Minha Coleção - Marco Gaspari: "Quem gosta de banda obscura são os colecionadores"


Por Fernando Bueno
Colecionador

Para começar o nosso papo, eu queria que você se apresentasse aos nossos leitores.

Bom, é um prazer estar aqui. Meu nome é Marco Gaspari (no orkut uso o nick "Sirigaita"), tenho 54 anos e compro discos desde os 13. Trabalhei com publicidade por trinta anos e sou lojista há cinco. Colaboro na revista poeira Zine e, de vez em quando, no blog Mundo Estanho de PB.

Qual foi o seu primeiro contato com a música?

Acho que foi ouvindo "Satisfaction", dos Stones, em um compacto simples que a minha irmã comprou quando ele saiu no Brasil. Eu tinha uns dez anos.

Mais ou menos com que idade você percebeu que essa paixão pela música iria acompanhá-lo por toda a vida?

Nunca tive essa percepção. Quando comprei meu primeiro disco já achava que esses objetos eram especiais e eu não via a hora de comprar outro e mais outro. Se foi paixão, foi à primeira vista. Ou primeira ouvida.

Você consegue dizer em que momento se transformou de um fã normal de música em um colecionador?

Provavelmente foi no momento em que eu não queria mais me desfazer de nenhum disco. No começo eu comprava, ouvia, gostava ou não, e acabava trocando com amigos, sem aquele compromisso de ter o disco e ser fiel a ele. Quando começou a me dar prazer ver aqueles discos ocupando as prateleiras da estante, acho que foi aí que eu percebi que já podia dizer que tinha uma coleção.

Quanto itens você tem?

Faz tempo que eu não conto, mas com certeza entre 4 a 5 mil itens, contando LPs e CDs. Não incluo entre os itens os meus livros e revistas sobre rock.

Qual foi o seu primeiro disco?

Na verdade foram dois: um compacto duplo do Johnny Rivers com a música "Do You Wanna Dance" e o LP Cheap Trills, do Big Brother & Holding Co, com a Janis Joplin.


Qual foi o número máximo de itens que você já adquiriu de uma única vez?

Numa loja da FNAC em Paris cheguei a comprar 84 CDs de uma vez. Foi o meu recorde. Costumava voltar de viagem com mais de 200 CDs, mas não eram comprados de uma vez só.

Você é dono de um sebo. Como fazer para que a sanha de colecionador não atrapalhe os negócios? Fico me imaginando no seu lugar. Acho que teria prejuízo (risos) ...

Conheci algumas pessoas que abriram sebos e lojas de discos com segundas intenções (risos), para ficarem mais próximas da fonte. Não costuma dar muito certo, porque se você não vender aquilo que compra, não vai pagar o aluguel e os impostos. Você acaba falindo em pouco tempo. Na verdade, abrir uma loja significa muitas vezes ter que abrir mão de itens da sua coleção. Eu comecei a minha com mais de quatro mil livros meus e uns 500 CDs. Foi a maior dor no coração.

Qual item você considera o mais raro da sua coleção?

Sinceramente, não sei dizer. Tenho coisas originais da Vertigo (swirl) e algumas obscuridades de um monte de país. Acho que é o disco do Mellow Candle, Sweding Songs.


Qual é o item mais diferente e curioso do seu acervo?

Hoje em dia a internet disponibiliza praticamente tudo, então discos que a gente considerava diferentes ou curiosos alguns anos atrás já são de domínio público (risos). Vou eleger dois: o disco roqueiro da Yma Sumac e o primeiro álbum lançado pelo Plastic People of the Universe, o Egon Bondy’s Happy Hearts Club Banned, um grupo tcheco que era perseguido pelo partido comunista e que, sem saber, teve seu disco lançado na França em 1978 graças a algumas fitas que foram contrabandeadas para lá.

Existe algum disco que você passou um tempão atrás até consegui-lo para a sua coleção?

Nunca fiquei atrás de disco algum. Na realidade, acredito que os discos é que andam atrás da gente. Houve discos que peguei na mão, não comprei por uma bobeira qualquer e eles me castigaram nunca mais aparecendo. É a vingança da bolacha.

E qual é aquele que você ainda não conseguiu?

