Discoteca Básica Bizz #184: Devo - Q: Are We Not Men? A: We Are Devo! (1978)


Corria o ano de 1974. Mark Mothersbaugh e Gerald Casale cursavam arte na Universidade Kent State, em Ohio, Estados Unidos, quando um evento macabro mudou a vida dos dois: naquele ano, a polícia invadiu o campus para reprimir uma manifestação estudantil. Os tiras distribuíram bordoadas e tiros. Quatro estudantes morreram. O fato ganhou manchetes em todo o mundo e inspirou Neil Young a escrever seu clássico "Ohio", gravado pelo Crosby, Stills, Nash & Young.

A morte dos alunos mexeu muito com Mothersbaugh e Casale e convenceu-os da veracidade de uma teoria maluca que há muito vinha remoendo seus cérebros: a tese da "de-evolução". "Começamos a perceber que o homem estava andando para trás", disse Casale certa vez. "Atingimos o ápice do avanço tecnológico e, em vez de evoluir, passamos a retroceder, a voltar à época das cavernas."

Fanáticos por Kraftwerk, música eletrônica e artes plásticas, os dois juntaram tudo isso à teoria da de-evolução e formaram o grupo que, sozinho, fundou a new wave. O Devo era mais um conceito do que uma banda. Antes de lançar qualquer disco já tinham pensado num visual, uma mistura engraçada de roupas a lá Jornada nas Estrelas com ridículos capacetes de peão de obra. Em 1974, isso era o futuro.

O grupo nasceu com o puro espírito punk do "faça você mesmo". Casale e Mothersbaugh começaram a gravar demos num porão. A música era minimalista ao extremo: órgãozinho vagabundo, bateria eletrônica de quinta, uma ou outra guitarra, vocais quase falados. Apesar da precariedade, essas demos (editadas anos depois nos dois CDs da série Hardcore Devo) são obras-primas absolutas.


O primeiro disco, Q: Are We Not Men? A: We Are Devo!, de 1978, juntava todas as influências da banda: futurismo kitsch, George Orwell, Planeta dos Macacos, 2001, ficção científica barata, o humor negro do Monty Python, Kraftwerk, Giorgio Moroder, cinema experimental. Era uma experiência audiovisual, uma trilha sonora do apocalipse versão nerd. E a música era sublime: batidas eletrônicas capazes de sacudir até o mais enferrujado dos mortais, refrãos pop pegajosos e letras espertas.

O trabalho causou comoção: o festejado Brian Eno produziu o álbum e David Bowie fez questão de apresentar a banda num show de Nova York. Grupos como Pere Ubu, B-52's e até o Talking Heads se inspiraram no pop cibernético de Mothersbaugh, Casale e companhia.

Como a maioria dos grandes discos da história, a estreia do Devo não vendeu bem. Sucesso comercial o quinteto só obteria em 1980, quando a faixa "Whip It" estourou nas rádios. Mas a teoria da de-evolução se espalhou, influenciando muita gente: Kurt Cobain era um dos maiores fãs, Trent Reznor e Billy Corgan também, grupos como Man or Astro-Man? e Atari Teenage Riot nem existiram sem o Devo. E até os Simpsons usaram a banda como prova da teoria da de-evolução em Springfield. Homenagem maior, impossível.

Texto escrito por André Barcinski e publicado na Bizz #184, novembro de 2000

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