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A Música de Marie, de Usamaru Furuya: entre a fantasia e a crítica ao humano (2022, NewPop)

Publicado originalmente no Japão entre 2000 e 2001, A Música de Marie é uma das obras mais emblemáticas de Usamaru Furuya. No Brasil, o mangá cehgou pela NewPop em 2022, em uma belíssima edição com sobrecapa com detalhes adornados por hot stamp e um cuidado editorial e gráfico primoroso, apresentando-se como uma das edições mais belas do catálogo da editora. A história se passa em um mundo aparentemente utópico, onde a deusa Marie paira sobre todos como uma guardiã que, com sua música, garante a harmonia e a paz entre os povos. Nesse cenário acompanhamos Kai, um jovem que nutre uma devoção absoluta por Marie, e sua relação com Pipi, sua amiga de infância. A partir dessa premissa, Furuya constrói uma narrativa que mistura fábula, romance e ficção especulativa, ao mesmo tempo em que esconde uma reflexão amarga sobre a natureza humana. O ponto de virada da trama está justamente no que a figura de Marie representa: um mecanismo criado para conter os impulsos destrutivos da humanidade. ...

Rush em Hold Your Fire (1987): a elegância do trio canadenses em sua fase mais sofisticada e controversa

Lançado em 8 de setembro de 1987, Hold Your Fire marca um dos momentos mais refinados e, ao mesmo tempo, mais controversos da carreira do Rush. O álbum é o ápice da fase sintetizada do trio canadense, período em que Alex Lifeson, Geddy Lee e Neil Peart mergulharam de cabeça nos timbres eletrônicos, samples e programações, deixando a guitarra em segundo plano para dar espaço a climas atmosféricos e arranjos de pop progressivo. O disco chegou às lojas em um cenário de mudanças. O rock dos anos 1980 vivia o auge do hard rock festivo e das bandas de arena, enquanto a estética sintetizada dominava tanto o pop quanto o rock alternativo. O Rush, que desde Signals (1982) vinha explorando essa sonoridade, aqui levou a fórmula ao extremo, abraçando influências de bandas como The Police e Talking Heads, além da sofisticação pop de Peter Gabriel e Sting. Entre os destaques, Hold Your Fire entrega algumas das composições mais melódicas da carreira do grupo. “Time Stand Still” é uma joia atemp...

Pink Floyd sem Roger Waters: o impacto de A Momentary Lapse of Reason (1987)

O primeiro álbum do Pink Floyd sem Roger Waters sempre foi um ponto de divisão entre fãs. A Momentary Lapse of Reason , lançado em 7 de setembro de 1987, carrega em si tanto a tentativa de manter viva a chama de uma das maiores bandas da história quanto as marcas de um período conturbado. Com Waters fora após anos de brigas internas, David Gilmour assumiu o volante, contando com Nick Mason e Richard Wright em papéis reduzidos. O rock progressivo já não dominava os anos 1980. O Pink Floyd vinha de The Final Cut (1983), praticamente um disco solo de Waters, sombrio e sem coesão de banda. Gilmour sabia que precisava reconquistar o público e provar que a marca Pink Floyd ainda tinha relevância. O resultado foi um álbum que mistura o DNA da banda com a estética grandiosa e polida da década, recheado de timbres de sintetizadores, bateria eletrônica e arranjos que, por vezes, soam datados hoje. As influências recaem tanto sobre o passado da própria banda – há momentos em que Gilmour recr...

Saga, de Brian K. Vaughan e Fiona Staples: um marco dos quadrinhos do século XXI

Quando Brian K. Vaughan e Fiona Staples lançaram Saga em 2012 pela Image Comics, poucos imaginavam que a série se tornaria um dos maiores fenômenos dos quadrinhos do século XXI. Nascida no rastro da explosão criativa que a editora proporcionou para autores independentes, Saga  (que é publicada no Brasil pela Devir) surgiu como uma mescla ousada de ficção científica, fantasia, drama familiar e comentário social – tudo embalado em uma narrativa épica que soa, ao mesmo tempo, universal e profundamente pessoal. A premissa parte da guerra interminável entre dois povos de planetas distintos: Aterro, um mundo tecnologicamente avançado, e Grinalda, sua lua, dominada pela magia. No meio do conflito, Marko e Alana – soldados de lados opostos – se apaixonam e têm uma filha, Hazel. É através da voz adulta dessa menina que a história é narrada, enquanto a família tenta sobreviver a caçadores de recompensa, monarcas interplanetários e às consequências políticas de sua própria existência. O qu...

Iron Maiden em Senjutsu (2021): um épico moderno para fãs pacientes

Lançado em 3 de setembro de 2021, Senjutsu é o 17º e mais recente álbum do Iron Maiden e chegou seis anos após The Book of Souls (2015), marcando o maior hiato entre discos na carreira da banda. Gravado em Paris com o produtor Kevin Shirley, o álbum reafirma o momento atual da Donzela: uma fase em que o grupo já não busca mais hits ou relevância em listas de vendas, mas sim explorar sua própria mitologia sonora com liberdade criativa total. O álbum foi gravado em 2019, mas só viu a luz do dia em plena pandemia de COVID-19, quando o mundo ainda estava isolado. O Maiden conseguiu manter segredo absoluto sobre sua produção, surpreendendo os fãs com um lançamento inesperado, antecipado pelo single “The Writing on the Wall” e seu videoclipe em animação, repleto de referências à cultura japonesa e à própria história da banda. Musicalmente, Senjutsu se encaixa na fase mais épica e progressiva do Iron Maiden. São mais de 80 minutos de música, distribuídos em dois CDs, onde Steve Harris ...

