Review: Mastodon – Hushed and Grim (2021)


O que falar sobre o Mastodon que ainda não tenha sido dito? Bem, após ouvir Hushed and Grim, novo álbum da banda norte-americana, algumas palavras inéditas surgirão. Uma delas certamente é superação, já que o disco exorciza os últimos anos do quarteto, cujos músicos não só superaram uma pandemia e suas consequências psicológicas, econômicas e sociais como todos nós, mas também tiveram que enfrentar a morte de um pessoa próxima, como muitos de nós. No caso, a banda perdeu o manager Nick John, vítima de um câncer em 2018. A capa inclusive traz o rosto de Nick, com o baterista Brann Dailor declarando à Kerrang! que “a capa do disco é baseada na mitologia que diz que quando morremos o espírito se funde com uma árvore para se despedir do mundo natural antes de partir para outra dimensão. O homem na imagem é Nick”.

Hushed and Grim é facilmente um dos melhores álbuns do Mastodon, e vem na sequência de um disco que, pessoalmente, não está entre os meus favoritos, que foi Emperor of Sand (2017), obra onde a banda abordou o câncer de forma alegórica e a proximidade da doença com o seu cotidiano, já que ela afetou não apenas Nick John mas também a mãe do guitarrista Bill Kelliher. Musicalmente, fica claro que o Mastodon extrapolou o heavy metal, processo que já estava em curso há muitos anos. O novo álbum é rock, é metal, é prog, é psicodélico, é atmosférico, é tudo, com o grupo usando com sabedoria as mais diversas sonoridades para traduzir em música os seus sentimentos. O disco traz algumas participações, sendo as mais destacadas a de Kim Thayil, do Soundgarden, que faz o solo de “Had It All”, e de Marcus King, revelação da nova geração do southern rock, responsável pelo solo de “The Beast”.

O álbum, que é duplo, é o Physical Graffiti do Mastodon, no sentido de a banda, assim como fez o Led Zeppelin em 1975, não se prender em limites e explorar diversos gêneros musicais, sempre alcançando resultados muito acima da média. Se antes desse trabalho o Mastodon já era saudado como uma das bandas mais inovadoras, originais e incríveis surgidas neste século, com Hushed and Grim esta certeza torna-se sólida como rocha.

As quinze canções formam uma obra com começo, meio e fim, que se desenvolve como um quebra-cabeça, com cada faixa construindo um pedaço do que a banda criou. Não é um álbum de singles, apesar de, coletivamente, soar como um dos discos mais fáceis de digerir do Mastodon, com uma aura de acessibilidade que convive harmonicamente com a complexidade instrumental e pretensão artística que sempre marcaram a obra da banda. Equilibrar elementos tão opostos é para poucos, e o Mastodon é um desses escolhidos.

Não vou resistir a usar uma referência mais contemporânea, mas a audição de Hushed and Grim me transportou até Yellow and Green, o fenomenal álbum duplo lançado pelo Baroness em 2012 e que também transborda níveis de sentimento e emoção. São irmãos, mesmo tendo sido gravados por bandas diferentes.

Há momentos de elevação espiritual proporcionados pelo teleporte musical que canções como “Pain with an Anchor”, “More Than I Could Chew”, “The Beast”, “Teardrinker”, “Had It All” e “Gobblers of Dregs” possibilitam, o que torna o álbum uma experiência que vai muito além do aspecto sonoro e impacta todos os sentidos. Isso só é alcançado por trabalhos especiais, e Hushed and Grim é um deles. Há uma profusão de melodias, harmonias bem construídas e criatividade, tudo embalado de forma acessível, em um processo que a banda vem evoluindo desde The Hunter (2011). A variação de vozes entre Brent Hinds, Troy Sanders e Brann Dailor é uma das cartas na manga do Mastodon, com cada um dos músicos possibilitando caminhos diferentes para as canções. Resumindo: não tem música ruim e o tracklist funciona como um conjunto perfeitamente afinado.

Uma obra-prima de tirar o fôlego: essa frase certamente já foi usada para definir algum álbum do Mastodon (Crack the Skye, de 2009, é um exemplo disso), e aqui ela cabe de maneira perfeita mais uma vez.


Comentários

  1. Achei espetacular. Concordo com todos os adjetivos que tu coloca no texto. Sempre soube que escutar Mastodon requer uma dose de calma, serenidade e a espera por algo à se decifrar. Não sou um ouvinte assíduo da banda, mas com certeza daquele sem que já tive a oportunidade de ouvir, Hushed and Grim é o melhor.

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  2. Apoteótico! Uma das maiores obras da nova década!

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  3. Concordo com o que o editor expôs. Inclusive ouvindo "Globbers of Dregs" não tem como não lembrar na hora do Yellow and Green. Discão!!

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