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Mostrando postagens de junho, 2025

Entre o silêncio e a herança: A Propriedade, de Rutu Modan (2015, WMF Martins Fontes)

Publicada no Brasil pela WMF Martins Fontes em 2015, A Propriedade é uma graphic novel que escava memórias enterradas com a precisão de quem conhece bem os caminhos da dor familiar. Escrito e ilustrado pela israelense Rutu Modan, o quadrinho acompanha uma viagem aparentemente simples: Regina, uma senhora judia, e sua neta Mica partem de Tel Aviv rumo a Varsóvia com o objetivo declarado de recuperar um imóvel que pertenceu à família antes da Segunda Guerra Mundial. Mas o que começa como uma disputa burocrática se revela, pouco a pouco, como um acerto de contas com o passado — aquele que se esconde em silêncios, meias-verdades e ausências compartilhadas. Modan trabalha com a técnica do "ligne claire" (a linha clara popularizada por Hergé, o gênio belga criador de TinTim), traço limpo e direto que remete aos quadrinhos europeus clássicos. As cores suaves e a diagramação precisa criam um contraste interessante com a densidade emocional da narrativa. Nada aqui é exagerado: a do...

Fly on the Wall (1985): quando o AC/DC disse não aos anos 1980

Fly on the Wall (1985) é o décimo álbum de estúdio do AC/DC e o segundo sem a produção de Robert John “Mutt” Lange, que havia trabalhado nos clássicos Highway to Hell (1979), Back in Black (1980) e For Those About to Rock We Salute You (1981). Aqui, os irmãos Angus e Malcolm Young assumem a produção, buscando retomar o controle criativo da banda em um período complicado para o hard rock tradicional. No meio da década de 1980, o AC/DC enfrentava um cenário musical em mutação. O glam metal tomava conta das paradas, com bandas como Mötley Crüe e Ratt dominando a MTV. Ao mesmo tempo, o AC/DC tentava se manter relevante após os altos estratosféricos de Back in Black (1980). Fly on the Wall veio após o mediano Flick of the Switch (1983) e foi lançado num momento em que a banda enfrentava críticas, queda de popularidade e até investigações policiais após associações indevidas entre seu nome e crimes nos Estados Unidos — algo que gerou controvérsia, mas também fortaleceu sua postura rebel...

Kabuki: Verão, Outono, Inverno, Primavera (Guilherme Petreca e Tiago Minamisawa, 2025, Pipoca & Nanquim)

Lançada pelo selo da editora Pipoca & Nanquim, Kabuki: Verão, Outono, Inverno, Primavera é uma graphic novel profundamente sensível, poética e necessária. Escrita por Tiago Minamisawa e ilustrada por Guilherme Petreca, a obra costura com delicadeza temas universais como identidade, dor, aceitação e transformação, com um foco especial na vivência de pessoas trans — uma escolha que reverbera com força em um país como o Brasil, que lidera o triste ranking mundial de assassinatos contra essa população. A narrativa gira em torno de um jovem artista do teatro kabuki — a tradicional arte cênica japonesa — que se reconhece e se afirma como uma mulher trans. A escolha de ambientar a história nesse universo estético e simbólico é mais do que estilística: o kabuki, marcado por suas rígidas convenções e papéis de gênero, torna-se uma poderosa metáfora para os limites impostos socialmente à identidade de gênero e à autoexpressão. O fato de, historicamente, mulheres serem proibidas de atuar n...

