Na música, Bruce Springsteen atravessa algo semelhante há mais de uma década. Desde The Rising, disco lançado em 2002, Bruce está “fedendo” música. Não que não estivesse antes, mas a solidez e a constância encontradas nos oito álbuns lançados por Springsteen no período fazem com que o seu momento atual possa ser classificado, sem exagero algum, como um dos mais criativos de sua longa trajetória.
A música de Bruce Springsteen começou a fazer sentido para mim em 2006, e não foi através de suas próprias ideias, mas sim por meio das composições de outro artista. É claro que eu conhecia e já havia tido contato com inúmeras faixas do filho mais ilustre de New Jersey, mas foi com o álbum We Shall Overcome: The Seeger Sessions que as coisas mudaram de figura para este escriba. A maneira arrebatadora com que Bruce reinterpretou o catálogo de Seeger, um dos principais nomes da música tradicional norte-americana, fez não apenas com que este disco figurasse fácil entre os meus preferidos mas, principalmente, me levou até a obra de Springsteen de maneira definitiva. Desde então, acompanho com expectativa, alegria e uma inevitável satisfação cada novo lançamento seu. Foi assim com Magic (2007), Working on a Dream (2009) e Wrecking Ball (2012). E, para minha alegria, essa sensação se repetiu com High Hopes (2014).
O novo álbum de Bruce Springsteen, o décimo-oitavo de sua discografia, traz doze faixas. Destas, nove são composições que estavam no arquivo de Springsteen - algumas já haviam sido registradas, outras não -, e três são de outros autores: “High Hopes” (Tim Scott McConnell), “Just Like Fire Would” (Chris Bailey) e “Dream Baby Dream” (Martin Rev e Alan Vega). Como cereja do bolo de todo o projeto, um toque de mestre: Steven Van Zandt, o guitarrista titular da E Street Band (para quem não sabe, a banda que acompanha The Boss há décadas), também é ator (assista a cultuada série The Sopranos e encontre-o por lá) e está trabalhando em uma nova série de TV intitulada Lillyhammer. Para o seu lugar, Bruce chamou um dos instrumentistas mais originais da história da guitarra: Tom Morello, do Rage Against the Machine, que toca em dez das doze faixas. A adição de Morello à azeitadíssima E Street Band é um dos fatores responsáveis por fazer High Hopes elevar-se a um nível superior, mantendo a alta qualidade dos trabalhos lançados por Springsteen nos anos 2000.
Isso fica claro em canções como a excelente faixa-título, que abre o CD com a exuberância musical habitual da E Street Band - fato comprovado nos incríveis shows realizados por Bruce no Brasil em 2013. E, já de saída, percebe-se o quanto a contribuição de Morello é decisiva para High Hopes, com intervenções certeiras nas bases e solos cheio de melodia e personalidade. Levando o ouvinte através de composições de alto quilate como “Harry’s Place”, “American Skin (41 Shots)”, “Heaven’s Wall” e “Frankie Fell in Love”, Springsteen consegue emocionar até quando apela para o sentimentalismo barato de “Dream Baby Dream”, composição mediana que encerra o álbum.
Mas o grande momento de High Hopes, lado a lado com a faixa-título, não poderia ser outro a não ser a releitura de “The Ghost of Tom Joad”, uma das melhores canções que Bruce Springsteen deu ao mundo. Lançada originalmente em 1995 no álbum que a batiza, a faixa foi inspirada na composição homônima de Woody Guthrie e traz uma das letras mais inspiradas do artista. Ela é o elo que liga Springsteen a Morello, pois o Rage Against the Machine a regravou no álbum de covers Renegades (1997). O que Bruce e Tom fazem com “The Ghost of Tom Joad” é admirável, conduzindo a canção ao paraíso alternando-se nos vocais e com solos de guitarra em dueto que soam absolutamente brilhantes e arrepiantes. Sozinha, essa versão de “The Ghost of Tom Joad” já seria capaz de sustentar o álbum completo, mas, para alegria de quem gosta de música, o disco vai além.
High Hopes é mais um capítulo inspirado da discografia de Bruce Springsteen, e um dos documentos da esplêndida e iluminada fase vivida pelo músico norte-americano nos últimos anos, com álbuns excelentes e shows antológicos em todo o planeta. Bruce é hoje uma das mais perfeitas traduções do poder transformador da música, em como a arte pode mudar a vida de milhões de pessoas ao redor do planeta. Como um líder conduzindo seus soldados, Springsteen marcha impávido e colosso mundo afora colocando sorrisos no rosto das pessoas e enchendo de cores os dias cinzentos com uma bagagem carregada por toneladas de criatividade, sentimento e inspiração. Neste sentido, um álbum com o título de grandes esperanças não poderia soar mais apropriado.
Nota 8
Faixas
1 High Hopes
2 Harry’s Place
3 American Skin (41 Shots)
4 Just Like Fire Would
5 Down in the Hole
6 Heaven’s Wall
7 Frankie Fell in Love
8 This is Your Sword
9 Hunter of Invisible Game
10 The Ghost of Tom Joad
11 The Wall
12 Dream Baby Dream
Por Ricardo Seelig
Esse álbum ficou sensacional! E, no todo, superou o anterior. Por conta dele, fui conhecer Working on a Dream e Magic, os quais eu também adorei.
ResponderExcluirExcelente artigo!!
ResponderExcluirTípico artigo que faz com que a percepção sobre a obra mude, sabendo desses bastidores, e faça com que uma segunda ouvida seja obrigatória.
Para um excelente album, um excelente texto! Parabéns Ricardo Seelig.
ResponderExcluirBruce, geralmente, não decepciona. Agora citar que "Dream Baby Dream" é sentimentalóide é, no mínimo, equivocado. Pelo menos, não a versão original do Suicide.
ResponderExcluirNa minha opinião a versão do Bruce ficou mela cueca, Fabio.
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