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Mostrando postagens de novembro, 2025

O muro que nunca cai: Pink Floyd e a tragédia humana de The Wall (1979)

O impacto de The Wall (1979) só pode ser plenamente compreendido quando lembramos do contexto em que o Pink Floyd se encontrava. Após a apoteose de The Dark Side of the Moon (1973) e Wish You Were Here (1975) , e o clima tenso de Animals (1977) , a banda já estava fragmentada emocionalmente. Roger Waters assumia o comando criativo de forma quase absoluta, enquanto a relação entre os integrantes se desgastava rapidamente. Paradoxalmente, é justamente desse caos interno que surge um dos discos mais coerentes e bem construídos de toda a história do rock. A estrutura narrativa de The Wall é talvez seu feito mais impressionante. Waters não escreve canções isoladas: ele constrói um arco dramático. Cada música funciona como um capítulo que aprofunda a transformação de Pink, o personagem central da história — da infância traumatizada à ascensão no estrelato, passando pelo colapso mental e pela ruína emocional final. A metáfora do muro não é sutil, mas é poderosa. Waters trabalha essa ima...

Live EP (2025): mais uma prova da força imortal do Led Zeppelin

Live EP (2025) é um lançamento curioso dentro da discografia do Led Zeppelin, e justamente por isso vale um olhar mais atento. Pensado como parte das comemorações dos 50 anos de Physical Graffiti (1975) , o EP funciona menos como um “novo” documento ao vivo e mais como um pequeno recorte histórico, reunindo quatro performances já conhecidas, mas nunca antes disponibilizadas em áudio puro, fora do contexto do DVD autointitulado de 2003. Aqui estão dois Led Zeppelin distintos, separados por quatro anos e por atmosferas bem diferentes. De um lado, gravações capturadas em Earl’s Court 1975, palco da fase mais ambiciosa do grupo. A abertura com “In My Time of Dying” chega com força total: é o Led épico, expansivo, com Jimmy Page explorando nuances e Robert Plant ainda em plena forma. “Trampled Under Foot” , na sequência, é puro groove elétrico, com John Paul Jones dominando tudo e mostrando porque aquela tour é uma das favoritas entre os colecionadores. Do outro lado, Knebworth 1979 ...

O marketing como inimigo: como o Angra meteu os pés pelas mãos na divulgação de suas mudanças

Há exatamente uma semana, no dia 22 de novembro de 2025, a comunidade metal brasileira viveu um daqueles raros momentos de unanimidade. O Angra anunciava um show histórico de reunião no festival Bangers Open Air, trazendo de volta ao palco a formação responsável pela fase Rebirth (2001) : Edu Falaschi, Kiko Loureiro e Aquiles Priester . Era, para uma parcela enorme dos fãs, a concretização de um sonho cultivado por quase duas décadas. E por algumas horas, tudo pareceu possível. Não era apenas um show. Era um gesto simbólico. Uma celebração do legado. Uma reaproximação que muitos jamais imaginaram ver acontecer. Um Angra olhando para sua própria história com orgulho, e convidando o público a participar desse reencontro. O clima era de festa, catarse e verdadeira euforia. Mas bastaram dois dias para que a banda começasse, sem perceber, a desmontar essa onda positiva. No dia 23/11 , veio o segundo anúncio: Fabio Lione estava deixando o Angra . Embora surpreendente, a notícia ain...

Lies (1988): o disco mais imperfeito e revelador do Guns N’ Roses

G N’ R Lies (1988) é um disco estranho na história do Guns N’ Roses, e justamente por isso ele nunca deixou de ser fascinante. Nascido mais como uma solução de prateleira do que como um projeto artístico pensado do zero, o álbum combina o EP Live ?! Like a Suicide com quatro faixas inéditas acústicas. O resultado é um registro de transição que captura a banda em um momento raro: entre o impacto avassalador de Appetite for Destruction (1987) e a grandiosidade operística que viria nos Use Your Illusion (1991). A primeira metade, formada pelas faixas supostamente “ao vivo”, sempre carregou aquela aura de mito urbano. Hoje já se sabe que não há show nenhum ali, e sim gravações de estúdio com plateia adicionada depois — um truque comum nos anos 1980, mas que no caso do Guns funcionou como parte de sua construção de imagem. “ Reckless Life” , “ Nice Boys” (cover da banda australiana Rose Tattoo) e “ Move to the City” são explosões de adrenalina que mostram a banda ainda crua, ráp...