O metal não se aposenta: a força de Ozzy Osbourne em Live & Loud (1993)

Lançado em 28 de junho de 1993, Live & Loud marcou um ponto de virada simbólico na carreira de Ozzy Osbourne. Apresentado inicialmente como o registro da última turnê do Madman antes de sua aposentadoria — que, como sabemos, nunca se concretizou de fato — o disco serviu como um apanhado da trajetória solo de Ozzy até aquele momento e também como uma carta de amor aos fãs. No começo dos anos 1990, Ozzy vivia um momento turbulento. Após o lançamento de No More Tears (1991), um de seus maiores sucessos comerciais e artísticos, ele anunciou que se aposentaria das turnês por motivos de saúde, batizando a turnê de despedida de No More Tours. O clima era de celebração e encerramento de ciclo — e Live & Loud capturou esse espírito com precisão. O disco foi lançado em CD duplo e também em VHS e, posteriormente, em DVD. A formação da banda incluía músicos de altíssimo nível: Zakk Wylde (guitarra), Mike Inez (baixo, Alice in Chains), Randy Castillo (bateria, ex-Mötley Crüe) e Kevin...

Tio Patinhas e A Última Aventura (Francesco Artibani e Alessando Perina, 2025, Panini)

Em Tio Patinhas e A Última Aventura , acompanhamos o pato mais rico do mundo perdendo tudo após um golpe meticulosamente orquestrado por seus maiores inimigos: os Irmãos Metralha, Maga Patalójica, Patacôncio e Pão Duro Mac Mônei. Embora o tema da ruína e reconstrução da fortuna seja recorrente nas histórias de Tio Patinhas, o roteirista Francesco Artibani consegue abordá-lo com frescor e competência. Dividida em quatro partes, a trama é contada com uma linguagem universal e ritmo ágil. Mesmo recorrendo a elementos previsíveis — como o clássico “a maior riqueza é ter quem amamos por perto” — a história funciona muito bem graças a diálogos bem escritos e à interação entre os personagens, especialmente aqueles que costumam ter papéis secundários, como Mac Mônei. Há momentos de grande inspiração por parte de Artibani, em especial no desenvolvimento do arco da Maga Patalójica. A história também presta homenagens sutis a clássicos de Carl Barks e Don Rosa, os dois maiores arquitetos do u...

Da marginalidade ao Pulitzer: como os quadrinhos conquistaram o status de arte

Durante décadas, os quadrinhos foram tratados como um produto descartável — literatura de segunda, coisa de criança ou subcultura juvenil. Mas o tempo passou, os leitores amadureceram, e as HQs também. Hoje, obras em quadrinhos ocupam espaço ao lado de romances consagrados, são estudadas em universidades, premiadas com os maiores troféus da literatura mundial e exibidas em museus. Mas como isso aconteceu? Como passamos das bancas de jornal aos prêmios literários? Esta é uma viagem pela evolução cultural e estética dos quadrinhos — dos pulp à consagração. Anos 1930-1940: a era pulp e o nascimento do super-herói Os quadrinhos surgiram nos jornais do século XIX, mas ganharam forma como produto editorial de massa nos anos 1930, com a explosão das revistas pulp e dos primeiros gibis. Foi aí que nasceram ícones como Superman (1938), Batman (1939) e Mulher-Maravilha (1941), fundando o que conhecemos como Era de Ouro dos Super-Heróis. Mas, para a crítica tradicional, essas publicações nã...

Glory to the Brave (1997): como o álbum de estreia do HammerFall reacendeu o power metal nos anos 1990

Lançado em 27 de junho de 1997, Glory to the Brave marcou uma virada decisiva no cenário do metal europeu. Em uma época em que o heavy metal tradicional era considerado datado ou relegado a nichos, o HammerFall surgiu como um arauto da resistência metálica, reacendendo a chama do power metal clássico com energia renovada, melodias marcantes e atitude reverente às raízes do gênero. O HammerFall nasceu em Gotemburgo, na Suécia, cidade mais conhecida até então pela prolífica cena do death metal melódico com nomes como At the Gates, In Flames e Dark Tranquillity. Mas o guitarrista Oscar Dronjak tinha outra missão: homenagear o metal tradicional da velha guarda. O que começou como um projeto paralelo rapidamente ganhou corpo com a entrada do vocalista Joacim Cans, cuja voz potente e melódica se tornaria a assinatura da banda. Gravado com orçamento limitado, Glory to the Brave foi lançado pela Nuclear Blast e se destacou por sua autenticidade em um período dominado por tendências mais mo...

