Por
Ricardo Seelig
A
experiência ensina algumas coisas. Uma delas é que quanto mais
fazemos determinada atividade, melhor ficamos nela. É por isso que
sou da opinião de que devemos ouvir todo tipo de música. Não só
para conhecer, mas para aprender.
Todo
ouvinte é curioso. Sempre estamos correndo atrás de novas bandas,
de artistas que nos surpreendam e de discos que se transformem em
nossos companheiros. É esse apetite que nos faz ir sempre além, nos
colocando em contato com estilos diferentes, com gêneros até então
inéditos, que vão nos mostrando como a música que tanto amamos
nasceu e evoluiu através dos anos.
A
minha história é a de um ouvinte de heavy metal. O metal foi a
trilha da minha adolescência, lá nos anos oitenta. Cresci rodeado
de bons sons que, em sua grande maioria, até hoje me acompanham. Mas
essa história teve alguns capítulos bem marcantes, e que mudaram a
maneira como eu entendia e consumia a música.
O
primeiro deles aconteceu quando, em um belo dia, resolvi entender
porque todo mundo falava maravilhas dos Beatles e eu não achava nada
de mais na banda. Tinha apenas 17 anos nessa época. Peguei uma grana
que havia guardado e comprei toda a discografia do grupo de uma só
vez, em vinil. E, para a experiência ficar completa, sentei e ouvi
todos os discos em ordem cronológica. O resultado é que esse fato é
até hoje uma das memórias musicais mais marcantes da minha vida. À
medida em que as música se sucediam, barreiras iam caindo dentro da
minha cabeça. Percebi que nem tudo era quatro por quatro, que não
existia apenas o rock, e que a música poderia me levar para cenários
muito mais coloridos do que aqueles que até então conhecia.
Virei
fã. Incondicional. E sou até hoje. Paul McCartney é o meu Beatle
favorito, e Abbey Road, Sgt Peppers e Revolver formam a santíssima
trindade que causou uma das experiências sonoras mais inesquecíveis
desses meus quase quarenta anos, e até hoje estão entre os meus
álbuns favoritos.
Em
outro momento, a bola da vez foi o Led Zeppelin. Já conhecia a
banda, sabia a letra de “Stairway to Heaven” do início ao fim,
mas trafegava apenas entre as músicas óbvias do grupo – de “Rock
and Roll” a “Whole Lotta Love”, de “Black Dog” a “Immigrant
Song”.
Até que, em uma conversa com um amigo, veio a revelação:
“você tem que ouvir o disco das janelinhas”. Eu fui ouvir o tal
“disco das janelinhas”, e realmente fez-se a luz. Physical
Graffiti é uma das maiores obras da história do rock, o retrato de
uma banda no auge. Se os Beatles haviam mostrado que tudo era
possível, o Led Zeppelin unia a criatividade sem limites do Fab Four
com o peso que fazia parte da minha adolescência. Eles eram a ponte
entre o novo mundo que eu acabava de descobrir e o universo que eu já
conhecia um bocado. O resultado é que até hoje Jimmy Page é um dos
meus maiores heróis, e o “disco das janelinhas” tem lugar de
honra na minha coleção.
E
assim a vida foi seguindo, brindando meus ouvidos de tempos em tempos
com descobertas sonoras espetaculares, que transformaram e fizeram
tudo ser diferente do que era antes. Ouvir Yankee Hote Foxtrot pela
primeira vez, lá em 2002, teve um impacto similar à primeira vez
que escutei os Beatles. Vivia um período particularmente complicado,
e daí Jeff Tweedy e sua turma esculhambaram toda a minha cabeça
novamente. Era uma época doída, recém-saído de um relacionamento
que marcou fundo, e a sonoridade acolhedora do Wilco me confortou
como nenhuma outra havia feito antes. “Jesus, etc” é a minha
música preferida até hoje muito por causa disso.
