O terror e o metal têm muito em comum. A começar pela devoção de seus fãs. Você não deixa de ouvir Black Sabbath ou de ler Clive Barker porque a moda passou. Amar rock pesado ou literatura e cinema casca grossa é como fazer um pacto para toda a vida – quem sabe até para depois?
Mas mesmo com tanta gente talentosa produzindo e com multidões fanáticas de admiradores, muitos costumam olhar com desdém para essa arte que se veste de preto. Foi preciso o Sepultura estourar lá fora para a mídia reconhecer: Yes, nós temos metal!
Com o terror nacional a história não é muito diferente. O mestre Zé do Caixão ganhou o merecido título de gênio depois que virou Coffin Joe na gringa. Novos diretores surgiram desde então, como Rodrigo Aragão (Mar Negro), Davi de Oliveira Pinheiro (Porto dos Mortos), Dennison Ramalho (ABC da Morte 2) e Peter Baiestorf (Zombio).Vale a pena conferir o talento brazuca.
A boa notícia vem agora: a literatura de terror nacional – que remonta ao século XIX com Álvares de Azevedo – acaba de revelar seu novo Sepultura. Seu nome é Cesar Bravo. Mas não pense que ele é um novato. Na verdade, Cesar Bravo é um grande nome underground, que já arrebanhou muitos seguidores com seus ebooks repletos de sangue e estilo. É como se, agora, ele conseguisse levar seu talento para uma gravadora major. Na verdade, uma editora, a DarkSide Books, primeira do país inteiramente dedicada ao terror e à fantasia. A mesma editora que lançou as biografias de Zé do Caixão – Maldito e João Gordo – Viva La Vida Tosca.
Nós conversamos com Cesar Bravo, autor do recém lançado Ultra Carnem sobre terror, é claro, e sobre sua paixão por rock e heavy metal. Não é todo dia que você descobre um autor que escreve ouvindo Motörhead no talo.
Sua incursão na literatura de horror aconteceu bem cedo. E seu primeiro contato com a música, como foi?
Lembro que a primeira banda que me pegou de jeito foi Guns N' Roses. Eu era muito jovem, arredio, e de repente senti que havia mais gente se sentindo como eu me sentia. As letras, a agressividade, estava tudo ali, diluído nos vocais rasgados de Axl Rose e nos solos melancólicos de Slash. Praticamente ao mesmo tempo descobri Kill 'Em All, do Metallica. Aquilo me pegou como um soco, quero dizer, tudo o que havia no disco era frustração e raiva, sentimentos que eu conhecia de perto. A terceira banda foi Black Sabbath, que apareceu domando meus gostos musicais de uma maneira irreversível. Sabbath foi o casamento perfeito entre música e horror, minhas duas paixões. Nas fases mais conturbadas, me descobri um súdito fiel dos Ramones. Nos anos noventa presenciei o aparecimento das bandas de Seattle; Nirvana, Alice in Chains, Pearl Jam, foi um momento único para alguém que gostava de andar com a mesma roupa seis dias por semana (risos). Desde então tento acompanhar os furacões musicais que despontam aqui e ali.
Sabemos que você já ocupou cargos na indústria da música. Pode falar mais um pouco sobre essa experiência e se ela te impactou de alguma forma?
Bem, eu tinha dezessete anos e pensava que poderia ser um rock star movido à adrenalina (essa é a verdade, por mais bizarra e cômica que possa parecer). Com essa vontade irrefreável, montei e desmanchei algumas bandas, conheci gente de verdade, aprendi a “consertar vitrolas para ouvir música”. Passei muito tempo compondo, algo que faço até hoje, mas mantenho no fundo das gavetas. Eu não sei, talvez essa canções ainda apareçam no momento oportuno, mas nada que me mova hoje em dia. Também atuei como roadie em algumas bandas pequenas, a troco de cerveja e entradas grátis em shows menores ainda. A maior parte dessas bandas sequer existe hoje em dia, mas foi uma época divertida.
Viver da música — ou pelo menos tentar — me mostrou que nem tudo é o que parece ser, que você precisa ser incrível para ganhar algum destaque, e me mostrou principalmente que a rebeldia é algo belo, é a essência vital de qualquer artista.
Quais são suas bandas favoritas?
Black Sabbath, Ramones, AC/DC, Metallica, Slayer, Motörhead. Também me amarro em Twisted Sister e no material mais antigo do Guns N' Roses.