Para ser coerente com a resposta anterior, ainda não consegui um monte de coisas, mas fico quietinho no meu canto que uma hora aparece. É claro que hoje em dia você entra nos eBays da vida, escreve lá o nome de uma raridade que era absurda para você e logo aparecem uns dois ou três exemplares à venda. Se tiver dinheiro pra bancar, compro no ato. Mas eu prefiro ainda ser fiel ao meu costume de deixar esses discos me acharem quando eu vou à caça. Colecionar, quando você tem dinheiro para comprar qualquer coisa ao preço que for, não tem muita graça. Encontrar discos nos locais mais improváveis e a preços bacanas é que é legal!


Você tem alguma banda preferida, aquela que você tem mais itens, ou se esforça mais para obter material?

Cada semana eu tenho uma banda preferida, mas com certeza algumas já foram preferidas por mais vezes, daí eu ter mais material delas e estar sempre procurando mais. São elas: Van der Graaf Generator e os solos dos músicos da banda, Can, Magma, Amon Dull I e II, Franco Battiato, PFM, Gong, Donovan e Legendary Pink Dots. Mas também tenho muita coisa do Country Joe and the Fish, Canned Heat, Grateful Dead, Jefferson Airplane, Savoy Brown e dos principais medalhões do progressivo inglês.

Quais são, para você, os dez melhores álbuns de todos os tempos?

Os dez melhores álbuns de todos os tempos são os óbvios. Prefiro apontar aqui dez álbuns que podem não ter mudado a vida de ninguém, mas foram importantes para mim:

Donovan – Sunshine Superman
Slapp Happy – Acnalbasac Noom
Can – Tago Mago
Van der Graaf Generator - Pawn Hearts
Mutantes – Mutantes (o segundo)
PFM – Photos of Ghost
Jethro Tull – Living in the Past
Iron Butterfly - Metamorphosis
Captain Beyond – Same
Magma - Kobaya



A sua coleção tem um limite? Tipo, você acha que, algum dia, vai parar de comprar discos porque acha que, enfim, tem tudo o que sempre quis ter? Você acha que esse dia chegará, ou ele não existe para um colecionador?

Não me considero mais um colecionador compulsivo. Hoje passo bastante tempo sem comprar nada e precisa ser um item muito especial (não necessariamente uma raridade ou disco caro) para que eu me interesse. Mas já passei outras vezes por fases como esta e de repente o Mr Hyde colecionador assume e a gente sai por aí comprando tudo o que aparece pela frente. Por isso acho que coleção não tem limite.

Por outro lado, é preciso ter alguma disciplina. Uma coleção de discos é como uma coleção qualquer. Tipo selos. Se você quiser juntar selos, nunca vai ter uma coleção interessante. Se você se especializar em algum tema, ai é bem capaz que consiga ter uma coleção que preste.


Já parou para pensar em quem será o herdeiro da sua coleção no seu futuro?

Provavelmente algum sebo de discos usados (risos). De vez em quando chego para meus filhos e digo: “Tá vendo este disco? Vale 400 dólares... Tá vendo este outro? Vale 200...”. Mas não me iludo, não. Quando eu bater as botas eles vão chamar alguém pra fazer preço e vai tudo embora por uma ninharia. É o ciclo natural das coisas.


Se você tivesse que indicar algumas bandas, e alguns discos, para uma pessoa que nunca teve contato com o rock, o que indicaria?

Indicaria os medalhões: Elvis, Beatles, Stones, Purple, Led, Yes, Queen, Iron Maiden. Como a imensa maioria gosta deles, a chance dessa pessoa também gostar é bem grande. Quem gosta de banda obscura são os colecionadores.

Tem alguma história engraçada ou curiosa que aconteceu com você por causa da música?

Na primeira vez em que viajei para os Estados Unidos fui antes à Embaixada tirar o visto. Tinha lá meus 30 anos e o cara que me entrevistou começou a falar comigo em inglês. Fui respondendo no meu inglês meia boca e o cara olhando impassível para mim, depois para a minha declaração de Imposto de Renda e para a minha Carteira de Trabalho. Lá pelas tantas o entrevistador, polido, me perguntou onde eu tinha aprendido o idioma. Disse pra ele que foi com o Elvis e os Beach Boys, ouvindo discos de rock, e que eu agora ia fazer um curso superior assistindo alguns shows ao vivo nos States. O cara se pôs a rir, com certeza me considerando um fucking nut, mas carimbou o passaporte sem mais perguntas.


