Minha Coleção: conheça a linda, bela e incrível coleção de discos de Vidal Neto, de Brasília


De colecionador pra colecionador, faça uma breve apresentação para os nossos leitores.

Bem, meu nome é Vidal Neto, sou militar do exército, professor de História do Colégio Militar de Brasília, 46 anos, dos quais 33 dedicados ao rock. Sou oriundo de Teresina, mas atualmente resido pela segunda vez em Brasília. Sempre estive ligado ao contexto do rock, seja por meio da confecção de fanzines nos anos 1980/1990 ou banda (sou baixista e fundador da banda punk Vermenoise, em Teresina nos anos 80 para 90 - hoje os caras seguem como Obtus e já estão na estrada há mais de 25 anos). Atualmente me ocupo com os deveres e prazeres que a vida apresenta, entre eles colecionar e descobrir o fantástico mundo da música. Também escrevo esporadicamente algumas mal traçadas linhas para o Tupanzine, lendário zine do meu amigo Ricardo Tubá, daqui de Brasília, que já tem mais de vinte anos de resistência.

Quantos discos você tem em sua coleção?

Minha coleção tinha 1.200 vinis até ontem (risos), pois já tá chegando mais umas três levas de pedidos. CDs no momento tenho poucos, cerca de 500, me desfiz de muitos. E DVDs bem menos, não curto muito.


Quando você começou a colecionar discos?

Minha História com os LPs se deu assim: primeiro, foi uma paixão visual. Nos meus 9, 10 anos, ficava namorando os discos nas paredes das lojas, fascinado imaginando como seria o som. Depois veio um vizinho doidão, um artista plástico que ficava ouvindo Kiss direto e que desenhou os caras na parede do quarto dele em tamanho natural. Ficava passando pela frente da casa dele na esperança da janela do quarto estar aberta pra eu ficar admirando o desenho (risos). Então veio o primeiro Rock in Rio, aí já viu (risos). 

Também teve programas como o Super Special do Serginho Café. Esse programa foi muito importante pra cena em Teresina. Imagina no fim do mundo nos anos 1980 ter um programa onde passava da new wave ao heavy metal. Acredito que é daí que vem a minha veia eclética (risos). Sobre o fato de colecionar, veio depois, com a aquisição dos primeiro discos, já com algumas amizades feitas na cidade e escola.

Você lembra qual foi o seu primeiro disco? Ainda o tem em sua coleção?

Meu primeiro disco foi uma trinca. Lembro que um amigo da escola gravava várias fitas K7 pra mim. A diretora criou o recreio cultural, onde cada dia os alunos podiam colocar três músicas a sua escolha. Veja que didática maravilhosa, éramos felizes e com uma gama musical bem abrangente. Esse colega um dia ofereceu uns discos, me esforcei pra juntar uma grana e comprei dele: Accept - Metal Heart, Stress - Flor Atômica (tenho ele hoje autografado) e o Killers do Iron Maiden. Daí pra frente nunca mais parei. Muitos se perderam pelo caminho, pois naquela época tinha a cultura de empréstimos aos amigos e uns não voltavam mais, outros vinham depois de algum tempo detonados, etc. Agora isso é impossível, até pra manusear os vinis fico de olho (risos).


Quando caiu a ficha e você percebeu que não era só um ouvinte de música, mas sim um colecionador de discos?

Esse lance de organização e desejo de ter um cuidado e local específico pra ouvir e desfrutar de um momento só seu sempre me acompanhou. Costumo dizer que já nasci velho (risos), mas deve ser instinto mesmo. Veja que esse fato de colecionar veio de nossos ancestrais primatas, da época das cavernas. O homem, ao deixar aos poucos esse lance de ser nômade e se fixar em algum local e se tornar sedentário, se organizava de forma a imprimir sua marca, sua essência, juntar coisas e se manifestar artisticamente, pinturas nas paredes, etc. Surge nesse momento a personalidade de cada um, algo tipo "esse sou eu", "estive aqui". São muito intrigantes e claras essas manifestações. Eu reproduzo naturalmente, cada transferência minha é uma agonia, e a primeira coisa que me preocupo é arrumar minhas tralhas num cantinho só meu. Mas o momento em que percebi que era um colecionador foi ainda na adolescência, onde tinha o cuidado de guardar em caixotes os discos, as cartas que recebia colocava numa caixa. Cara, colecionava até flyers, cartazes de shows ,etc. Nessa época já sabia que isso seria pra toda vida.