A era Mikkey Dee começa aqui: Bastards (1993), um dos discos mais subestimados do Motörhead

Entre as várias reviravoltas da carreira do Motörhead, Bastards (1993) ocupa um espaço peculiar: não é um dos discos mais lembrados pelo grande público, mas é um daqueles álbuns que, quando revisitados, revelam uma banda energizada, afiada e pronta para iniciar uma nova fase. Lançado pela ZYX — única vez em que Lemmy e companhia trabalharam com o selo — o álbum marca o início da era clássica com Mikkey Dee assumindo sua posição como integrante de fato. E isso faz diferença. A formação aqui — Lemmy, Phil Campbell, Würzel e Dee — parece ter encontrado um ponto de equilíbrio raro. Bastards soa como Motörhead puro, mas também como um Motörhead renovado. As guitarras vêm com mais corte, os andamentos são mais precisos e a banda entrega aquele tipo de ataque frontal que tornou seus shows lendários. É um disco direto, sincero e violento na medida exata, sem qualquer preocupação em acompanhar tendências dos anos 1990. Entre os destaques, “Born to Raise Hell” merece menção imediata. Um d...

Let It Bleed (1969): o fim dos anos 1960 na visão dos Rolling Stones

Let It Bleed (1969) não é apenas o álbum que fecha a década de 1960 para os Rolling Stones: é o disco que captura, com precisão quase assustadora, o espírito esfarelado daquele período. Violência política, desencanto social, tragédias culturais e o fim da utopia hippie pairavam no ar. Os Stones absorveram tudo isso e devolveram em forma de música bruta, carregada de urgência e profundidade emocional. Quando Let It Bleed começou a ser gravado, Brian Jones estava cada vez mais distante criativamente, lutando contra dependências químicas e problemas pessoais. As sessões se estenderam enquanto Jones perdia espaço e Keith Richards assumia mais protagonismo. Jones ainda aparece em faixas pontuais — em papéis menores, quase simbólicos — mas não teria tempo de ver o álbum lançado. Ele morreria meses antes do lançamento, em julho de 1969. Mick Taylor, recém-chegado e cheio de vitalidade, também aparece no álbum, contribuindo principalmente com guitarras adicionais e ajudando a pavimentar a ...

Metal, folclore e maturidade: o Tierramystica de volta em Trinity (2025)

Depois de mais de uma década sem um novo álbum de inéditas, o Tierramystica reaparece com Trinity e prova que ainda tem muito a dizer. O disco marca não apenas o retorno de uma das bandas mais singulares do metal brasileiro, mas também a consolidação de uma identidade que sempre os diferenciou: a fusão entre heavy/power metal e elementos folclóricos latino-americanos, trabalhada aqui com mais maturidade e foco do que nunca. A abertura com “Awakening” funciona quase como um manifesto. É curta, atmosférica, e dá o tom espiritual e épico que permeia todo o álbum. Na sequência, “Chaski Way” mostra a banda em plena forma: riffs diretos, melodias marcantes e a presença sempre bem-vinda de instrumentos tradicionais, como flautas andinas, que reforçam a personalidade sonora do grupo. A produção é clara, viva e mais bem resolvida do que nos trabalhos anteriores, mas, na minha opinião, uma dose maior de peso seria muito bem-vinda. “Raindancer”, “Fly as One” e “Cosmovision” mantêm o equilíbr...

