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Mostrando postagens de junho, 2023

Echoes of the Soul, a notável estreia da Crypta

Não sei explicar o motivo, mas eu tenho um delay no meu consumo de música, e ele se manifesta de uma maneira curiosa: quanto todo mundo está falando de um álbum ou uma banda, eu instintivamente me afasto daquele disco e daquele artista. Traduzindo: eu fujo do hype, mesmo não sabendo por que. Até que, por algum motivo geralmente aleatório, o interesse finalmente me fisga e eu vou ouvir aquilo que todo mundo já ouviu. Isso já aconteceu muitas vezes, e o exemplo mais recente ocorreu com a Crypta. Com a separação da Nervosa, a banda se dividiu em duas: a própria Nervosa anunciou uma nova formação excelente e lançou o ótimo Perpetual Chaos em 2021 (e acabou implodindo mais uma vez um tempo depois e passando por inúmeras alterações no line-up desde então ), enquanto Fernanda Lira e Luana Dametto anunciaram a criação de uma nova banda, batizada como Crypta. As duas, mais as guitarristas Tainá Bergamaschi e Sonia Anubis, gravaram e lançaram Echoes of the Soul , seu álbum de estreia, também ...

Rebel Heart: uma rebelião confusa, mas com o DNA de Madonna

Ao olharmos o tracklist de Rebel Heart , ele assusta. São dezenove faixas em mais de 74 minutos na versão deluxe, que na prática foi a mais comprada pelos fãs. E o conjunto de canções é um tanto irregular, isso é inegável. Após o inconstante MDNA (2012), Madonna retomou a receita de Hard Candy (2008) e trabalhou com diversos produtores que estavam em voga na época, as escolhas mais conhecidas sendo Diplo, Avicii e Kanye West, além de participações especiais de Nicki Minaj (repetindo a parceria do álbum anterior), Chance the Rapper e até mesmo de Mike Tyson. As letras exploram temas românticos e a rebeldia sempre presente no comportamento de Madonna, atitude essa que deu ao mundo desde hinos pop como “Like a Prayer” até manifestos artísticos como Erotica (1992) e American Life (2003). O som é o pop cativante de sempre, adornado dessa vez por elementos de trap, house da década de 1990 e até mesmo reggae, uma mistura heterogênea que faz com que o álbum não apresente a coesão musical...

O KoRn pode não ser para todos os ouvidos, mas essa compilação é

Principal nome do chamado nu metal, o KoRn sempre despertou sentimentos antagônicos. Os fãs reverenciam os novos caminhos que o grupo sempre buscou com a sua música, enquanto quem não simpatiza com o som da banda os classifica como repetitivos, monótonos, sem graça e outros adjetivos elogiosos. Neste sentido, a coletânea Greatest Hits Vol. 1 é uma boa pedida. Ouvindo-a de cabo a rabo fica evidente que o KoRn, ainda que tenha dado algumas bolas fora em sua carreira, acertou em vários momentos. O disco abre com a melodiosa "Word Up!", música para cima que destoa da maioria das músicas (para não dizer de todas) que o grupo gravou em sua carreira. Com um ar festivo que lembra um pouco a Los Angeles dos anos 1980, avisa logo o ouvinte que, por mais que ele ouça guitarras pesadas durante o CD, é bom ele manter os ouvidos e a cabeça abertos para o que está por vir. Uma versão para "Another Brick In The Wall" do Pink Floyd dá sequência ao álbum. O andamento marcado, alia...

The Beatles - Get Back: livro estende experiência do documentário de Peter Jackson

De tempos em tempos surgem lançamentos, relançamentos ou novos itens que mostram ao mundo, de forma clara e muitas vezes chocante, o fenômeno único que foram os Beatles. A mais recente dessas revelações foi  Get Back , série documental dividida em três capítulos que apresentou o Fab Four compondo e gravando o álbum Let It Be (1970). Dirigida por Peter Jackson (da triologia O Senhor dos Aneis), a série foi aclamada de forma unânime, e é um dos exemplos mais claros da genialidade do quarteto formado por Paul McCartney, John Lennon, George Harrison e Ringo Starr. The Beatles: Get Back está disponível no Disney+ e foi lançada também em formato físico, em edições triplas tanto em DVD quanto Blu-ray, que, logicamente, não foram disponibilizadas no mercado brasileiro. O documentário ganhou também um livro com o mesmo título, este sim publicado no Brasil, e em uma linda edição. The Beatles: Get Back é uma obra em formato grande (25x30), capa dura com cinta trazendo as clássicas fotos ...

