Review: Criolo - Espiral de Ilusão (2017)


Kleber, ó Kleber, lá vem você com os seus larará … espera: e não é que eles são bons mesmo?

“Lá Vem Você”, faixa de abertura de Espiral de Ilusão, deixa claro em sua primeira frase a proposta do novo disco de Criolo: “lá vem você com os seus larará”. Em seu quarto álbum, o (há muito tempo não apenas) rapper paulista envereda sem medo pelo samba. Sim, o mais brasileiros de todos os gêneros musicais. Tem samba de roda, samba canção, samba de breque. Tudo com a poesia afiada e única de Criolo, repleta de surrealismo (aqui, bem menos do que em seus trabalhos anteriores) e cheia de lirismo e ironia (como sempre).

O disco, produzido por Daniel Ganjaman e Marcelo Cabral, traz dez faixas. Oito delas são compostas por Criolo, uma em parceria com Ricardo Rabelo e Jefferson Santiago e também uma interpretação para “Hora de Decisão”, de Rabelo e Dito Silva. O álbum saiu nos formatos físico e digital nesta sexta, dia 28 de abril. Tá na loja, tá na rua, tá no ouvido - e tá bom demais!

Ao trilhar pelo samba, Criolo faz, ao mesmo tempo, uma aposta acirrada e uma carta de intenções. A aposta é a de não agradar uma parcela de seu público, atraído para a sua música pela embalagem entregue pelo rap. A carta de intenções é o pau na mesa, deixando claro que tem muito a dizer e que pode utilizar a plataforma musical que achar mais adequada para transmitir o que pensa. Ele tem vocabulário, tem background, tem talento para tomar uma atitude assim. E é justamente esse um dos fatores que faz Kleber Cavalcante Gomes, seu verdadeiro nome, do alto de seus 41 anos ser um dos principais nomes da música brasileira contemporânea.


Da abertura com “Lá Vem Você”, passando pelo samba delicioso “Dilúvio de Solidão” e pela crítica inteligente de “Menino Mimado”, Criolo, ao mesmo tempo em que filtra as influências de nomes consagrados do samba como Paulinho da Viola e Martinha da Vila, traz também para a mistura ecos dos melhores momentos de Caetano Veloso e Chico Buarque, estabelecendo-se em um patamar artístico até então inédito. Como dito no início do texto, Criolo está muito além do rap, distante das fronteiras do hip hop, caminhando de maneira própria através de seu próprio e peculiar universo sonoro, que vai se revelando ao público a cada novo ato.

Tanto em Nó na Orelha (2011) (ouça “Linha de Frente”) quanto em Convoque seu Buda (2014) (agora é a vez de “Fermento pra Massa), Criolo já havia colocado o samba em seu repertório, mostrando que suas influências eram muito mais amplas que a de seus pares. Mas em Espiral de Ilusão o passo que ele dá é certeiro, resultando não apenas em um disco excelente, mas também em um dos melhores álbuns de samba dos últimos anos. E isso vindo de um cara que veio, teoricamente, de outra seara musical, mas cujo talento e criatividade são capazes de demolir qualquer limitação (boba, sempre) entre gêneros musicais.

Se a carreira de Criolo até aqui já se mostrava algo não apenas gratificante de se acompanhar por tudo que ele tem a dizer e cantar, com Espiral de Ilusão temos a convicção de que esse rapaz já começou a subir, e a passos largos, a escadaria que leva ao clube dos grandes artistas desse país tropical - sofrido, engraçado e complicado, mas sempre apaixonante e cheio de esperança. 

Afinal, um pouco de ilusão é fundamental para digerirmos os absurdos cada vez maiores a que somos expostos todos os dias, né não?

Comentários

  1. Ótima resenha Ricardo... Vou querer ouvir e apreciar essa obra. Nunca ouvi nada do Criolo, ajudar de saber de sua uma qualidade. Acho que chegou a hora.

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  2. Ricardo, você podia fazer dois top 10 Rap, um nacional e outro internacional.

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