Rock or Bust (2014): o AC/DC reencontrando seu caminho sem Malcolm Young

Rock or Bust chegou às lojas em 2014 carregando um peso que nenhum outro álbum do AC/DC havia enfrentado: era o primeiro trabalho sem Malcolm Young. A notícia de que o guitarrista estava deixando a banda por problemas de saúde já havia chocado os fãs, e a confirmação de que ele não voltaria mais ao grupo criava um clima de despedida não verbalizada – ele faleceria em novembro de 2017. Ainda assim, o AC/DC fez aqui aquilo que sempre guiou sua existência: seguiu em frente. Produzido por Brendan O’Brien, Rock or Bust tem aproximadamente 35 minutos de duração e 11 faixas que soam exatamente como você espera que o AC/DC soe. Nada de reinvenções, nada de experimentos, nada de crises existenciais. É a banda sendo a banda — talvez até mais teimosa do que o normal em afirmar sua identidade justamente no momento em que perdeu um dos seus pilares. A faixa-título, “Rock or Bust”, abre tudo com aquela confiança típica dos australianos, seguida por “Play Ball”, que parece surgida para ser cant...

A Justiça de Gunny Bill: uma saga sobre passado, culpa e destino na juventude de Tex (2025, Mythos Editora)

Reunindo as edições italianas 77 a 81 da série Tex Willer, a saga que no Brasil recebeu o título A Justiça de Gunny Bill é um dos momentos mais significativos dessa fase que explora a juventude do futuro Ranger. Não se trata apenas de mais uma aventura de perseguições e tiroteios: aqui, o leitor acompanha um mergulho emocional no passado de Tex, em uma história que combina resgate de memórias, dilemas morais e a inevitável colisão entre escolhas feitas na juventude e suas consequências adultas. A narrativa começa quando Arkansas Joe procura Tex e Kit Carson pedindo ajuda para enfrentar a Quadrilha do Carrasco, responsável pela morte do ex-ranger Gil Sands. Esse gancho inicial funciona como ponto de partida para algo maior. Tex se vê diante de lembranças adormecidas, o que leva à reconstrução de sua relação com dois personagens centrais em sua formação: Gunny Bill, o velho mentor e figura quase paterna, responsável por moldar o caráter e a habilidade do jovem Tex, e Charlie Goode, am...

Speak of the Devil (1982): quando Ozzy precisou voltar atrás para seguir adiante

Speak of the Devil sempre ocupou um lugar curioso na discografia de Ozzy Osbourne. Lançado em 1982, poucos meses após a morte de Randy Rhoads, o álbum não representa um novo passo criativo, nem aponta um rumo estético para a carreira solo do vocalista. Pelo contrário: é um mergulho completo no passado, um registro ao vivo inteiramente composto por músicas do Black Sabbath, a banda que projetou Ozzy ao mundo. O resultado é um disco que combina contexto turbulento, necessidade contratual e um artista que ainda tentava reencontrar o próprio eixo. Gravado em duas noites, entre 26 e 27 de setembro de 1982 no The Ritz em Nova York, Speak of the Devil nasceu como resposta a uma exigência da gravadora: entregar um álbum duplo com repertório do Black Sabbath. Nesse cenário, Ozzy decidiu revisitar clássicos como “Iron Man”, “War Pigs”, “Children of the Grave” e “Paranoid”, agora acompanhado pela banda que segurou sua carreira após o trauma da perda de Rhoads – o guitarrista Brad Gillis, o ba...