Peter Framton em Frampton Comes Alive! (1976): o álbum que redefiniu os discos ao vivo

Frampton Comes Alive! (1976) é um dos álbuns ao vivo mais icônicos da história do rock. Não apenas definiu a carreira de Peter Frampton, como também se tornou um marco da cultura pop dos anos 1970 e um exemplo clássico do poder dos discos ao vivo em transformar a percepção pública sobre um artista. Antes de se tornar um superstar, Peter Frampton já tinha uma trajetória consistente. Foi integrante das bandas The Herd e Humble Pie, além de ter lançado quatro álbuns solo com recepção modesta. Embora fosse respeitado como guitarrista e compositor, Frampton ainda buscava o sucesso comercial. A virada veio com Frampton Comes Alive! , que reuniu registros de apresentações feitas em 1975 nos Estados Unidos, capturando a energia contagiante de seus shows e a conexão espontânea com o público. A produção, assinada pelo próprio Frampton com o engenheiro de som Chris Kimsey, teve o cuidado de preservar a vibração ao vivo sem perder clareza. O álbum foi um sucesso instantâneo, permanecendo por ...

Os CDs que o Fúria Metal fez você querer ter na estante

Durante os anos 1990, o Fúria Metal foi mais que um programa de TV: foi uma espécie de farol sonoro para quem amava música pesada no Brasil. E sua influência ia além da tela — era direto nas lojas de discos. Cada clipe que estreava na MTV podia desencadear uma corrida ao centro da cidade no sábado seguinte. Abaixo estão 10 CDs que se tornaram febre entre os colecionadores da época depois de passarem pelo Fúria Metal. Álbuns que moldaram gostos, abriram portas e deixaram marcas profundas na formação de toda uma geração. 1. Sepultura – Chaos A.D. (1993) Com esse disco, o Sepultura deu um passo decisivo rumo a uma identidade própria. A mistura de thrash, groove e elementos tribais fez de Chaos A.D. um marco do metal mundial. A exibição de “Refuse/Resist” no Fúria levou o orgulho nacional ao máximo e consolidou a banda como referência global. 2. Pantera – Far Beyond Driven (1994) Lançado no auge da popularidade da banda, Far Beyond Driven levou o som agressivo do Pantera ao t...

Anthrax em Attack of the Killer B’s (1991): uma celebração da irreverência e da criatividade do thrash metal

Attack of the Killer B’s (1991) é uma compilação única que encapsula o lado mais experimental, humorístico e livre do Anthrax, uma das bandas mais emblemáticas do thrash metal. Lançado em 25 de junho de 1991, o disco reúne lados B, covers, sobras de estúdio e colaborações inusitadas, funcionando como uma cápsula do tempo da banda no auge da sua fase com Joey Belladonna e como símbolo da sua atitude irreverente em meio ao cenário muitas vezes sisudo do metal. No início dos anos 1990, o Anthrax já havia solidificado sua posição como uma das quatro grandes bandas do thrash, ao lado de Metallica, Slayer e Megadeth. Discos como Among the Living (1987) e Persistence of Time (1990) haviam mostrado seu poder criativo, equilibrando agressividade e senso de humor. Em vez de lançar um álbum convencional, o grupo optou por uma compilação que refletisse seu espírito livre e colaborativo. A decisão veio em um momento de transição, tanto no metal quanto no Anthrax — Attack of the Killer B’s foi ...

A magia sombria de Beasts of Burden: análise de Rituais Animais e Guardiões da Vizinhança (Pipoca & Nanquim)

Beasts of Burden é uma série de quadrinhos que, à primeira vista, poderia ser facilmente confundida com uma história infantil — afinal, seus protagonistas são cães e gatos fofos que vivem em um típico subúrbio americano. Mas bastam algumas páginas para que o leitor perceba: esse não é um conto para crianças. Criada por Evan Dorkin e ilustrada por Jill Thompson, a série mergulha fundo no sobrenatural, explorando temas como luto, violência, sacrifício e perda — tudo filtrado através do olhar de animais domésticos que atuam como uma espécie de sociedade secreta de detetives ocultistas. O encadernado Rituais Animais compila as primeiras aventuras do grupo de cães (e um gato) que habitam Burden Hill, uma pacata vizinhança assolada por fenômenos inexplicáveis. As histórias, curtas e autocontidas, estabelecem o tom da série: cada uma lida com um novo caso sobrenatural, indo de zumbis caninos a rituais mágicos e casas assombradas. Apesar de episódicas, as tramas vão tecendo um pano de fundo...