Muito
tempo depois, quando meu filho Matias nasceu, resolvi que iria
entender o jazz. Já havia tentado absorver o gênero antes, mas a
percepção que tinha era que cada instrumento estava tocando uma
música diferente. Foi aí que recebi duas dicas que finalmente
tornaram o universo do jazz legível para mim. Gente mais experiente
no estilo me recomendou dois álbuns como passos iniciais: Time Out,
do Dave Brubeck Quartet, e Kind of Blue, de Miles Davis, ambos
lançados no mesmo ano – 1959.
Com
quase cinco décadas de atraso eu descobria duas obras que se
mostravam extremamente atuais, sem envelhecer um único dia apesar
dos quase cinquenta anos de vida. Da pura matemática de Brubeck –
cujo ponto alto é a celestial “Take Five” - à estrutura modal
construída em camadas de Miles – encontrada em sua plenitude em
“So What” -, as faixas desses dois álbuns foram responsáveis
pela mais recente mudança de percepção no meu modo de entender a
música.
Como
eu disse lá em cima, quanto mais você faz uma atividade, melhor vai
ficando nela. Com a música é a mesma coisa. Quanto mais você ouve,
mais você entende. É uma equação simples e constante, que leva o
ouvinte a novos caminhos todos os dias. Essa experiência faz com que
ao analisar, por exemplo, um álbum de heavy metal hoje em dia, todas
essas sensações relatadas acima e mais um monte que ficaram de fora
do texto surjam naturalmente, entregando subsídios para a criação
de raciocínios e associações. É por isso que hoje em dia possuo
muito mais ferramentas para avaliar um disco do que quando tinha 15
anos, e espero ter contato com muitos outros sons para, daqui há 15
anos, ter ainda mais bagagem para escrever sobre música.
Gosto
não se discute. Porém, bom gosto se adquire.
Excelente texto !!
ResponderExcluirótimo texto. e por acaso vc já postou aqui no site, fotos da sua coleção? se não, seria interessante a meu ver (adoro essas coisas de estantes cheias de discos, hehe).
ResponderExcluirBem legal, mesmo.
ResponderExcluirFalar em wilco, gostou do disco novo Ricardo? Achei bom demais.
Muito bacana !!!
ResponderExcluirEstes momentos de iluminação musical são uma das coisas mais bacanas de se testemunhar !!!!
Tem acontecido muito comigo... semana passada foi com a música STAND do Sly and Family Stone...que eu já conhecia....mas devido a alguns acontecimentos adquiriu outro significado pra mim....
Nesse domingo fui reouvir de cabo a rabo o Eletric LadyLand e MEU DEUS ... não pode ter sido gravado por um ser humano normal aquilo.... o solo de 1983 I should be a mermaid entra fundo na alma...
Outras iluminações aconteceram ouvindo o disco On the Beach do Neil Young e o All thing must Pass do George Harrison... e com vcs ????
Qual foram as últimas ?
Ops...
ResponderExcluirQUAIS foram as últimas ?
:)
Alguns anos atrás, quando escutei pela primeira vez o Hot Rats e o Bitches Brew, percebi que estava deixando um mundo para trás. Esses dois discos me levaram a conhecer não somente a obra dos dois, mas muitos outros artistas.
ResponderExcluirRecentemente, quando escutei o Crack the Skye do Mastodon foi sensacional. Há mto tempo não me empolgava tanto com um som mais pesado.
texto muito bom, ricardo, mas voce esta valorizando demais quem ouve musica, saiba que voce e uma excessao,a maioria absoluta das pessoas critica sem ouvir e nao tem curiosidade de descobrir coisas diferentes, mas essas pessoas que se fodam, tenho a mesma curiosidade que voce para o novo e o diferente, e isso serve tanto para musica feita hoje quanto a feita a 1000 anos atras. so acho que, como todo critico, voce ao ouvir musica nao quer apenas senti-la, quer tambem compreende-la, e isso as vezes nao e necessario.
ResponderExcluirCleibson, o processo da música para mim é automático. Não procuro significados nela, apenas curto e eles surgem. Já passou o tempo em que eu ouvia um disco pensando no que iria escrever a seu respeito. Hoje deixo a música me levar e pronto.
ResponderExcluirObrigado pelo comentário.