Eddie’s Archive (2002): o box definitivo para entender o nascimento, a evolução e a construção do mito Iron Maiden

Eddie’s Archive é um daqueles lançamentos que explicam por que o Iron Maiden ocupa um lugar tão singular no imaginário dos fãs de heavy metal. O box lançado em 2002 funciona como uma viagem arqueológica pela fase mais explosiva da banda, reunindo três discos duplos que, juntos, formam um painel raro e abrangente dos anos 1979 a 1988. É o tipo de edição pensada para colecionadores de verdade — pesada, luxuosa, numerada e carregada de itens que ampliam a experiência. Mas o principal está nos áudios: registros importantes, shows lendários e um compilado de lados-B que ajuda a remontar algumas das peças menos óbvias da discografia. O primeiro álbum do box, BBC Archives , reúne gravações que a banda realizou para a rádio e TV britânicas, desde a fase embrionária de Paul Di’Anno até o auge da energia com Bruce Dickinson. Este primeiro volume compila quatro registros gravados para a BBC entre 1979 e 1988, e o material é essencial para entender a evolução da banda no período pré- Number of ...

O aguardado novo álbum do Guns N’ Roses já está sendo revelado — e ninguém percebeu

O novo álbum do Guns N’ Roses já começou a ser revelado, e quase ninguém percebeu. Sem anúncio oficial, sem título e sem aquele frisson típico que acompanha qualquer movimento da banda, o grupo vem entregando seu próximo capítulo de maneira fragmentada, quase silenciosa, através de singles lançados desde 2021. Quando vistos de forma isolada, parecem apenas sobras reformuladas de Chinese Democracy (2008) . Mas quando analisados em conjunto, formam o esqueleto de um disco que está surgindo aos poucos, faixa a faixa, diante dos olhos do público. A história começa em 2021, quando o Guns reapareceu com “Absurd”. A música, uma versão reconstruída de “Silkworms”, faixa que a banda chegou a tocar ao vivo algumas vezes em 2001, causou estranhamento justamente por romper qualquer expectativa: era suja, agressiva, quase industrial. Não parecia um retorno triunfal, mas sim um choque controlado, um aviso de que nada viria fácil. Ali já havia um sinal: a banda estava disposta a desconstruir seu pr...

Do auge ao “metal espadinha”: por que o power metal virou piada?

O power metal já foi o rei das prateleiras, das lojas de CDs e dos cadernos de adolescentes que desenhavam logotipos no fundo da aula. Nos anos 1990 e 2000, o estilo era um dos motores do metal mundial — um ponto de entrada para novos fãs, um terreno fértil para melodias memoráveis e um abrigo para bandas que queriam unir peso, técnica e fantasia sem pedir desculpas. Duas décadas depois, parte do público trata o gênero com desprezo, reduzindo tudo a um estereótipo preguiçoso: o tal do “metal espadinha” . Uma rotulagem que tenta diminuir um movimento que, goste você ou não, ajudou a redefinir a cara do metal moderno. O curioso é que o power metal sempre soube exatamente o que era: velocidade, melodias fortes, técnica acima da média, refrões gigantescos e uma espiritualidade própria — umas bandas mais heroicas, outras mais sombrias, todas apostando no escapismo como forma de expressão. Não é um estilo que tentou enganar ninguém. Ele nunca se vendeu como agressivo ao extremo, nem como ...

A fase Fabio Lione no Angra: discografia comentada dos álbuns de estúdio e ao vivo

Quando Fabio Lione entrou oficialmente para o Angra, em 2012, a sensação imediata foi de transição. A banda buscava estabilidade após anos turbulentos e, ao mesmo tempo, tentava encontrar novas linguagens dentro do metal melódico e progressivo. O vocalista italiano trouxe potência, técnica e uma dramaticidade operística incomum no power metal brasileiro, e essa combinação guiou a sonoridade do grupo nos três álbuns de estúdio que marcaram seu período no Angra: Secret Garden (2014), Ømni (2018) e Cycles of Pain (2023). No mesmo intervalo, ele também foi protagonista em três registros ao vivo que ajudam a entender sua importância na história da banda. Abaixo você tem uma discografia comentada dessa fase, misturando contexto histórico, recepção crítica e a análise sobre cada lançamento. Secret Garden (2014) O primeiro trabalho de estúdio com Lione era, ao mesmo tempo, um recomeço e um desafio: reintroduzir o Angra ao grande público e apresentar oficialmente seu novo vocalista em...