Em 1970, Milton Nascimento já tinha quatro discos
lançados e a fama de cantor e compositor fora de série - Burt Bacharach, por
exemplo, era seu fã. Só que, em vez de partir para mais um álbum de composições
próprias, ele resolveu dividir a criação e deixar sua música ser inseminada por
outras cabeças. Desse espírito coletivista nasceu Clube da Esquina.
Milton convidou um amigo dez anos mais novo, Lô Borges,
que conheceu ainda criança em Belo Horizonte, para dividir as composições. Ele
sabia que podia confiar no taco beatlemaníaco do rapaz, pois tinha gravado três
músicas de Lô no disco anterior, Milton, de 1970. Em uma casa alugada na praia de
Piratininga, em Niterói, Milton e Lô passaram um ano e meio compondo e
recebendo a visita de amigos letristas (Fernando Brant, Ronaldo Bastos e Márcio
Borges) e músicos (como Beto Guedes, trazido por Lô).
As músicas foram gravadas nos estúdios da Odeon no Rio,
"tudo ao vivo, só com os vocais colocados mais tarde", como contou
Lô. As ideias e os arranjos iam surgindo no estúdio. Todos davam palpites,
inclusive os letristas. O resultado desse esforço coletivo chegou às lojas no
auge dos tempos barra-pesada da ditadura e, segundo Lô, foi recebido com
frieza: "Diziam que era música de uns caras que tocavam violão, olhavam
para as montanhas e falavam de nuvens e céu azul".
Clube da Esquina é tido como o disco que lançou o
som e a turma dos "mineiros" (de fato, ele envolve Lô, Beto, Toninho
Horta, Nelson Ângelo, Tavito e um monte de músicos de lá), mas a
"mineirice" não está em supostas raízes
ou ritmos folclóricos. Está na tradição de juntar uma galera num boteco, ouvir
e falar de Beatles, rock progressivo, tocar violão e - no caso de BH - olhar
para as montanhas.
A voz abençoada de Milton, o mistério das letras (de onde
vieram coisas como "um gosto vidro e corte / um sabor de chocolate"
ou "vento solar e estrelas do mar / a terra azul da cor de seu
vestido"?) e as levadas folk rock piraram a cabeça da rapaziada da época, e
a versão em CD, lançada vinte anos mais tarde, foi recebida como um tesouro no
Japão (onde existe o Fã-Clube da Esquina), na Europa e nos EUA.
A mistura de baladas Beatle e MPB com sabor afro-latino soa muito bem. Ainda mais nas canções sensacionais de Milton (como "San Vicente", "Cravo e Canela", "Nada Será Como Antes") e Lô (Tom Jobim era fã de "Trem Azul", David Byrne de "Um Girassol da Cor de seu Cabelo").
A casa na praia em Niterói, em que brotaram essas músicas, deveria ser tombada e ter uma placa: "Aqui nasceu um dos discos mais influentes já feitos no Brasil".
Texto escrito por Thomas Pappon e publcado na Bizz #199,
março de 2006
Um Gosto De Sol é dona de um lirismo que chega a ser assustador.
ResponderExcluirUm dos melhores discos de todos os tempos, e não apenas da MPB. Em termos de Brasil ele é top 3, não importando quais sejam os outros 2...
ResponderExcluirComecei a escutar a uns 02 ou 03 anos, meu queixo ainda esta caído!!!!!
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