais marcantes e importantes de toda a carreira do Nightwish, pois trata-se do primeiro trabalho sem o baixista e vocalista Marko Hietala em mais vinte anos. Ele foi um dos responsáveis por transformar o som do grupo a partir da sua chegada no quarto disco, Century Child (2002), seja através dos duetos com Tarja (quem não lembra de “Wish I Had an Angel” e a versão para “The Phantom of the Opera”, de Andrew Lloyd Webber), com Anette Olson ou com Floor. Além de ótimo baixista, Marko é dono de um timbre único, que somou muito à música do Nightwish. Em seu lugar chegou Jukka Koskinen, na banda desde 2022 mas que estreou em estúdio agora. Porém, a principal ausência não é sentida no baixo, já que ambos são ótimos instrumentistas, mas sim nos arranjos vocais. Por mais que Troy Donockley, sensacional multi-instrumentista que faz parte do grupo desde 2013, tenha assumido as partes de Marko ao vivo, a ausência do contraste entre uma poderosa voz masculina e o fenômeno da natureza que é Floor Jansen deixa o som do Nightwish inegavelmente menos encantador.
Yestewynde é, conceitualmente, a terceira parte da trilogia iniciada em Endless Forms Most Beautiful e que teve sequência em Human :II: Nature. Ou seja, a banda segue inspirada pela obra de Richard Dawkins, biólogo evolucionista inglês, com as letras explorando a relação entre a ciência e a vida. O título exemplifica isso, pois traz uma palavra criada por Troy que Tuomas descreveu como “uma sensação de tempo, história, memória e estar conectado à geração passada, que todos tiveram suas vidas, seus altos e baixos, e eles não existem mais, exceto como átomos espalhados por todo o universo. Nós também estaremos nesse estado em breve, então isso deve dar a você algo em que pensar”. Esse tema foi explorado no vídeo do primeiro single, “Perfume of the Timeless”, lançado em maio.
O álbum traz doze faixas em pouco mais de 71 minutos, e se configura, como de costume, em uma experiência musical atípica quando comparado ao “terraplanismo” da música pop atual e, em certos aspectos, até mesmo à cena do metal. Não há como negar que Tuomas sempre foi um compositor diferenciado, extremamente criativo e pretencioso, muito fora da curva e praticamente sem igual. Ele segue assim, e essas características ficam ainda mais evidentes em um momento em que a indústria musical vive uma época de grande influência “TikTokiana” para entregar canções mais curtas e com apelo instantâneo, em uma realidade em que o consumo é realizado de forma cada vez mais rápida e os refrãos precisam ser cada vez mais apelativos. O primeiro single de Yesterwynde, a já citada “Perfume of the Timeless”, tem mais de oito minutos de duração e seu refrão só entra perto dos quatro minutos. Quantos vídeos virais do Tik Tok dá pra produzir com todo esse tempo?
Apesar da presença menor de canções mais acessíveis, Yesterwynde agradará os fãs do Nightwish por manter a musicalidade singular da banda, indo do metal sinfônico a influências eruditas e das trilhas da Disney, tudo amplificado pela criatividade sem limites de Tuomas Holopainen e pela presença de uma banda afiadíssima, que tem como destaque a potência e versatilidade de Floor Jansen.
A música título abre o álbum como uma pequena introdução, que é seguida pela grandiosa “An Ocean of Strange Islands”, canção mais longa do trabalho e que supera a barreira dos nove minutos. Já de cara, temos os elementos que se destacam em todo o disco: musicalidade intensa, rica e variada, com os arranjos de Tuomas e a voz de Floor sendo os elementos condutores. “An Ocean of Strange Islands” é uma das melhores músicas do álbum, e impressiona de imediato. A grandiosa “The Antikythera Mechanism” ganha um toque especial com suas linhas vocais que lembram a música sacra, além da mudança de direcionamento que marca sua parte central e a estupenda performance vocal de Floor, que varia entre tons altíssimos e momentos agressivos.
Em “The Day Of ...” temos um dos momentos mais acessíveis, com Floor ganhando a companhia de um coral de crianças em uma faixa que se inscreve entre as melhores da fase contemporânea do Nightwish e com cara de que irá permanecer no setlist dos shows por anos. “Perfume of the Timeless” equilibra pretensão com um refrão fortíssimo e grudento, que fica na cabeça desde a primeira audição. Um dos momentos mais belos do disco vem a seguir com a predominantemente acústica “Sway”, em que Troy e Floor fazem um dueto arrepiante com ecos de música folk. Uma canção lindíssima e que explora um dos pontos mais marcantes da musicalidade do Nightwish, além de trazer influência do Auri, projeto folk que Tuomas e Troy tem com Johanna Kurkela, esposa do tecladista.
O grande momento pop do álbum está em “The Children of ‘Ata”, canção com melodias vocais cativantes e batida contagiante, além de um refrão feito pra cantar junto. Uma faixa acessível onde o Nightwish consegue equilibrar essa característica sem perder a grandiosidade e a riqueza que marcam a sua música, herdeira direta de momentos marcantes como “Nemo”, maior hit do grupo. Já em “Something Whispered Follow Me”, além de excelentes vocais, Floor entrega também passagens com vocalizações que beiram o celestial.
A parte final entrega outra gema pop em “Spider Silk”, a linda “Hiraeth” (com um arranjo crescente arrepiante), a excelente “The Weave” e o encerramento com a contemplativa “Lanternlight”, cujos últimos sons se conectam com o início da música título, que abre o disco.
O Nightwish ainda não conseguiu gravar um álbum ruim, e não foi com o seu décimo disco que isso aconteceu. Dono de uma personalidade única como todos os nove trabalhos anteriores, Yesterwynde é grandioso, pretencioso, surpreendente e cativante, e entrega uma dose maior de desafio àquele tipo de ouvinte que busca uma recompensa instantânea. Se esse for o seu caso, recomendo ouvir o álbum algumas vezes antes de chegar a um veredito. A crescente familiaridade com as músicas revelará um disco majestoso como de costume, e com diversos momentos que colocarão um sorriso no rosto de todo fã do hoje sexteto finlandês.
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