Rigotto's Room: Heaven and Hull – O canto do cisne de Mick Ronson


Por Maurício Rigotto
Escritor e colecionador
Collector's Room

O que pode fazer um músico ao saber que lhe restam apenas poucos meses de vida? Reunir alguns amigos que fizeram parte da sua trajetória artística e gravar um disco, a última obra, como se fosse um testamento deixado para ser aberto após a sua partida. Foi o que fez Mick Ronson ao registrar o álbum Heaven and Hull, o seu canto do cisne. Você não leu errado, tampouco foi erro de digitação, é “Hull” mesmo e não “Hell”, por se tratar de um trocadilho com Hull, a cidade inglesa onde nasceu Mick Ronson.

Mick Ronson sempre foi um dos meus guitarristas de rock favoritos. Você poderá argumentar que ele não era nenhum virtuose, que não executava solos complexos e que era até um guitarrista econômico, de poucas notas. Pois em minha opinião, a sua simplicidade, a forma com que ele era “econômico”, é o seu grande mérito que o faz figurar entre os gigantes do rock. Ronson tocava com sentimento e bom gosto, não tocava notas desnecessárias, para encher lingüiça, como fazem muitos guitarristas “punheteiros”. Não é por acaso que os melhores discos de David Bowie, um dos maiores artistas que o mundo já presenciou, contam com Mick Ronson na guitarra.

Nascido em 1946, Mick Ronson desde criança fez aulas de piano, violino e cello. Ao ouvir um disco de Duane Eddy, Ronson se interessou pela guitarra e em 1963 formou sua primeira banda, inspirada nos Yardbirds. Depois de passar por grupos de Hull como The Mariners e The Crestas, em 1966, ainda em Hull, Ronson formou a banda The Rats, que fazia um ótimo e barulhento rock garageiro (como pode ser conferido nos álbuns The Rise and Fall of Bernie Gripplestone and The Rats from Hull; Second Long Player Record e A Rats Tale). Mick permaneceu no The Rats até o fim do grupo em 1969, após ums fracassada turnê por Londres e Paris.



Ainda em 1969, após trocar Hull por Cambridge, Ronson forma a banda The Hype, com David Bowie. Logo depois, abandonam o nome Hype e Ronson acompanha David Bowie em uma série de discos magistrais, como The Man Who Sold the World (1970); Hunky Dory (1971); The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars (1972); Alladin Sane (1973) e Pin Ups (1973). Os Spiders from Mars, nome pelo qual ficou conhecida a banda de David Bowie, se separou após o término da turnê Ziggy Stardust, e Bowie e Ronson passariam muitos anos sem se falar. Completavam a formação Trevor Bolder no baixo e o ex-baterista do The Rats, Mick Woodmansey. Além de acompanhar Bowie, os Spiders também gravaram outro álbum primoroso e essencial em qual discografia, Transformer (1972), clássico absoluto do ex-Velvet Underground Lou Reed, produzido por Bowie.


Na mesma época do fim dos Spiders, o guitarrista Mick Ralphs abandona o Mott The Hoople para formar o Bad Company com o ex-Free Paul Rodgers. Ian Hunter, o líder do Mott, chama então Ronson para a vaga. Após uma curta passagem pelo Mott The Hoople, Ronson segue acompanhando a carreira solo de Ian Hunter, formando a The Hunter Ronson Band. Paralelamente a carreira com Hunter, Ronson gravou dois álbuns solo, acompanhou Bob Dylan na Rolling Thunder Revue Tour 1975, produziu e tocou no disco do ex-Byrds Roger McGuinn, além de tocar com Elton John, John Cougar Mellencamp e uma infinidade de artistas e bandas obscuras.