Como você organiza a sua coleção? Por ordem alfabética, de gêneros ou usa algum outro critério?

Costumo organizar por estilo, que vai de Jovem Guarda, MPB, brega (no caso Nelson Gonçalves, que curto muito) ao heavy metal em todas suas vertentes (NWOBHM, tradicional, rock clássico, hard rock, thrash, punk, hardcore, etc). Cada estilo coloco numa prateleira específica da estante, assim como cantoras e cantores solo, blues, soul, rock nacional, góticos, sons dos anos 1980 e assim vai. Foi a forma que encontrei pra facilitar a audição.


Onde você guarda a sua coleção? Foi preciso construir um móvel exclusivo pra guardar tudo, ou você conseguiu resolver com estantes mesmo?

Guardo numa estante grande que mandei fazer por encomenda, mas ainda pretendo fazer mais umas de parede para os CDs e livros, agregando tudo relacionado à música. Minha estante fica na sala e os livros num escritório que montei, mas como falei o desejo em breve é consolidar tudo num mesmo ambiente. 

Que dica de conservação você dá para quem também coleciona discos?

Cara, eu digo sempre aos curiosos que pra ter coleção tem que ter paixão mesmo, pois tudo tem que ser prazeroso. Ficar admirando o acervo, trocar os plásticos, lavar as mídias, limpar as capas, descobrir novos sons no ato de garimpar e redescobrir certos sons em sua coleção que há tempos você não ouvia. O termo garimpar é perfeito. Comparo ao casamento: poxa, a esposa é esse diamante que a gente descobre a cada dia e redescobre em vários momentos específicos, não é mesmo? (risos) Sou casado há 25 anos e tem sido assim, fica a dica.




Você já ouviu tudo que tem? Consegue ouvir os títulos que tem em sua coleção frequentemente?

Como falei anteriormente, a coleção tem que ser visitada e revisitada sempre. Eu ouço diariamente, tenho minha manias de velho mesmo (risos). Minha coleção é uma espécie de  santuário. Pra mim o ato de ouvir som é sagrado, é o meu momento, meu bálsamo, que me revigora e me dá gás pra suportar as agruras e alegrias do dia a dia. Até correndo ouço som. Aliás, acho que minhas corridas diárias são desculpas pra eu ouvir música (risos).

Qual o seu gênero musical favorito e a sua banda preferida?

Meu gênero preferido é o heavy metal disparado, mas sou eclético, como falei, e cresci numa área que não sabíamos o que era radicalismo. Do gótico ao punk e metal, degustávamos sem moderação, tive uma fonte rica. 

Sobre a banda preferida, são essas que me acendem sempre: Iron Maiden, Kiss, Saxon, Accept, Judas, Rush, AC/DC, Black Sabbath, Scorpions, Pink Floyd, Ramones. Essas me tiram do sério (risos), mas o Iron foi muito importante pra minha formação. Ouvia de maneira todo santo dia, me influenciou a ser o que sou. Me graduei em História por influência das letras deles, me tornei mais confiante diante de vários problemas pela força do som deles e assim vai.



De qual banda você tem mais itens em sua coleção?

Iron Maiden, Uriah Heep, Nazareth e Saxon. Beatles acho que ta pau a pau, o Iron tenho alguns itens importados, frutos de presentes. Uma vez um ex-soldado que estava na Inglaterra me contatou via Orkut na época, perguntando “sargento. o senhor ainda ouve aqueles sons pauleira?”. Falei que sim, aí ele disse que um cliente dele tinha dado pra ele como parte de um pagamento uma caixa de vinis do Iron. Rapaz, quase tive um troço! Ele me enviou 12 picture discs do Maiden. E assim, sempre quando algum amigo, viaja fico pentelhando pra trazer alguma encomenda pra mim. 

Quais são os itens mais raros, e também aqueles que você mais gosta, na sua coleção?