Godhound, o stoner denso e espesso que vem do Rio Grande do Norte

O Brasil é continental e possui aficionados por rock em todas as suas regiões. Veja esse exemplo: eu, aqui no sul do país, estou ouvindo o álbum de estreia do Godhound, quarteto natural de Mossoró, no Rio Grande do Norte. A distância geográfica é eliminada por um rock super pesado e que aproxima apreciadores do estilo tão distantes entre si. Refueled é o primeiro disco do grupo formado por Kael Freire (vocal e baixo), Victor Freire (guitarra e vocal), Vitor Assmann (guitarra) e Lazaro Fabricio (bateria). O álbum apresenta oito faixas e traz a participação de Jimmy London, do Matanza, em “Deathmask Trucker”. A linda arte da capa foi criada por Wildner Lima e a produção ficou a cargo de Kael e Victor. A sonoridade é um stoner com letras em inglês, calcado em bons riffs e vocais bem agressivos, algo na linha entre o Orange Goblin, o High on Fire e o Red Fang. O peso do material é acentuado pela produção, que a princípio soa meio abafada, mas na verdade prioriza e intensifica os tons ...

Why Do We Suffer? traz o Deep Memories explorando as profundezas do seu som

Como é bom ser surpreendido. Amo a sensação de colocar pra tocar um CD de uma banda que não conheço, e logo nos primeiros acordes perceber que estou ouvindo algo especial. E tive essa sensação ao escutar Why Do We Suffer? , segundo álbum do Deep Memories. A banda é formado pelo vocalista e multi-instrumentista Douglas Martins, responsável por tudo que ouvimos no álbum, inclusive as composições e a produção. Musicalmente, o som é uma união entre doom, gothic e prog, com alguns elementos de death metal vindos principalmente do vocal gutural. Esse é o segundo disco do Deep Memories e sucede Rebuilding the Future (2018). Douglas não é novo no cenário. Ele criou o Deep Memories em 2016, após sair do Desdominus, banda de death/black de Americana na ativa até hoje, e onde permaneceu entre 1997 e 2005 como vocalista e guitarrista. As influências adquiridas nesse período estão presentes no seu som atual, que se mostra muito maduro e competente. Com ótima produção, Why Do We Suffer? entre...

Duas décadas depois, Megahertz ressurge com força total em Burning Like Hell

Na estrada há quase quarenta anos, a banda piauiense Megahertz lançou em 2022 o seu segundo álbum, Burning Like Hell , exatas duas décadas após soltar seu disco de estreia, Pyramidal Power (2002). O CD saiu pela Mog Records e Orange Produções, e foi disponibilizado em um belo digipack com encarte de doze páginas trazendo todas as letras. A produção é do guitarrista Mike Soares, com capa de Rafael Tavares e Romano Rocha. Pra fechar a introdução, a banda é formada por Nixxon (vocal), Kasbafy (guitarra), Mike Soares (guitarra), Marcelo Briba (baixo) e Iado Dayvison (bateria). Burning Like Hell vem com doze faixas e a sonoridade da banda traz influências de nomes lendários do thrash metal como Exodus e Testament, e até algo que lembra, nas canções mais diretas, o cultuado Hirax. Traduzindo, é thrash construído com uma chuva de riffs, vocais rasgados e andamentos contagiantes, tudo muito bem feito e que agradará em cheio quem é fã do estilo. Algumas passagens flertam com o metal mais ext...

