Discoteca Básica Bizz #112: Secos & Molhados - Secos & Molhados (1973)


Em plena era repressiva brasileira, nos governos de Médici e Geisel, foi que surgiram aqueles pavões maquiados rebolando e cantando "... vira homem, vira, vira lobisomem ... ".

Escândalo total! "Bichas" para alguns, "revolucionários" para outros, viraram um dos mais importantes grupos do rock nacional e a maior manifestação glitter do país. E por trás das suas máscaras existia uma singela fusão de MPB, folk, poesia reflexiva e androginia.

Tudo começou em 1971: o jornalista e poeta português João Ricardo convidou o músico Gerson Conrad e o hippie e cantor de coral Ney de Souza Pereira para um projeto que queria unir o rock à MPB. A presença cênica exótica e sensual de Ney - que adotou o sobrenome Matogrosso devido ao seu estado de origem - chamou a atenção e o trio foi contratado pelo selo Continental, lançando o primeiro disco em 1973. Ali, contaram com uma ótima banda de apoio que incluía Willy Verdaguer no baixo e Zé Rodrix no piano, ocarina e sintetizador.

Poesias de Vinícius de Moraes ("Rosa de Hiroshima") e de Manuel Bandeira("Rondo do Capitão") foram utilizadas, mas o forte estava nos depurados vocais de Ney e nos poemas de João Ricardo, que às vezes repartia a autoria com o pai, João Apolinário, e outros compositores.

As veias abertas da América Latina eram cutucadas ("Sangue Latino"), questões sociais discutidas ("Mulher Barriguda"), ou então "simples e suaves coisas" eram cantadas em "Amor". "O Vira" - maior hit deles - trazia a ascendência lusitana mesclada ao folclore do Brasil.


Aqui, a expressão "carreira meteórica" é bem apropriada. Em um ano eles foram o fenômeno musical brasileiro: milhares de cópias vendidas, estádios lotados e até uma turnê pelo México, televisionada para os Estados Unidos - de onde supõe-se que o Kiss copiou as maquiagens deles. Mas, logo após o segundo álbum, o grupo encerrou suas atividades.

Ney saiu em 1974 por discordar de João Ricardo no controle autoral e financeiro. Daí partiu numa bem sucedida carreira solo, mais voltada para a MPB. Seus outros dois companheiros nunca mais tiveram o mesmo êxito nos esforços individuais. Em 1977 houve uma tentativa frustrada de volta com o cantor Lili Rodrigues - de timbre semelhante ao de Ney –, mas que não vingou, bem como a reencarnação de 1980, capitaneada novamente por João Ricardo.

Afinal, continuar o grupo sem o carisma da sua atração principal foi como o The Doors prosseguindo sem Jim Morrison: João podia ser o cérebro, mas Ney era o coração.

Texto escrito por Sérgio Barbo e publicado na Bizz #112, de novembro de 1994

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