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Baltimore Omnibus Vol. 1: uma obra-prima sombria do criador de Hellboy (2025, Mythos Editora)

Baltimore Omnibus Vol. 1 marca uma das incursões mais sombrias e atmosféricas já criadas por Mike Mignola fora do universo de Hellboy. Ao lado do escritor Christopher Golden e do artista Ben Stenbeck, Mignola constrói uma narrativa contundente, definida por um senso de tragédia permanente e pela luta interminável entre humanidade e monstruosidade. A história acompanha Lorde Henry Baltimore, um soldado marcado pela Primeira Guerra Mundial e devastado pela perda da família, assassinada pelo vampiro Haigus. Movido por dor e vingança, Baltimore atravessa uma Europa alternativa, onde a guerra cedeu lugar a uma praga que se espalha pelo continente e abre caminho para a ascensão de criaturas das trevas. Esse cenário — metade histórico, metade pesadelo — é um dos grandes triunfos da obra: vilarejos arruinados, portos infectados, zepelins, desertos de cadáveres e uma sensação constante de que algo está sempre espreitando. A parceria entre Mignola e Golden cria uma narrativa mais literária ...
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Hardwired… To Self-Destruct (2016): o disco que recolocou o Metallica nos trilhos

Hardwired… To Self-Destruct (2016) chegou com a responsabilidade de recolocar o Metallica nos trilhos depois do turbulento St. Anger (2003) e do ambicioso Death Magnetic (2008) . Era o primeiro álbum da banda em oito anos e o primeiro em muito tempo que não parecia movido por crise interna, culpa criativa ou necessidade de provar algo a alguém. De certa forma, é o trabalho mais confortável do Metallica desde os anos 1990 — e, paradoxalmente, justamente por isso ele soa tão seguro de si. A banda atravessava uma fase estável: turnês gigantes, reputação consolidada e uma dinâmica interna mais saudável. Sem a pressão de retornar ao thrash (como em Death Magnetic ) ou desconstruir a própria imagem (como em Load ), o Metallica pôde simplesmente soar como o Metallica. Isso explica a estética híbrida do álbum: ele visita o passado sem nostalgia barata, mas também assume a faceta pesada e moderna que o grupo lapidou ao longo dos anos. Musicalmente, Hardwired… To Self-Destruct funciona co...

Audioslave (2002): entre RATM e Soundgarden, o disco que uniu mundos e criou outro

O primeiro disco do Audioslave nunca soou como um simples encontro entre Chris Cornell e os ex-integrantes do Rage Against the Machine. Lançado em novembro de 2002, o álbum nasceu de um momento de transição intensa para todos os envolvidos: Cornell tinha acabado de encerrar o Soundgarden e atravessava um período pessoal turbulento, enquanto Tom Morello, Tim Commerford e Brad Wilk buscavam um novo vocalista após a saída de Zack de la Rocha. O resultado poderia ter sido um Frankenstein corporativo criado pela indústria – e muita gente acreditou nisso na época –, mas o que se ouve é outra coisa: um quarteto tentando descobrir sua própria identidade no meio da tempestade. O processo foi tenso, cheio de idas e vindas, e influenciado por duas forças principais: a visceralidade do RATM e a melancolia melódica que Cornell carregava desde Superunknown (1994) . As faíscas surgiam justamente da colisão entre esses dois mundos. Morello assume a dianteira com timbres tortos, riffs angulares e efe...

Morgan Lost & Dylan Dog: o crossover que não deveria funcionar — mas funciona (2025, Mythos Editora)

A Bonelli sempre foi especialista em criar universos sólidos, coerentes e recheados de personalidade. Mas, vez ou outra, a editora italiana decide chacoalhar as próprias gavetas para ver o que acontece quando dois mundos improváveis se cruzam. Morgan Lost & Dylan Dog é exatamente isso: um choque estilístico que, no papel, parece arriscado. Mas, na prática, funciona melhor do que o esperado. O encontro entre o Caçador de Serial Killers e o Investigador do Pesadelo nasceu da cabeça de Claudio Chiaverotti, que conhece Dylan como poucos e moldou Morgan Lost desde sua primeira aparição – o roteirista chamou a atenção escrevendo histórias de DyD e é o criador de Morgan. O resultado é um crossover que não se apoia em fã service fácil. Ao contrário: é uma história que sabe explorar o que há de mais profundo e fraturado nos dois protagonistas. A distopia noir de Nova Heliópolis, cenário de Morgan Lost (publicado no Brasil pela Editora 85), não poderia ser mais distante da Londres gótic...

Achtung Baby (1991): o álbum que salvou o U2 de si mesmo

Achtung Baby (1991) não é apenas o melhor álbum do U2 — é o álbum que salvou o U2 de si mesmo. Depois do gigantismo moralizante de Rattle and Hum (1988) e da exaustão criativa no final dos anos 1980, a banda estava à beira de um colapso. O público parecia saturado, a crítica questionava a relevância do grupo e, internamente, nada funcionava. Foi em Berlim, entre tensões, discussões e a sombra literal e simbólica do Muro recém-caído, que o U2 decidiu se reinventar. O contexto por si só já é fascinante: início dos anos 1990, o rock alternativo assumindo o comando, a eletrônica corroendo fronteiras, o industrial mostrando novas texturas, e a música pop de olho em sons mais ousados. Influências como Kraftwerk, Brian Eno, Einstürzende Neubauten, Madchester e o pós-punk europeu serviram de combustível para que o U2 quebrasse a própria moldura. A missão era simples: abandonar o tom messiânico e abraçar o ruído, o artifício, a ironia e o risco. Achtung Baby nasce dessa colisão. A guitar...