Que músicas não poderiam faltar na playlist de Ultra Carnem?
- Paint It, Black – Rolling Stones
- I Put a Spell on You – Screamin’ Jay Hawkins
- Children of the Damned - Iron Maiden
- Saturday Night – Misfits
- When the Sun Burns Red - Kreator
- Highway to Hell – AC/DC
- I Don’t Believe a Word – Motörhead
- Raining Blood – Slayer
- Lord of This World - Black Sabbath
- Welcome to the Jungle - Guns N' Roses
- Orgasmatron - Sepultura
Um gênero que sem dúvidas divide temas com sua obra é o metal. Existe alguma banda do gênero que você acha que dialoga mais com seu trabalho?
Creio que seja mesmo Black Sabbath e Motörhead. Existe algum tempero thrash também, gosto da pancadaria necessária de bandas como Slayer, Megadeth e Sepultura.
De que modo a música faz parte do seu processo criativo? Você tem o costume de ouvir músicas enquanto escreve ou antes de começar a escrever?
Ouço música o tempo todo. Ao escrever, tenho alguns momentos, geralmente um pouco antes de começar o trabalho. Funciona como um catalizador, de repente a música te arranca do mundano e te arrasta com ela. No ápice do processo criativo, quando as palavras chegam sem esforço, a música mantém o fluxo. Às vezes, ao final de um dia desafiando os olhos, a escrita é exaustiva, e nesse ponto um pouco de distorção musical chega como um bálsamo. Eu provavelmente escreveria de uma maneira diferente sem o impulso da música — e possivelmente seria uma merda.
Quem conheceu seu trabalho sabe que você é fã dos mestres Edgar Allan Poe, H.P. Lovecraft, Clive Barker e Stephen King. Mas quais são suas inspirações musicais? E de que modo elas te inspiram?
Tenho o vício de procurar pelas letras das música de que mais gosto. Muitas delas me inspiram, sobretudo nos contos, onde a liberdade é quase total. Citaria aqui novamente Black Sabbath, Dio, Ozzy Osbourne, The Doors, Megadeth e muitas outras bandas de rock e heavy metal. O que me inspira muito, além das letras e das melodias, são os caras que meteram a cara contra o mundo e conquistaram seu espaço. São homens e mulheres que descobriram um sentido para a própria vida, que tiveram a audácia e a ousadia de contestar o maldito status quo.
Você conseguiria definir Ultra Carnem em uma música?
Essa é bem difícil, mas a essência de Ultra Carnem é a ausência de Deus, é o momento em que o Sagrado vira o rosto quando nós mais precisamos. O livro trata basicamente de homens e demônios. Creio que “God Was Never on Your Side”, do Motörhead, seja uma menção justa.
Se Ultra Carnem pudesse cair na mão de um de seus artistas favoritos, quem seria?
Oh, boy! Dos músicos brasileiros eu escolheria Andreas Kisser, do Sepultura. Dos gringos, gostaria muito que dois fãs de horror lessem meus livros, alguém como Slash e Kirk Hammett (sonhar alto é preciso, não? Mesmo que seja para se esborrachar no chão - risos). Para fechar, meu expoente na música: Mr. Madman. Creio que, artisticamente, Ozzy Osbourne tenha um nível de insanidade bem parecido com o meu.
Você tem o costume de ir em shows e festivais de música?
Sempre que possível (o que equivale a dizer que é muito difícil). Meus últimos shows foram Black Sabbath — com Ozzy e com o Dio (RIP, man) —, e um show do Sepultura que rolou em Taubaté. Sou meio “bicho do mato”, às vezes tudo o que preciso é colocar o som no talo e escrever um pouco. Mas adoro a energia dos shows.
E instrumentos? Toca algum ou tem vontade de aprender?
Toco guitarra e já me aventurei com contrabaixo. Para ser sincero, estou bem fora de forma. Tenho vontade de aprender a tocar harmônica, gaita. Um blues bem tocado faz meu peito arfar depressa. Bateria também parece incrível, mas minha coordenação motora não chegaria tão longe.
Aliás, aproveitando o espaço, eu gostaria de agradecer meu leitor Renatinho Caveira e Buba-Baleia pelas montagens incríveis das capas que tanto amo. Olhar para cada uma delas me faz voltar no tempo e querer dar vida a todos os monstros que ainda moram em mim.
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