Em 1992, enquanto produzia o álbum Your Arsenal de Morrissey, ex-vocalista dos Smiths, Mick Ronson é diagnosticado com câncer terminal, lhe restando como expectativa de vida não mais do que poucas semanas. Ronson se entrega ao trabalho e se aproxima novamente de David Bowie, com quem não falava há quase vinte anos. O guitarrista participa das gravações do novo disco de Bowie, Black Tie, White Noise, gravando “I Feel Free”, cover do Cream, exatamente com o arranjo com que os Spiders from Mars a tocaram em um show em 1972. Ainda em 1992, Ronson aparece ao vivo em Wembley no The Freddie Mercury Tribute Concert, acompanhando David Bowie em “Heroes” e Ian Hunter e Bowie em “All the Young Dudes”, composição de Bowie que se tornou o maior sucesso do Mott The Hoople.

O próximo passo de Ronson seria dedicar os seus últimos dias de vida na gravação de seu disco-testamento. Para a empreitada, chamou os amigos Sham Morris e o baterista dos Pretenders, Martin Chambers, além de uma série de convidados com quem já havia dividido trabalhos no passado. Mick Ronson morreu no dia 29 de abril de 1993, com apenas 46 anos.

No ano seguinte, sua esposa Suzy lança Heaven and Hull, contendo as últimas gravações de Ronson. A primeira faixa, "Don't Look Down", já abre os trabalhos apresentando um rock de primeira, contando com Joe Elliott, da banda Def Leppard, nos vocais. Após o bom começo, a segunda faixa revela a grande surpresa do álbum. Trata-se de David Bowie cantando a famosa canção de Bob Dylan “Like a Rolling Stone”, numa versão que poderia ter saído de qualquer disco que Bowie e Ronson gravaram nos anos setenta. Pelo fato do disco ter permanecido obscuro, grande parte dos fãs de Bowie desconhecem a existência dessa soberba versão de Bowie e Ronson para “Like a Rolling Stone”. A terceira faixa, “When the World Falls Down” é uma bela e triste balada autobiográfica, com uma sonoridade que também nos remete aos Spiders. “Trouble with me”, outro desabafo, traz como convidada a vocalista dos Pretenders, Chrissie Hynde, e mantém um andamento charmoso, com bons efeitos, apesar de uma desnecessária bateria eletrônica. O bom rock melodioso “Life’s a River” conta com os vocais de John Cougar Mellencamp, tendo o apoio de Joe Elliott nos backing vocals. A faixa seis, “You and Me”, é um bonito instrumental acústico, onde Mick Ronson toca todos os instrumentos. Em “Colour Me”, Ronson assume os vocais, tendo como backing vocals David Bowie e Joe Elliott. A oitava faixa, “Take a Long Line”, cantada por Ian Hunter e Joe Elliott, é um rock vigoroso que nos remete de imediato aos melhores momentos do Mott The Hoople. “Midnight Love” é outro bom rock instrumental em que Mick Ronson toca todos os instrumentos. O álbum encerra com a versão ao vivo de “All the Young Dudes” que Bowie, Hunter e Ronson interpretaram no The Freddie Mercury Tribute Concert. Completam a banda os membros sobreviventes do Queen, Brian May, John Deacon e Roger Taylor.


Após Heaven and Hull, outros álbuns póstumos de Mick Ronson foram lançados, como Just Like This (1999), um CD duplo com material inédito; Showtime (2000), reunindo gravações ao vivo registradas entre 1976 e 1989; e Indian Summer, gravado entre 1981-82 (2001). Heaven and Hull permanece como um belo e emocionado legado de um homem que usou os seus últimos dias para deixar ao mundo um pouco mais de sua arte.



Comentários

  1. A melhor fase da carreira do David Bowie foi,de longe,a sua parceria com o Mick Ronson,essa parceria foi uma das melhores coisas q aconteceram no rock,e como foi bem dito no texto,nao ficou restrita apenas aos maravilhosos discos da obra do David Bowie,rendeu tambem o melhor disco do Lou Reed,o Transformer.O Ronson foi um gigante,um dos melhores guitarristas de todos os tempos,o cara tinha um feelin' inigualavel alem de ser um excelente compositor.RIP.

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