Tex e Dylan Dog: por que os fumetti italianos resistem ao tempo?

Num mundo editorial cada vez mais acelerado, onde modas vêm e vão em velocidade digital, há algo de intrigante na longevidade dos fumetti italianos — os quadrinhos produzidos na Itália. Entre os maiores representantes desse universo estão Tex e Dylan Dog, personagens que, mesmo surgidos em contextos históricos muito diferentes, continuam conquistando gerações de leitores. Mas o que explica essa resistência ao tempo? Por que essas HQs, muitas vezes ignoradas pelo mainstream, seguem firmes e influentes, especialmente em países como o Brasil? A resposta passa por estilo, linguagem, temas universais e uma conexão profunda com o leitor. Criado em 1948 por Gian Luigi Bonelli e Aurelio Galleppini, Tex Willer é um ranger do Velho Oeste que mistura coragem, honra e senso de justiça. Com mais de 700 edições publicadas, é um dos personagens mais longevos da história dos quadrinhos — e isso sem precisar de “reboots”, “multiversos” ou armaduras tecnológicas. Tex é publicado no Brasil desde ...

Dream Theater em Black Clouds & Silver Linings (2009): um adeus em grande estilo à era Portnoy e um marco no prog metal moderno

Black Clouds & Silver Linings é o décimo álbum de estúdio do Dream Theater e representa uma das obras mais marcantes da fase final da era Mike Portnoy, baterista e cofundador da banda que sairia logo após a turnê deste disco. Lançado em 23 de junho de 2009, a disco sintetiza com maestria tudo o que o Dream Theater vinha desenvolvendo desde os anos 1990, com uma sonoridade técnica, pesada, emocional e altamente melódica. Após o controverso Systematic Chaos (2007), que dividiu opiniões por sua densidade e certa aspereza sonora, o Dream Theater parecia buscar um equilíbrio entre técnica, emoção e acessibilidade. Black Clouds & Silver Linings surgiu como uma resposta direta a isso: um álbum que explora temas pessoais profundos (morte, superação, fé, medos), mas também envolve o ouvinte com grandes momentos instrumentais e climáticos. Com produção de John Petrucci e Mike Portnoy, o álbum também marca a consolidação do tecladista Jordan Rudess como um dos pilares criativos do g...

Os 10 discos mais subestimados do Iron Maiden (e por que você deveria ouvi-los de novo)

O Iron Maiden é uma instituição do heavy metal. Com álbuns que moldaram o gênero e um legado incontestável, a banda britânica coleciona clássicos absolutos como The Number of the Beast (1982), Powerslave (1984) e Seventh Son of a Seventh Son (1988). Mas e os discos que ficaram à sombra desses gigantes? Neste artigo, revisitamos 10 álbuns frequentemente subestimados — seja por terem sido lançados em fases menos prestigiadas, por fugirem do padrão esperado ou por estarem ofuscados pelos clássicos. Todos eles, no entanto, merecem uma nova chance.  1. No Prayer for the Dying (1990) Após o épico Seventh Son , a banda optou por um som mais direto e cru. Apesar das críticas, faixas como “Tailgunner”, “Mother Russia” e “Bring Your Daughter… to the Slaughter” mostram um Maiden mais enxuto, mas ainda inspirado. Um disco que ganha pontos na simplicidade. 2. The Final Frontier (2010) Muita gente lembra da capa, mas poucos voltam ao disco. The Final Frontier soa como um ensaio pa...