Kampfar: crítica de Djevelmakt (2014)

Das bandas clássicas que forjaram o black metal da Noruega - a chamada segunda geração do gênero -, o Kampfar certamente é uma das que possui menos grife. Perto de nomes como Darkthrone, Mayhem, Emperor, Immortal e até mesmo o Burzum, a horda fundada e capitaneada por Dolk é deveras nanica em termos de apelo e reconhecimento. Musicalmente, porém, não fica devendo em nada. Basta ouvir o recém-lançado Djevelmakt - saiu em 27 de janeiro via Indie Recordings - para atestar a grandeza do quarteto.

Formado em 1994 na pequena cidade de Fredrikstad, o Kampfar surgiu da cinzas do Mock e completa 20 anos da melhor forma possível: com um trabalho primoroso em mãos. Se o mundo fosse um lugar justo, toda a aclamação em cima de Sunbather (2013), do Deafheaven, deveria, na verdade, recair sobre Djevelmakt. No entanto, como muitos críticos que elegeram o disco dos californianos o suprassumo da inovação no black metal entendem pouco ou quase nada do riscado, é até natural prever que o novo álbum de Dolk e cia passe um tanto quanto batido. No fim das contas, isso acaba não sendo demérito algum.

O fato é que Djevelmakt, sim, consegue explorar toda a musicalidade que muitos acreditam, de maneira equivocada, não existir no black metal. Sexto álbum de estúdio do Kampfar, o novo trabalho reúne em grande estilo os elementos que ajudaram a caracterizar a identidade da banda e hoje formam os três pilares da sonoridade encontrada em cada um dos sulcos de seus discos: a agressividade inerente ao gênero, a estética folk/pagã que acompanha o grupo desde os primórdios, bem como uma veia épica e progressiva, aliada ao crescimento técnico dos integrantes, e que vem ganhando cada vez mais espaço.

Tudo isso fica claro logo na abertura com "Mylder" - multidão, em português -, inclusive escolhida como primeiro single. Notas de piano dão o tom inicial e desembocam em uma canção que alterna ótimos momentos cadenciados, passagens mais velozes e o uso de flautas muito bem encaixadas. Um hino folk sem ser, necessariamente, folk metal. Muito pelo contrário. Nos quatro primeiros versos, Dolk berra 'Helvete!', que significa inferno, mas provavelmente refere-se também à loja de discos fundada em 1991 por Euronymous, líder/guitarrista do Mayhem e figura central na cena norueguesa. Helvete, a loja, se tornou lugar de encontro obrigatório entre os fãs de black metal no início dos 90's e certamente foi frequentada pelos integrantes do Kampfar. Desativada hoje em dia, virou ponto turístico de Oslo.

"Kujon" - covarde - talvez seja a melhor do disco. Possui um riff animalesco e uma levada pulsante de baixo/bateria muito bem construída, com as linhas vocais se encaixando perfeitamente. Um arraso. O aspecto épico se acentua ainda mais no começo de "Blod, Eder og Galle", com um sintetizador fazendo o clima, mas que rapidamente se vê cortado como pano de fundo para blast beats insanos na velocidade da luz. Quando o vocal entra, reduz-se o tempo, amenizando um pouco a parede sonora e criando uma bela amostra da versatilidade do Kampfar enquanto expoente de um dos gêneros mais extremos do metal.

"Swarm Norvegicus" é outro ápice dentre os vários pontos de destaque de Djevelmakt. Segundo single do disco, a música é uma aula de black metal. Ortodoxa, mas sem soar nem um pouco datada. Tudo que o Deafheaven sempre sonhou fazer. Sozinha, oblitera Sunbather quase que por completo. Tem uma levada cadenciada, atmosférica e orquestrada, contrastando com o vocal horripilante de Dolk, que alcança nesta faixa sua melhor atuação. "Fortapelse" - perdição - não brilha tanto por si só, mas segura as pontas.

Quando dá a impressão de que o nível pode cair um pouco, surge a imponente "De Dødes Fane", mais uma com certo groove até então impensável para uma banda da gélida Noruega. Boa combinação de riffs, pedais duplos e uma levada sincopada do meio para o final fazem dela forte postulante ao top 3 do track list, que se encerra com a discreta "Svarte Sjelers Salme" e o desfecho triunfal de "Our Hounds, Our Legion", na qual Dolk até arrisca vocais limpos no final. Algo como se o Manowar resolvesse tocar black metal. Mas sem tantas firulas, claro. 

Essa variedade deixa o álbum cativante e fácil de se ouvir. Não há sequer uma música ruim em Djevelmakt, que, na tradução livre, significa algo como 'devil's power' - poder do diabo - e é mais do que indicado para amantes de Windir, Immortal e Enslaved mais antigo. A estupenda capa é uma pintura original de 1981 do polonês Zdzisław Beksiński. Uma ou outra canção talvez não precisasse ser tão longa, mas nada que manche a qualidade final do trabalho. As melhores são "Kujon", "Swarm Norvegicus", "Mylder", "De Dødes Fane" e "Blod, Eder og Galle". Cinco pedradas do mais alto quilate e que dificilmente permitirão que se encontre concorrente à altura deste disco, candidatíssimo ao posto de melhor do ano na seara black metal.

Nota: 9


Faixas

1 Mylder 6:50
2 Kujon 7:25
3 Blod, Eder og Galle 6:37
4 Swarm Norvegicus 5:48
5 Fortapelse 4:49
6 De Dødes Fane 5:59
7 Svarte Sjelers Salme 3:44
8 Our Hounds, Our Legion 7:53

Por Guilherme Gonçalves

Comentários

  1. Gostei da resenha! Vou ir atrás para ouvir

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  2. O disco é muito bom, Fabio, vale o play e tem no Rdio.

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  3. De fato, um excelente disco. Consegue aliar agressividade e musicalidade, sem descaracterizar o black-metal da banda e sem repetir os clichês e vícios do estilo. Há uma atmosfera bastante cativante, mesmo se tratanto de um trabalho de metal extremo.
    Tenho alternado audições desse disco e do "The Satanist" (aguardando o novo do Triptykon...).

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  4. "Se o mundo fosse um lugar justo, toda a aclamação em cima de Sunbather (2013), do Deafheaven, deveria, na verdade, recair sobre Djevelmakt. No entanto, como muitos críticos que elegeram o disco dos californianos o suprassumo da inovação no black metal entendem pouco ou quase nada do riscado, é até natural prever que o novo álbum de Dolk e cia passe um tanto quanto batido."

    Perfeito hehehe.

    Banda desconhecida pra mim, mas conferi e gostei muito de Djevelmakt. Puta album. Deixa a grande mídia brincar de Indie Black Metal, pois enquanto isso há gente fazendo um som realmente sincero e interessante.

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  5. "Indie Black Metal"

    Hahaha!


    É bem isso, Alípio!

    Tem revista que colocou o Subather em lista de melhores só por causa da capa descolada... Pode ter certeza.

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