Review: Machine Head – Unto the Locust (2011)



Em 1991, o guitarrista Robb Flynn integrava o Vio-lence, uma das mais promissoras e até hoje cultuadas bandas de thrash da Bay Area. Porém, conflitos após a gravação do EP Torture Tactics (1991) fizeram com que os integrantes chegassem às vias de fato, com agressões físicas mútuas. Flynn decidiu então buscar novos ares e saiu em busca do objetivo de ter uma banda pra chamar de sua.

Foi assim que nasceu o Machine Head. O baixista Adam Duce foi o primeiro recrutado, seguido pelo guitarrista Logan Mader e pelo baterista Tony Constanza. Já com Chris Kontos no lugar de Tony, o quarteto estreou com tudo com o fenomenal Burn My Eyes (1994), um dos grandes debut da história do metal. O nível seguiu alto com o disco seguinte, The More Things Change ... (1997), mas então vieram os controversos The Burning Red (1999) e Supercharger (2001), onde Flynn e sua turma empurraram o cativante thrash metal repleto de groove dos dois discos anteriores pra debaixo do tapete e aproximaram-se sem pudores da sonoridade nu metal tão em voga na época.

Essa mudança dividiu os fãs e segue rendendo consequências até hoje. Aqui no Brasil, especialmente, uma grande parcela de bangers mais ortodoxos segue passando longe do Machine Head e não há quem os convença que a banda merece uma segunda chance. Bem, azar deles.

O Machine Head voltou aos trilhos a partir da entrada do guitarrista Phil Demmel, parceiro de Robb Flynn nos tempos do Vio-lence – Adam Duce e o baterista Dave McClain, ex-Sacred Reich, completaram o line-up. Com a sua chegada, a banda mudou novamente o seu som e deu ao mundo uma sequência de discos absolutamente matadora: Through the Ashes of Empires (2003), The Blackening (2007), Unto the Locust (2011) e Bloodstone & Diamonds (2014). Esse quarteto de álbuns é tão bom que apaga com sombras os deslizes cometidos em The Burning Red (principalmente) e Supercharger.


O assunto desde texto é a obra-prima do Machine Head, Unto the Locust. Lançado em 27 de setembro de 2011, o sétimo álbum da banda norte-americana foi aclamado de forma instantânea tanto pela crítica quanto pelo público, e é um dos melhores discos de metal dos anos 2010. Produzido pelo próprio Flynn, Unto the Locust recebeu nota máxima na Metal Hammer e no The Guardian, além de 9 no Blabbermouth e na Decibel. O CD traz sete faixas espalhadas por 48 minutos (é o mais curto da carreira do grupo), e elas estão entre as melhores que a banda gravou durante a sua carreira.

Unto the Locust abre com uma impressionante suíte divida em três movimentos, “I Am Hell (Sonata in C#)”, onde os principais elementos do thrash e do groove metal se encontram, com direito a melodias e solos que remetem à influência essencial que a New Wave of British Heavy Metal teve no nascimento do thrash metal. Outro fator que fica claro desde o primeiro segundo é a presença constante de artifícios que levam a catarses emocionais, receita que o Machine Head havia introduzido no álbum anterior – The Blackening – e que em Unto the Locust atingem o seu auge. Os refrãos, as linhas vocais e as harmonias entre as vozes conduzem invariavelmente a momentos de “arrepiamento” do ouvinte, fazendo com que o disco ganhe outra dimensão ao falar não somente com o cérebro e a razão, mas também de forma equivalente com o coração. O trecho acústico e as longas passagens instrumentais também contribuem de maneira decisiva para essa percepção sobre “I Am Hell (Sonata in C#)”.

Toda a melodia que o quarteto abriu mão nos discos do final da década de 1990 e início dos anos 2000 retorna de forma abundante em Unto the Locust. Ela é uma das protagonistas do álbum, ao lado do peso monolítico e das linhas vocais sempre inspiradas. “Be Still and Know” mostra o nível elevadíssimo de entendimento entre as guitarras de Flynn e Demmel, tanto nos riffs quanto nos solos, e soa como uma sinfonia concebida a partir dos instrumentos da dupla.