Quanto à raridade acho que tenho pouca coisa, mas em minha análise os itens tem valor pela experiência envolvida. Quando o som marca algo em sua vida, alguma fase específica. Pra mim funciona assim: cada disco meu tem uma história, forma de aquisição, local em que eu estava servindo. Uma vez em Tabatinga (AM), tríplice fronteira de nosso país na Amazônia ocidental (Brasil, Colômbia e Peru), conheci numa borracharia um peruano que curtia som, fã de Sepultura. Daí gravei uma porrada de sons de bandas nacionais pra ele, e ele por sua vez me apresentou a um pescador que me deu três LPs do Slayer zerados, pois não tinha onde ouvir e preferia MP3, pois dava pra ouvir em alto mar durante as suas pescarias. Enfim, essas experiências são únicas. E tem muitas. Conheci uma professora que tinha uma loja e que já não vendia nada há tempos e os discos nas prateleiras pegando sol e amarelando. Ainda consegui pegar uns Scorpions, Bon Jovi, Violeta de Outono, Belchior. O engraçado foi ela não saber quanto cobrar (risos). Esses discos são minhas raridades. Tem o Stress – Flor Atômica autografado depois de um longo bate-papo com os caras, tem os discos comprados por minha mãe que mentia pro meu pai na época em que eu era garoto, dizendo que eu tava precisando de algo, aí comprava os discos nas antigas Lojas Brasileiras e me fazia surpresa. Me lembro dela chegando com o Cabeça Dinossauro dos Titãs. Cara, como mensurar tais experiências, né?






Você é daqueles que precisa ter várias versões do mesmo disco em seu acervo, ou se contenta em completar as discografias das bandas que mais curte?

Eu até admiro quem valoriza essa prática, mas eu não cheguei nesse patamar de evolução (risos), me contento em completar as discografias que me faltam.

Além de discos (CDs, LPs), você possui alguma outra coleção?

Como sou motociclista também, eu coleciono miniaturas de motos e me amarro em miniaturas de carros antigos e clássicos. E tem os livros, que são outro vício saudável, claro, herança como falei lá acima de minha formação na adolescência. Éramos revoltados com causa (risos).


Em uma época como essa, onde as lojas de discos estão em extinção, como você faz para comprar discos? Ainda freqüenta  alguma loja física ou é tudo pela internet?

Aqui em Brasília tem boas lojas e várias feiras de discos atualmente. Gosto de frequentar tais locais, conversar, fazer novas amizades. É uma puta terapia você encontrar alguém que compartilha do mesmo gosto que você, mas costumo comprar bastante coisa pela internet também. É muito bom o prazer de receber a encomenda, o ritual de abrir a embalagem, ficar verificando detalhes das capas - enfim, tudo muito lúdico.

Que loja de discos você indica para os nossos leitores?  

Gosto da Die Hard. Aqui em Brasília temos a Musical Center, a Atlântida Discos, a Berlin, Dom Pedro, Acervo. Em Teresina tem a Astronauta. Na internet, tem os contatos que acabam virando amigos.





Qual foi o lugar mais estranho em que você já comprou discos?

Citei algumas situações, mas uma específica me marcou. Numa cidade em que morei, um  soldado me deu a dica que tinha visto uns discos numa oficina. Enfim, fui lá conferir - meu amigo, local sinistro (risos). Uma velhinha mau humorada, numa sucata enorme e os discos expostos ali ao tempo, chuva e sol. Ela falou que eram do marido que tinha falecido. Garimpei e achei coisa boa, outros destruídos. O pagamento foi a feira que tive que fazer pra ela (risos). Outro local que indico são os  condomínios (risos): porteiros são massa pra se comprar, sempre tô conversando com eles e perguntando sobre vinis. Comprei agora uma caixa bem em conta. O preço? O botijão de gás que ele tava precisando (risos).

O que as pessoas pensam da sua coleção de discos, já que vivemos um tempo em que o formato físico tem caído em desuso e a música migrou para o formato digital?

As reações são as mais diversas, desde as tradicionais "tem onde ouvir?", "você ouve tudo?”, até as de admiração mesmo. Venho de uma família muito musical, todos gostam de música. Minha mãe mesmo, quando vem me visitar ou vice-versa, passamos tardes inteiras ouvindo música e lembrando de situações engraçadas. Isso pra mim é tudo e faz tudo fazer sentido, entende? Quando minha filha ou sobrinhos me surpreendem com algum comentário sobre algum som, isso me deixa feliz demais.



