Discoteca Básica Bizz #101: The Troggs - From Nowhere (1966)


Com essa onda de dinossauros familiares e jurássicos, nada mais oportuno que lembrarmos um grupo inglês troglodita até no nome: eles mesmos, os Troggs, que começaram em 1965 - pois é, estão para completar 30 milhões de anos de bons serviços ao rock and roll - e sempre fazendo os Sex Pistols parecerem o Yes.

O nome Troggs ("troglodytes") não poderia ser melhor: nenhum outro grupo reuniu tão bem a simplicidade primal, a garra e a espontaneidade, nem apresentou uma trilha sonora tão eficiente para a satisfação dos (usando outra expressão em voga por aí) "básicos instintos". Reg Presley, vocalista e principal compositor dos Troggs (além de ex-baixista e pedreiro!), sempre manifestou em relação às mulheres a filosofia de Baby Sauro: se não é a mamãe, precisa me amar! 

Só que o sexismo de Reg soa de uma pureza bem diferente do machismo cego de Jagger, Lennon no início ou Zappa no final. Quando Reg elogia uma garota abaixando as calças e deixando entrever os quadris, demonstra muito interesse numa prima ou lamenta ter transformado sua futura esposa em mãe solteira (só para citar exemplos de 1967-1968!), é sempre de sacanagem, mas nunca é por mal. "Somos mundanos, mas não sujos", disse Reg uma vez. "O que mais um pedreiro da cidade de Andover poderia ser?".

Sim, Reg é sacana sem maldade, apesar de cantar "sou mau!" no clássico do rhythm & blues "Evil", em From Nowhere, primeiro LP do grupo. Nesta faixa, Reg Presley e seus amigos - Chris Britton (guitarra), Pete Staples (baixo) e Ronnie Bond (bateria) - demonstram que o rock consegue influenciar mais seriamente quando menos se leva a sério


From Nowhere começa com nada menos que "Wild Thing", pinçada de uma demo do compositor americano Chip Taylor (de quem os Troggs gravariam muitas outras músicas). Um clássico entre os clássicos do rock, regravado por todo mundo, de Hendrix e 2 Live Crew a Robertinho do Recife. Mas a gravação dos Troggs é ainda a mais influente e insólita, com a introdução de feedback de guitarra e um solo de ocarina (daquelas de barro mesmo), com um efeito ainda mais "punk medieval” do que a obra de Lou Reed, segundo ele mesmo.

Entre as composições de Reg para este disco, temos "From Home", ancestral do heavy metal, e "Jingle Jangle", uma das muitas e ótimas baladas punk do grupo (e enquanto eles caprichavam no playback, com uma ajuda do maestro Colin Fletcher no cravo, Reg rabiscou a letra na cabine de gravação da voz). Completam o LP bons covers de Chuck Berry ("Jaguar and the Thunderbird") e do mega clássico do rock que inspirou "Wild Thing", "Louie Louie". Além disso, os Troggs provam sua admiração pelo mestre do r&b Lee Dorsey, regravando os dois lados de um compacto dele, "Ride Your Pony” / "The Kitty Cat Song". E, só para que ninguém esqueça que os Troggs são britânicos da gema, não falta um cover de rock vaudeville, "Hi Hi Hazel", pegando a onda de "Puppet on a String", "Winchester Cathedral” e outros hits bonitinhos e açucarados do estilo.

A saga dos Troggs mereceria um artigo dos mais longos, cheio de peripécias, como a da briga após um show em que Reg quase levou uma facada na garganta, Chris Britton fora do grupo por dez anos e mantendo um bar em (ora, pois!) Portugal, a morte de Ronnie Bond e o disco gravado em dupla com os caras do R.E.M.. Mas esse From Nowhere é o suficiente para provar não ser à toa que o R.E.M., Ozzy Osbourne e Billy Idol, entre outros, vivem declarando ser fãs do grupo (sem falar no bubblegum do Ohio Express, que imitam os Troggs direitinho - pode reparar).

Texto escrito por Arthur Mugnaini Jr. e publicado na Bizz #101, de dezembro de 1993

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