Judas Priest em Painkiller (1990): o metal levado ao limite

Quando se fala em álbuns que definem o heavy metal, Painkiller sempre aparece na lista. Lançado em setembro de 1990, o trabalho marcou um verdadeiro renascimento para o Judas Priest. Depois de flertar com sonoridades mais comerciais em Turbo (1986) e buscar um equilíbrio em Ram It Down (1988), a banda decidiu abandonar qualquer compromisso com o mainstream e mergulhar de vez em uma sonoridade agressiva, veloz e pesada, em sintonia com a ascensão do thrash metal no final dos anos 1980. O fator decisivo para essa virada foi a entrada do baterista Scott Travis, vindo do Racer X. Seu estilo técnico e poderoso injetou uma energia inédita no grupo. Basta ouvir a faixa de abertura – a avassaladora “Painkiller” – para entender o impacto imediato: a bateria é uma metralhadora que prepara o terreno para riffs cortantes de Glenn Tipton e K.K. Downing e para uma das performances vocais mais intensas da carreira de Rob Halford. O álbum é um desfile de clássicos. “Hell Patrol” equilibra peso ...

Iron Maiden e a aventura progressiva de Dance of Death (2003)

Dance of Death (2003) ocupa um lugar curioso na discografia do Iron Maiden. Veio logo após Brave New World (2000), álbum que marcou a volta triunfal de Bruce Dickinson e Adrian Smith, e carregava a responsabilidade de provar que a reunião não era apenas um sopro de nostalgia, mas um novo fôlego criativo para a Donzela. Gravado novamente com Kevin Shirley na produção, o disco mostra uma banda mais confortável e disposta a ousar, misturando seu heavy metal clássico com estruturas longas, progressivas e, por vezes, inesperadas. O contexto favorecia o Maiden: o metal tradicional vivia um renascimento no início dos anos 2000, e a banda seguia como referência absoluta do gênero. Ao mesmo tempo, Bruce Dickinson, Steve Harris, Dave Murray, Janick Gers, Adrian Smith e Nicko McBrain estavam em sintonia após a turnê mundial do álbum anterior, prontos para expandir ainda mais as fronteiras de seu som. Musicalmente, Dance of Death é um álbum de contrastes. Ele abre com “Wildest Dreams”, uma ...

Sepultura em Chaos A.D. (1993): peso, política e legado eterno

Chaos A.D. (1993) marcou um ponto de virada definitivo na carreira do Sepultura. Depois de conquistar o mundo com Beneath the Remains (1989) e consolidar seu nome no metal extremo com Arise (1991), a banda mineira decidiu mudar de rota. O thrash técnico, veloz e cheio de riffs intrincados cedeu espaço para algo mais cru, pesado e conectado com a realidade política e social da época. O início dos anos 1990 era de ebulição: queda do Muro de Berlim, conflitos étnicos na Europa, o massacre do Carandiru no Brasil e a sensação de que o mundo estava à beira de uma implosão. Esse caldo de caos, violência e descontentamento permeou o disco. As letras deixaram de lado os cenários apocalípticos típicos do metal para mergulhar em críticas diretas a governos, prisões, violência policial e injustiças sociais. Musicalmente, o Sepultura trouxe novas influências. O groove metal do Pantera, a agressividade do hardcore, o peso arrastado do doom e até elementos da música indígena brasileira entrar...

A Farewell to Kings (1977): o disco que projetou o Rush para o futuro

Quando se fala em evolução artística, poucos exemplos são tão claros quanto o que o Rush viveu entre 1976 e 1977. Depois de conquistar o público com 2112 , álbum que salvou a banda do fracasso comercial e abriu espaço para a ousadia, o trio canadense decidiu expandir ainda mais seus horizontes. O resultado foi A Farewell to Kings , lançado em 29 de agosto de 1977, um trabalho que mistura peso, virtuosismo e experimentação de forma ousada e refinada. Gravado no Rockfield Studios, no interior do País de Gales, o disco marca o início de uma fase em que o Rush abraçou de vez a sonoridade progressiva. As influências de Yes e Genesis são claras, mas filtradas pela energia do hard rock e pela pegada inconfundível de Geddy Lee, Alex Lifeson e Neil Peart. O uso de sintetizadores, instrumentos de percussão incomuns e arranjos elaborados demonstrava uma ambição que colocava o grupo além do rótulo de “power trio de rock pesado”. A faixa-título abre o álbum com clima medieval, violões e teclado...

Keeper of the Seven Keys Part II (1988): quando o Helloween definiu o power metal

Poucos discos têm o peso histórico e a aura de unanimidade que cercam Keeper of the Seven Keys Part II . Lançado em 29 de agosto de 1988, ele consolidou o Helloween como a grande força do power metal e ajudou a definir os rumos de um gênero que, até então, ainda tateava em busca de identidade. Se o primeiro Keeper já havia colocado a banda entre os nomes mais comentados da cena europeia, a segunda parte cravou a assinatura definitiva dos alemães no mapa do metal mundial. O contexto era favorável: o Helloween vinha da repercussão positiva de Walls of Jericho (1985) e do próprio Keeper I (1987), discos que mostraram um grupo jovem, veloz e ambicioso. Sob a liderança criativa de Kai Hansen, mas já com a figura magnética e a voz cristalina de Michael Kiske, a banda encontrou o equilíbrio perfeito entre peso, melodia e ambição épica. O resultado foi um álbum que soa grandioso sem perder o frescor, é técnico sem se tornar hermético, e acessível sem se vender à obviedade. Logo na abert...