David Coverdale e o brilho negligenciado de Into the Light

Após Slip of the Tongue (1989), David Coverdale anunciou uma pausa nas atividades do Whitesnake. O vocalista estava cansado e queria um tempo para colocar a cabeça no lugar antes de decidir quais seriam seus próximos passos. O período coincidiu com o divórcio de Tawny Kitaen, a musa que aparece nos clipes de “Is This Love”, “Here I Go Again” e “Still of the Night”, com quem David casou em 1989. Cada um dos músicos partiu por caminhos diferentes, incluindo o próprio Coverdale, que retornou apenas em 1993 com um álbum em parceria com Jimmy Page. Mas David realmente queria dar um tempo durante os anos 1990. Seu próximo trabalho sairia apenas em 1997 com o título de Restless Heart , e a ideia original era de que fosse um álbum solo, porém a gravadora conseguiu colocar um Whitesnake em letras garrafais na capa. As novas edições, inclusive, já nem trazem o nome da David Coverdale na capa, com o disco se transformando, definitivamente, em um álbum do Whitesnake. Essa fase rendeu também o ac...

Madonna e o pós-11 de setembro no conceitual American Life

Em 11 de setembro de 2001, as torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York, foram atingidas por dois aviões de passageiros e desabaram logo em seguida, matando milhares de pessoas em um atentado transmitido ao vivo para todo o mundo. A reação do governo norte-americano foi proporcional à perda chocante de quase três mil pessoas no ataque, com iniciativas que foram, compreensivelmente, apoiadas pela maioria da população do país, mergulhada em um clima de desolação e paranoia e tentando encontrar maneiras de se recuperar do profundo impacto que o atentado teve na sociedade do país. Entre essas ações estava a escalada do confronto com Saddam Hussein, então presidente do Iraque. George W. Bush, presidente dos Estados Unidos na época, ordenou um ataque ao país do Oriente Médio em 20 de março de 2003, dando início à Guerra do Iraque treze anos após o seu pai, o ex-presidente americano George Bush, começar a Guerra do Golfo no início de agosto de 1990. O que isso tem a ver com Madonna?...

Livro: Black Metal – A História Completa, de Dayal Patterson (2022, Estética Torta)

O black metal é um dos gêneros musicais mais polêmicos e estudados de todos os tempos, mas é também um dos estilos mais fascinantes e inovadores da história. Essa percepção é bastante clara para qualquer pessoa que mergulhe os ouvidos no gênero, e fica ainda mais acentuada após a leitura dos dois volumes de Black Metal - A História Completa , do jornalista inglês Dayal Patterson. Publicada originalmente em 2013 com o título de Black Metal: Evolution of the Cult , a obra foi dividida em duas partes na edição brasileira, publicada pela Estética Torta, uma decisão acertada ao levarmos em conta as monumentais 832 páginas que compõe o título. O primeiro volume possui 480 páginas e vai até o retorno do Mayhem após a morte de Euronymous, e o segundo, com 352 páginas, inicia com capítulos dedicados ao Cradle of Filth e ao Dimmu Borgir, duas bandas do chamado black metal sinfônico e que, para os mais tradicionais, nem se enquadrariam no estilo por razões que vão desde o aspecto musical até o su...

Descubra o mundo sombrio: três bandas de black metal que você precisa ouvir

O black metal pode assustar os desavisados, seja pelo som nada amigável ou pelas polêmicas – históricas e recentes – envolvendo as principais bandas do estilo. Porém, basta um ouvido um pouco mais treinado para perceber o quanto o gênero nunca parou de entregar bandas com sonoridades cativantes e musicalidade intensa, além de sempre estar aberto para novas abordagens e experimentações. Abaixo estão três indicações de bandas que mostram o quanto o black metal segue criativo, e que estão entre as melhores do estilo atualmente. Blackbraid O Blackbraid possui a particularidade bastante singular de ser uma banda formada por um músico nativo-americano. Jon Krieger, o vocalista, usa o pseudônimo Sgah’gahsowáh, que na língua Mohawk significa O Falcão Bruxo. A banda chamou a atenção no início de 2022, já com o lançamento de seu primeiro single, “Barefoot Ghost Dance on Blood Soaked Soil”, cuja letra faz menção ao Massacre de Wounded Knee, ocorrido em 1890, em que 90 índios foram mortos em...

