O primeiro review que escrevi na vida e a maldição dos adjetivos



Publiquei aqui no site há algumas semanas uma entrevista com Sérgio Martins, da revista VEJA, e que na minha opinião é o melhor e mais completo jornalista especializado em música do Brasil. Falamos sobre a atividade e, claro, sobre crítica musical, apesar de o Sérgio não se considerar um crítico de música. Lá pelas tantas, quando perguntei sobre quais caras ele gosta de ler e quais influenciaram o seu trabalho, ele soltou uma resposta que ficou matutando na minha cabeça por semanas: “Otávio Rodrigues, Pedro Só, Carlos Albuquerque, André Barcinski e Paulo Cavalcanti (in memoriam). São caras que, embora tenham um conhecimento absurdo sobre o que escrevem, o fazem de forma menos empolada. Porque, na boa, se você quer saber se o sujeito é um picareta, observa a quantidade de adjetivos e termos técnicos que ele coloca no texto ou o excesso de teorias”. A entrevista completa está aqui.

A partir de então, sempre que escrevi uma nova resenha procurei não colocar adjetivos em excesso. E fui até reler textos recentes meus para ver se estava fazendo isso ou não. Mais uma aula e uma dica certeira de um cara que, sempre que converso, aprendo alguma coisa. Esse é o Sérgio, valeu por mais essa mestre.

Então, nesse domingo em que Florianópolis amanheceu nublada e com aquele clima de chove não chove, por algum motivo que só o subconsciente explica acordei cedo como sempre e fiquei me perguntando qual teria sido a minha primeira crítica de um disco publicada pelo Whiplash, que foi o site onde comecei a escrever lá em 2005. Tinha na cabeça que era alguma do Iron Maiden, mais precisamente do ao vivo Rock in Rio (2002) ou do Dance of Death (2003). Olhando os registros do site, fui desmentido ao constatar que na verdade foi um review para There Will Be a Light, disco lindo (olha o adjetivo aí) que Ben Harper gravou com os Blind Boys of Alabama em 2004, que foi ao ar por lá em 12 de janeiro de 2005. Mas como ninguém praticamente leu o texto – afinal, míseros 307 acessos em quatorze anos indicam isso -, o que vale mesmo são os textos sobre o Maiden.

E fui reler o que escrevi sobre Dance of Death uma década e meia atrás. Todo o empolamento citado pelo Sérgio está ali, junto com uma empolgação e uma falta de distanciamento que não fazem sentido e que tornam o texto um testemunho de um fã e não uma análise crítica, ainda que eu nunca tenha sido um crítico especializado em alguma coisa e não tenha estudo jornalismo – sou formado em publicidade. O texto me lembra inclusive algo que  Fernando Souza Filho, que durante anos foi redator da Rock Brigade, sempre alegava quando analisava um álbum do Maiden: que não tinha como ser imparcial. Na verdade, é claro que dá, e não é assim tão difícil. Mas pra quem estava começando nessa atividade tão adorada e odiada pelos leitores (a opinião varia de acordo com o teor da análise do álbum, sempre), era algo praticamente impossível de alcançar.

Abaixo está o meu texto sobre Dance of Death, o primeiro review que publiquei na vida e que foi ao ar dia 27 de fevereiro de 2005 – aqui está a matéria original.


Chega a ser impressionante o quanto o Iron Maiden depende do seu vocalista pra se manter vivo. E olha que eu nem vou comentar aqui os patéticos X-Factor e, principalmente, Virtual XI, os dois álbuns gravados pelo bundão Blaze Bayley.

Bruce gravou seis álbuns absolutamente fantásticos com o Maiden entre 82 e 88. Number Of The Beast, Piece Of Mind, Powerslave, Live After Death, Somewhere In Time e Seventh Son Of A Seventh Son são discos obrigatórios não só para quem gosta de heavy metal, mas pra todo mundo que gosta de boa música. Esses seis discos moldaram todo o metal que veio depois (claro que com uma ajuda de algumas obras do Metallica e do Slayer, admito). No Prayer For The Dying e Fear Of The Dark, os dois últimos discos com Bruce, são apenas medianos, apesar dos fãs do Maiden jamais admitirem isso (não por acaso, esses dois álbuns foram os primeiros sem Adrian Smith, talvez o maior guitarrista do metal moderno).

Bruce e Adrian voltaram ao Maiden no dia 10 de fevereiro de 1999. Em 29 de maio de 2000 saiu o disco da volta, Brave New World, um dos meus favoritos. E agora, dia 9 de setembro de 2003, veio ao mundo Dance Of Death. Apesar da capa horrível, o disco é de matar qualquer fã. Um clássico atrás do outro, todos instantâneos. "The Rainmaker", "No More Lies", "Dance Of Death", "New Frontier", "Pashendale", "Montsegur", "Face In The Sand", "Age Of Innocence", "Journeyman". E, só pra voltar lá pro começo deste tópico, todas com um vocalista que, definitivamente, não pode ter nascido neste mundo.

Bruce não canta. Bruce não compõe. Bruce não interpreta. Bruce não grita. Bruce Dickinson não é humano. Bruce é deus. O melhor vocalista de todos os tempos. O compositor de "Powerslave". O cara que mantém o Iron Maiden vivo, relevante, pulsante, pegando fogo mesmo após vinte e tantos anos na estrada.

Bruce Dickinson é o cara. Conheço ele desde os meus 14 anos. É um dos meus melhores amigos. O meu irmão mais velho. Se eu fosse vocalista, a minha maior influência.

Este texto não tem os pés no chão. Ele foi escrito com o volume no máximo e com o coração a mil. Ele foi escrito ao som do disco que coloca a maior banda de heavy metal do mundo novamente nos trilhos, pronta para conquistar uma novíssima geração de fãs ao mesmo tempo em que os mais antigos não conseguem tirar o sorriso do rosto. Ele foi escrito ao som de "Pashendale", uma das melhores músicas que esses caras já fizeram, e uma das melhores interpretações do carinha lá de cima.

Bruce Dickinson não é apenas um vocalista. Bruce Dickinson é o heavy metal em pessoa. Se o metal ainda existe, ajoelhem em frente a uma imagem sua, olhem para o céu e agradeçam a Deus, ou a quem quiserem, sua presença entre nós.


Como fica bem claro, era preciso evoluir muito ainda, e acho que fiquei um pouco melhor e infinitamente mais maduro com o passar dos anos. Minha opinião sobre The X Factor também mudou, mas a sobre Virtual XI continua a mesma. E desculpem por chamar Blaze de bundão, foi mal.

Esse texto me dá um pouco de vergonha alheia. Tem paixão de mais e argumentos de menos. Foi feito na empolgação, provavelmente com o volume próximo aos três dígitos e com o coração saindo pela boca. Ele demonstra o amor que eu sempre tive pelo Iron Maiden e a minha imaturidade como escriba. E marca o início de algo que amo muito e jamais irei parar de fazer, que é escrever sobre discos.

Vamos em frente. De preferência com novos sons do Maiden pra ouvir e com conselhos de caras incríveis como o Sérgio pra ditar o rumo das coisas.

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