Você se espelha em alguma outra coleção de discos, ou outro colecionador, para seguir com a sua? Alguém o inspira nessa jornada?

Eu sempre vejo fotos e entrevistas na internet, fico babando nas coleções. O seu trabalho mesmo, cara, acompanho desde o início a Collectors Room e a seção onde os entrevistados mostravam suas coleções. Tenho até hoje salvas todas em meu HD. Pra mim tá sendo uma realização estar aqui na CR, assisto seu canal no YouTube e é muito inspirador. Quando assisto determinado tema já dá vontade de sair correndo pra  ouvir. Eu acho que essa é a magia, inspirar, né mesmo?

Poxa, obrigado pelo apoio e pelos elogios, Vidal. Qual o valor cultural, e não apenas financeiro, que você vê em uma coleção de discos?

O valor cultural é imensurável. É a afirmação do eu, como eu sou, o que eu sou. É ancestral essa necessidade. Tem um antropólogo, o Daniel Mille, que aponta o exemplo do antigo Egito, algo como: "foi sua fé no potencial da monumentalidade para expressar imaterialidade que criou seu legado com uma presença material em nosso próprio mundo”. Seria no caso da música o material que é o disco expressando o imaterial que é a música, e por aí vai. E nosso vício e admiração no material vai desde aos detalhes da análise de capa, informações contidas na capa, de participar da experiência do ouvir. Tem todo um ritual envolvido, até a escolha do que ouvir naquele momento. Você prestigia o artista, há um respeito, a entrega sagrada do tempo pra isso.



Vai chegar uma hora em que você vai dizer "pronto, tenho tudo o que queria e não preciso comprar mais discos", ou isso é uma utopia para um colecionador?

Acho que não, pois a cada momento surge uma nova banda, aí você quer ouvir, colocar no patamar das suas escolhas algumas dessas, perpetuar o trabalho, enfim. Eu, por exemplo, valorizo muito as bandas nacionais. Temos o Dark Avenger (lançando trabalhos cada vez melhores, com um novo disco na praça), o Metalmorphose, Taurus, Stress, Dorsal, Fúria Louca, Obtus, Anno Zero, Vênus (icônica banda de Teresina que lançou um vinil nos anos 80 e que está de volta), Warbiff, Megahertz, Eminent Attack, etc. Tem as bandas que estão resgatando a essência do metal e do speed thrash metal dos anos 1980 que são muito boas: Ambush, Enforcer, Kryptos, Suicidal Angels, Leather Heart, Steelwinger, Skull First. Essas bandas dão fôlego novo à cena e isso é muito bom e saudável.

O que significa ser um colecionador de discos?

Acho que já respondi, mas o colecionador é antes de tudo um cara que tem uma puta sensibilidade, que através da experiência com a música, com o buscar conhecer, o interesse de garimpar novos sons, tem uma importância fundamental pro artista e pro mercado musical. Aliás, não dá pra fugir disso. O colecionador valoriza a música em suas mais diversas nuances, ele é o guardião da materialidade cultural através do ímpeto da busca e aperfeiçoamento de sua coleção. 



Qual o papel da música na sua vida?

Fundamental. Alicerce. A música tem o papel de transcendência, é o meu momento, onde me desligo desse mundo e crio o meu. Algo que a leitura também faz, só que com a música é mais forte, pois mexe com todos os sentidos.

Pra fechar: o que você está ouvindo e o que recomenda para os nossos leitores?

Primeiramente, quero agradecer o convite e dizer que tô que nem pinto no lixo (risos). Reconheço a importância fundamental que você, por meio de seu trabalho, tem para a cena musical. O seu trabalho é no mínimo inspirador, ok? Quanto à pergunta, tô ouvindo Rival Sons, Vintage Trouble, Imany (que é uma cantora francesa que arrebenta) e, claro, as mesmas velharias de sempre. Revisitando a coleção, oscilo sempre os estilos. Tem dias que quero ouvi rock anos 70, noutros thrash metal, progressivo. Tenho ouvido muito as bandas Camel, King Crimson e Grand Funk, que descobri que são massa de uns anos pra cá (risos). Que vergonha! Tudo isso graças ao eterno ato de garimpar e checar dicas de sites e blogs sobre música.



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