90125: quando o Yes reinventou o seu som para a década de 1980

Meu primeiro contato com o Yes se deu através de uma música presente em 90125 . E não, não estou falando do hit “Owner of a Lonely Heart”, mas sim de outra canção. “Leave It” fez parte do álbum oficial da primeira edição do Rock in Rio, lançado em dezembro de 1984, poucos dias antes do início do festival. Ela está no tracklist ao lado de outras músicas que marcaram muito a minha adolescência, como “Private Idaho” do The B-52’s, “Head Over Heels” das Go-Gos, “New York, New York” de Nina Hagen e “Rock of Ages” do Def Leppard, além da canção tema do festival, de autoria de Eduardo Sousa Neto, com os versos inesquecíveis “ todos numa direção, uma só voz, uma canção, todos num só coração .. .”. Lançado em novembro de 1983, 90125 é o décimo primeiro disco do Yes e marcou um recomeço para a banda. Um dos grandes nomes do rock progressivo, o quinteto inglês brilhou intensamente durante os anos 1970 em álbuns magníficos como Fragile (1971) e Close to the Edge (1972), mas também foi vítima ...

Hard Candy, a doce pérola pop de Madonna

O décimo disco de Madonna, Confessions on a Dance Floor (2005), é uma obra-prima e um dos melhores trabalhos da Rainha do Pop. Tudo isso elevou a expectativa a respeito do seu sucessor, que chegou três anos depois.  Hard Candy mantém o apelo pop e dançante de seu antecessor, mas explora sonoridades mais contemporâneas, contrastando com a enorme influência de disco music presente no disco de 2005. Tendo nomes consagrados como Justin Timberlake, Timbaland e Pharrell Williams assinando a produção e colaborando na composição das músicas, o álbum é deliciosamente pop e traz elementos de R&B e hip-hop – um exemplo é a participação de Kanye West em “Beat Goes On” -, dando um ar de frescor para as músicas. Hard Candy intensifica qualidades marcantes e sempre presentes na discografia de Madonna, notadamente duas delas: a capacidade de se renovar e atualizar a sua música para novos tempos e novos públicos ao não ter medo de experimentar com novas sonoridades, e a maneira como faz is...

Forever Young: a duradoura influência do Alphaville na música pop

O título da coletânea da banda alemã Alphaville faz menção à “primeira colheita” de singles do grupo, um dos mais populares da cena synthpop dos anos 1980. First Harvest 1984-92 abre com “Big in Japan” e fecha com “Forever Young”, dois dos maiores hits do grupo e dois clássicos do pop oitentista. Entre ambas, outras pérolas da receita certeira do quarteto, composta por ingredientes como elementos eletrônicos, sintetizadores melódicos e letras filosóficas. Formado em 1982 na cidade Münster, o Alphaville possui uma carreira longa e que segue gerando frutos. A banda entrou em um hiato após o seu quinto álbum, Salvation (1997), mas retornou em 2010 com Catching Rays on Giant e, desde então, lançou mais dois trabalhos, Strange Attractor (2017) e Eternally Yours (2022). Da formação clássica, apenas o vocalista Marian Gold permanece. First Harvest , na verdade, foi a terceira compilação de canções do quarteto. Ela foi antecedida por Alphaville Amiga Compilation , lançada apenas na e...

v. Spy v. Spy: o trio australiano que conquistou o público brasileiro

Formado em Sydney em 1981, o Spy vs. Spy (ou v. Spy v. Spy) foi uma das bandas mais populares entre o público brasileiro durante a década de 1990. Isso se deu por causa da associação do trio com o chamado surf rock, que na época era um rótulo aplicado aos grupos que a galera do surf ouvia e eram promovidos por revistas com a extinta Fluir. O som não tinha nada a ver com a origem do termo, que surgiu lá nos anos 1960 nas praias californianas através de nomes como o The Beach Boys. O surf rock da década de 1990 era, em suma, uma denominação para definir as bandas australianas do período, como Midnight Oil, Australian Crawl, Hoodoo Gurus, Ganggajang e outras, que caíram no gosto dos surfistas brasileiros. Musicalmente, todas essas bandas faziam um pop rock cheio de melodias solares, com refrãos fortes e bastante acessível, com grande apelo comercial. O Spy era formado por Craig Bloxom (vocal e baixo), Michael Weiley (guitarra e vocal) e Cliff Grigg (bateria), um trio multinacional: ...