E então o disco nos apresenta um de seus ápices. “Locust” é para Unto the Locust o que “Master of Puppets” significa para o homônimo terceiro álbum do Metallica: a união de todas as suas principais qualidades em uma canção que exemplifica o trabalho com perfeição. Camadas de acordes surgem em um arranjo ascendente, em uma das mais belas introduções gravadas pela banda. A seguir, uma explosão rítmica e melódica traz o melhor da personalidade do quarteto: o groove acachapante e a sensibilidade para criar harmonias que tem o seu poder amplificado pelo peso onipresente. “Locust” é um dos maiores hinos do Machine Head e figura facilmente entre os grandes clássicos do grupo norte-americano. Uma música perfeita em um álbum onde a perfeição é uma constante, e cuja cereja do bolo está em sua parte central, onde Demmel e Flynn entregam uma das passagens mais belas do metal contemporâneo.

“This is the End” traz influências do death metal extremamente técnico surgido na Flórida no início da década de 1990 unidos à personalidade própria da banda, resultando em uma das canções mais rápidas e intrincadas do álbum. Novamente, a parte instrumental no centro da composição é um destaque. O timbre das guitarras é simplesmente arrepiante, e o desenrolar de seus acordes unido às harmonias vocais mostra o quanto a banda estava em outro nível na época.


Chegamos então à melhor e mais inusitada canção de Unto the Locust. “Darkness Within” une o folk de Bob Dylan ao peso do Metallica, e o que sai dos alto falantes é uma das músicas mais originais do heavy metal moderno. A introdução acústica traz apenas Flynn, e é seguida por uma entrada instrumental sublime, onde a guitarra de Demmel e a bateria de McClain constroem um crescendo espetacular que ganha contornos épicos com a linha vocal inspiradíssima de Robb. Acessível e original, amigável e criativa, “Darkness Within” é, na minha opinião, a melhor música de toda a história do Machine Head.

O álbum encaminha o seu final com “Pearls Before the Swine”, a faixa que mais conversa com os primeiros anos da banda. Nela, a agressividade assume o protagonismo e vai no mesmo caminho de pérolas como “Davidian” e “Ten Ton Hammer”. No entanto, contrasta da abordagem do restante do disco e soa deslocada em relação às demais.

O brilho criativo volta com tudo em “Who We Are”, que fecha o álbum de forma exemplar. A canção começa com um coro de crianças cantando o refrão, e é uma introdução simplesmente arrepiante. O groove e o peso então tomam conta, até desemborcarem no refrão repleto de melodia. O andamento quebrado e os riffs em tempos alternados montam um quebra-cabeça que evidencia o nível técnico e a alta performance apresentada pela banda. E como não poderia deixar de ser, a parte central tem mais um trecho instrumental assombroso, com as guitarras se entrelaçando em um jogo de gato e rato e solos muito bons.

Unto the Locust alcançou a posição mais alta da carreira do Machine Head, levando a banda ao 22º posto da Billboard – seu sucessor, Bloodstone & Diamonds (2014), faria ainda melhor e chegaria ao número 21 nos charts. O álbum vendeu mais de 100 mil cópias no mercado norte-americano e ganhou uma edição especial lançada na mesma época, com embalagem digipack e trazendo como bônus uma versão acústica para “Darkness Within” e covers para “The Sentinel”, do Judas Priest, e “Witch Hunt”, do Rush.

O melhor álbum da carreira do Machine Head e um dos melhores discos de metal dos anos 2010, Unto the Locust possui para o metal contemporâneo um status similar ao que clássicos do passado como Powerslave e Black Album significaram. É um trabalho que segue soando de maneira impressionante quase uma década após o seu lançamento, e sobretudo gerando um grau de satisfação que apenas os grandes clássicos conseguem alcançar. Com Unto the Locust, a trajetória já marcante do Machine Head atingiu o seu ápice criativo, colocando a banda de vez entre os gigantes do metal mundial.

Dizem que o metal atual não tem clássicos. Quem fala isso nunca ouviu Unto the Locust.

Comentários

  1. Parabéns pela ótima resenha como sempre, eu particularmente considero o álbum The Blackening o melhor, mas vou escutar o Unto the Locust com mais atenção, haja vista, que ele é o sucessor The Blackening onde banda estava incrivelmente no auge da musicalidade. Pena que é uma banda que não teve perdão, quando deslizou. Até o Slayer tentou fazer nu metal, mas é uma das melhores banda de groove metal que o rock ja viu e segue viva e forte.

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