Testament em Para Bellum (2025): a maturidade de uma banda em guerra contra a repetição

Mais de quatro décadas depois de surgir na linha de frente do thrash da Bay Area, o Testament segue desafiando expectativas. Para Bellum , lançado em outubro de 2025, funciona como uma síntese madura de tudo o que o grupo aprendeu ao longo do caminho — mas também como um passo ousado, que abraça novas texturas e amplia a paleta sonora dos californianos. A essa altura da carreira, poucas bandas do gênero ainda têm algo novo a dizer. O Testament, porém, se encontra no raro território em que a experiência não pesa: ela liberta. Para Bellum é resultado direto disso: um disco que honra a tradição, mas não se acomoda nela. O álbum nasce em meio a um cenário global de tensão permanente: conflitos geopolíticos, debates éticos sobre tecnologias emergentes, explosão da inteligência artificial e uma sensação constante de que tudo pode sair dos trilhos. Não por acaso, Para Bellum (“preparado para a guerra”) carrega essa inquietação nas letras e na sonoridade. A produção reforça esse clima: o p...

Poeira, neve e sangue: o mundo sem glamour de Marshal Blueberry (2025, Pipoca & Nanquim)

Marshal Blueberry sempre foi uma peça curiosa dentro do universo criado por Jean-Michel Charlier e Jean Giraud, também conhecido como Moebius. Não faz parte exatamente da saga principal, mas também não funciona como simples derivado. É um daqueles casos raros em que o spin-off expande o personagem sem traí-lo, mostrando outras camadas de sua personalidade. A Edição Definitiva da Pipoca & Nanquim finalmente coloca essa trilogia no formato que ela sempre mereceu no Brasil. Publicada originalmente entre o início dos anos 1990 e 2000 em três álbuns, a série reúne um trio de peso: Jean Giraud no roteiro, William Vance na arte dos dois primeiros volumes e Michel Rouge nas ilustrações do capítulo que fecha a história. O resultado entrega um western mais sombrio e crepuscular que a média da série principal, com forte influência dos filmes tardios de Sergio Leone, Sam Peckinpah e Clint Eastwood. Aqui, Mike Blueberry aparece menos como o herói clássico das BDs franco-belgas e mais como ...

Os 75 melhores álbuns de 2025 na opinião da MOJO

A MOJO é uma das revistas mais influentes e respeitadas do jornalismo musical mundial. Fundada no Reino Unido em 1993, ela rapidamente se destacou por combinar profundidade editorial, rigor histórico e um olhar sempre atento às transformações da música contemporânea. Enquanto muitas publicações se limitam ao consumo rápido de tendências, a MOJO construiu sua reputação valorizando matérias longas, entrevistas detalhadas, pesquisas extensas e um padrão editorial que trata a música como um patrimônio cultural a ser documentado com seriedade. Seu diferencial sempre esteve na capacidade de equilibrar dois universos: o resgate e a reinterpretação dos grandes artistas que moldaram a história da música — dos Beatles a David Bowie, do reggae ao jazz — e a curadoria cuidadosa dos nomes emergentes que estão moldando o presente e o futuro da arte sonora. É uma revista que não apenas acompanha lançamentos, mas contextualiza, interpreta e preserva a relevância desses trabalhos dentro de um panora...

Overdose em You’re Really Big! (1989): uma joia escondida do metal brasileiro que merece ser redescoberta

Lançado em 1989, You’re Really Big! marca um ponto de virada na trajetória do Overdose e, ao mesmo tempo, ajuda a explicar por que a cena de Belo Horizonte se tornou um dos berços mais férteis do metal brasileiro. O disco surge num momento de consolidação da Cogumelo Records, quando BH já aparecia no mapa mundial por causa do Sepultura, mas ainda havia espaço — e necessidade — de mostrar que o metal mineiro era amplo, diverso e surpreendentemente sofisticado. É justamente aí que o Overdose se destaca. Enquanto a primeira fase da banda flertava abertamente com o thrash e com uma estética mais crua, You’re Really Big! apresenta um grupo amadurecido, técnico e disposto a ir além da brutalidade como linguagem única. Pedro “The Boz” assume o centro das atenções com uma performance vocal clara, melódica e bem colocada, contrastando com a artilharia rítmica vida da bateria de André Márcio e com a guitarra inventiva de Cláudio David — um dos maiores guitar heroes do metal nacional, injusta...

Stormbringer (1974): o choque criativo que dividiu o Deep Purple

Stormbringer (1974) é um daqueles discos que dividem opiniões há décadas, e justamente por isso continua tão fascinante. A Mark III do Deep Purple estava no auge das tensões internas, com Ritchie Blackmore cada vez mais insatisfeito com os rumos musicais que David Coverdale e Glenn Hughes buscavam explorar. Entre o hard rock que havia definido a banda e uma crescente atração pelo soul, funk e R&B , nasceu um álbum híbrido, inquieto e muitas vezes subestimado. Este foi o segundo registro da formação com Coverdale e Hughes, e já não havia mais espaço para ilusões: a estética de Burn (1974) não se repetiria. Hughes mergulhava de cabeça no funk e no groove americanos, Coverdale fortalecia sua persona vocal mais bluesy, e Blackmore — que nunca escondeu seu desdém por qualquer coisa que soasse “funky” — já preparava sua saída para fundar o Rainbow. Esse choque criativo moldou Stormbringer , um disco que soa ao mesmo tempo ousado e conflituoso. A faixa-título abre o álbum com u...