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Quando começou a circular o Expresso 2222, em 1972, a luz no fim do túnel era a locomotiva da ditadura vindo em sentido contrário. Como Caetano, Gilberto Gil voltava de um exílio de dois anos em Londres após uma prisão arbitrária, e recomeçava a carreira a todo o vapor unindo as duas pontas básicas do ideário tropicalista. De um lado, o regionalismo fundador da tosca e revolucionária Banda de Pífanos de Caruaru ("Pipoca Moderna"). De outro, uma canção do exílio universalista, "Back in Bahia", que ao invés de palmeiras e sabiás, planta Celly Campelo e um velho baú de prata.
Entre os extremos dessa arqueologia há espaço para o nordeste agreste de João do Vale (mais Ayres Viana e Alventino Cavalcanti) turbinado por guitarras em "O Canto da Ema", e a parábola da contaminação cultural, do repertório de Jackson do Pandeiro, "Chiclete com Banana". A que fala em samba/rock antes de Lobão nascer e mistura Miami com Copacabana, quando a Era Collor ainda era um brilho fugidio nos olhos psicopatas de seus genitores. Com anos luz de antecedência, o forró-core e o manguebeat já pulsavam nos hormônios ferventes da sucinta "Sai do Sereno" (Onildo de Almeida), em duo com Gal Costa, edificada numa única estrofe poética.
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Antes da trilogia Re do autor (o ruralista/macrô Refazenda de 1975, o funkeado Refavela de 1977 e o pop Realce de 1979), este expresso para depois do ano 2000 já falava em estrada do tempo pré infovias de Bill Gates. A clássica faixa-título foi repaginada no recente Acústico de Gil com uma acentuação de sua pisada de xaxado implícita na versão original.
O disco de 1972 também faz um inventário ideológico da geração do desbunde com palavras de ordem com "O Sonho Acabou". Ao mote de John Lennon, Gil acrescenta pitadas tropicalistas ("Dissolvendo a pílula de vida do Dr Ross / na barriga de Maria") e um atestado de que os caretas perderam o bonde da história. "Quem não dormiu no sleeping bag / nem sequer sonhou / e foi pesado o sono pra quem não sonhou". Além de uma distinção de perfis com o xifópago estético Caetano em "Ele e Eu" ("Ele vive calmo / e na hora do Porto da Barra / fica elétrico"), Gil manda o editorial do disco obra-prima em "Oriente": "Se oriente rapaz / pela constatação de que a aranha / vive do que tece / vê se não se esquece".
De tão sólida, a teia do Expresso 2222 sobreviveu ao vírus do tempo.
Texto escrito por Tárik de Souza e publicado na Bizz #126, de dezembro de 1995
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