Você colabora com uma revista que tem como foco principalmente o rock dos anos 70. Muitas das pessoas que escrevem na revista provavelmente não conseguiram acompanhar a época como você. Como você vê o interesse de uma geração bem mais nova com as músicas dessa época? Você acha que esse interesse vai ser eterno?

Eu fico agradavelmente surpreso com isso, pois essas pessoas demonstram mais amor pelas bandas da minha geração do que eu sinto pelas bandas mais novas. Mas o importante é que se goste de boa música. Muita merda foi feita em todas as décadas, mas quando a banda é boa, independente da época, ela acaba perdurando e conquistando novos fãs. Eu me sinto uma pessoa limitada e saudosista por conhecer bem apenas as décadas de 60 e 70. Gente mais jovem do que eu, como o Bento e o Cadão, por exemplo, têm um conhecimento muito mais amplo e isso é invejável. Agora, se esse interesse vai ser eterno, acho melhor perguntar pra Mãe Dináh.

E especificamente sobre o progressivo, já que este tem um estigma de ser “música de velho” (risos).

Quando eu era rapaz, o erudito era a música associada aos velhos. E o progressivo foi o estilo que incorporou o erudito ao rock. Ou seja, remoçou o erudito e embalou-o para os jovens. Muito jovem na época passou a ouvir os clássicos por causa do progressivo sinfônico. Passou a admirar o jazz por causa do jazz rock. Ravel, Vivaldi, Beethoven, Bartok, Stravinsky, Mussorgsky, Bach, são compositores de obras-primas atemporais, então eu imagino que todo o progressivo criado por influência deles, desde que tenha qualidade, ainda terá admiradores daqui a muitos anos. Não acho que “música de velho” seja um estigma, está mais para um preconceitozinho besta. O mesmo que dizer que heavy metal é música de headbanger retardado.


Nos anos 70 não havia a divulgação que temos hoje, nem a facilidade de se conhecer coisas novas. Existe alguma banda daquela época que você gosta e só conheceu recentemente?

Bom, eu era na época muito antenado e curioso, então conhecia bastante coisa importante de vários países. As obscuridades, aqueles discos raros que a gente encarava como o Graal do rock, esses não apareciam mesmo. Com a vinda do CD e a popularização da internet, tive acesso à esses discos, digamos, mitológicos. E a decepção foi grande, porque muitos se revelaram merdas fantásticas. Eu acho que estou numa fase de tentar vencer determinados preconceitos que trago comigo desde aquela época. Ando me esforçando por conhecer melhor bandas que eu sempre negligenciei pelos motivos mais idiotas. O Kansas é uma que eu posso dizer que “conheci” recentemente e que roda diariamente no meu player.

Deixe o endereço do seu sebo e um recado para os leitores da Collector´s Room.

Minha loja chama-se Mister Sebo e fica em São Paulo, capital, na Rua Guararapes, 1616, no Brooklin Novo. Gostaria de deixar um recado bem legal para os leitores da Collector’s Room, só que não faço ideia do que dizer. Prefiro então deixar um elogio a vocês, pois são os responsáveis por um dos sites mais interessantes da nossa internet. E não só por causa da música, mas também por ser um lugar especial, onde essa nossa paixão por colecionar discos é amplamente correspondida. Um abraço.


Comentários

  1. Belíssimo gosto musical. Kansas é muito bom (os primeiros). Prabens pelas raridades

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  2. Fantástico gosto musical e muito boa a entrevista......Valeu !!!

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  3. Ótima entrevista Siri.
    Parabéns Fernandão!!!

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  4. Como sempre, uma entrevista marcada pelo bom humor do Gaspari!

    Com todo o respeito ao grande Bento, mas vc devia dominar a poeira Zine. Só assim a gente teria o especial do Magma! Hehe. [E eu teria meu emprego de revisor.]

    Valeu, Siri!
    Valeu, Bueno!

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  5. Raidades para qualquer par de olho se arregalar..."Encontrar discos nos locais mais improváveis e a preços bacanas é que é legal!" ....... Eis a emoção do verdadeiro colecionador ...parabens, bicho!!!

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  6. Excelente entrevista, Gaspari.
    Não sabia que você possui tantas raridades. Fiquei realmente impresisonado com as fotos.
    Fico orgulhoso de ter no mesmo bairro que eu moro, um Sebo cujo dono é um baita conhecedor musical e gente boa pra caramba.
    Abraço e parabéns pelo ótimo gosto musical.

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