Pular para o conteúdo principal

Postagens

Renegades (2000): quando o Rage Against the Machine transformou influência em identidade

Lançado no apagar das luzes de 2000, Renegades costuma ser lembrado como “o álbum de covers do Rage Against the Machine”. E embora essa definição seja tecnicamente correta, ela está longe de dar conta do que o disco realmente entrega. Em vez de prestar homenagens obedientes a seus ídolos, o quarteto usa cada faixa como veículo para reafirmar sua própria identidade pesada, politizada e impossível de confundir com outra banda. O repertório é uma viagem guiada pelas raízes do Rage, atravessando hip-hop, punk, rock clássico e proto-punk. Mas o que impressiona é como tudo soa coeso. Em “Microphone Fiend”, do Eric B. & Rakim, Tom Morello transforma o riff original em um muro de guitarras vibrante, enquanto a cozinha de Tim Commerford e Brad Wilk entrega um groove que parece saído de um porão abafado em Los Angeles. Já em “Renegades of Funk”, clássico de Afrika Bambaataa, o grupo simplesmente domina a música: é RATM até o último segundo, urgente e incendiário. As escolhas inesperadas...
Postagens recentes

Nem cópia, nem continuação: como A Day at the Races (1976) consolidou o Queen após “Bohemian Rhapsody”

Lançado em 10 de dezembro de 1976, A Day at the Races marcou o momento em que o Queen deixou de ser uma banda em ascensão e passou a operar com a confiança de quem acabara de lançar um dos álbuns mais importantes da década, o monumental A Night at the Opera (1975) . A pressão era inevitável: todo mundo queria saber qual seria o próximo passo depois de “Bohemian Rhapsody”. A resposta veio com um disco que não tenta reinventar a roda, mas a faz girar com classe, precisão e ambição. Gravado entre julho e novembro de 1976, o álbum mantém a estética grandiosa que já era característica do Queen na época. Camadas de vozes, arranjos expansivos, guitarras com a assinatura inconfundível de Brian May e uma produção pensada para soar enorme em qualquer sistema de som. Se por um lado isso levou parte da crítica da época a acusar o quarteto de repetir a fórmula de seu trabalho anterior, o tempo tratou de reposicionar A Day at the Races como um dos discos mais consistentes do catálogo da banda. ...

Draw the Line (1977), o álbum que quase derrubou o Aerosmith

Em sua melhor fase, o Aerosmith parecia imparável. Entre Get Your Wings (1974), Toys in the Attic (1975) e Rocks (1976), a banda construiu uma sequência tão sólida que ajudou a definir o hard rock norte-americano dos anos 1970. Draw the Line , lançado em dezembro de 1977, chegou logo após esse auge, e justamente por isso costuma ser lembrado como o álbum em que a engrenagem começou a falhar. Mas, como quase sempre acontece com discos cercados por lendas, a história é um pouco mais complexa. Gravado em meio a excessos, agendas caóticas e um clima interno cada vez mais instável, Draw the Line captura o Aerosmith em modo de sobrevivência. A produção de Jack Douglas, tradicional parceiro da banda, é mais densa e confusa do que nos trabalhos anteriores, e isso gerou críticas pesadas na época. A Rolling Stone, por exemplo, chegou a classificar o disco como horrendo, enquanto outros veículos apontavam que o grupo parecia sem combustível. Ainda assim, o disco alcançou destaque nas parada...

The Original Fleetwood Mac (1971): uma viagem ao blues cru da era Peter Green

The Original Fleetwood Mac , lançado em 1971, é um daqueles discos que revelam muito mais do que parecem à primeira vista. Oficialmente, trata-se apenas de uma compilação de sobras de estúdio registradas entre 1967 e 1968, período em que o Fleetwood Mac ainda era uma banda britânica de blues comandada por Peter Green. Mas, na prática, o álbum funciona como uma peça complementar essencial para quem se interessa por aquela fase inicial, um momento curto, intenso e cheio de nuances que ajudou a moldar parte importante do rock britânico do final dos anos 1960. Aqui não há a concisão de um álbum “pensado” ou a coesão de um material lapidado para ser lançado na época. O que encontramos é justamente o oposto: ensaios, takes alternativos, jams prolongadas e pequenas faíscas de genialidade que não entraram nos discos oficiais. E é isso que faz The Original Fleetwood Mac ser tão interessante. O registro flagra Peter Green, Jeremy Spencer, John McVie e Mick Fleetwood ainda testando ideias, bur...

Entre o glamour e a decadência: a força de Hotel California (1976), o álbum definitivo dos Eagles

Poucos álbuns traduzem tão bem as contradições do rock dos anos 1970 quanto Hotel California (1976) . Os Eagles, já donos de um sucesso gigantesco, enxergavam claramente o abismo que se abria entre o glamour da indústria e a deterioração moral por trás das cortinas. Em vez de fugir, decidiram encarar o tema de frente. O disco surge desse incômodo: elegante por fora, corrosivo por dentro, e justamente por isso tão fascinante. A entrada do guitarrista Joe Walsh funciona como um divisor de águas. Seu estilo elétrico, mais agressivo e intuitivo, abre espaço para um som com musculatura de arena, e isso se reflete em praticamente todo o álbum. Não por acaso, o álbum foi lapidado ao longo de meses, em gravações extensas entre Miami e Los Angeles. O grupo poliu cada arranjo como se buscasse um equilíbrio improvável entre sofisticação pop, técnica e grandiosidade. A faixa-título é um caso à parte. Um épico que já nasceu eterno, carregado de imagens ambíguas e interpretações para todos os g...

Juiz Dredd - Os Casos Completos Vol. 6: a fase mais ácida e afiada de Dredd (2025, Mythos Editora)

Juiz Dredd – Os Casos Completos Vol. 6 , publicado pela Mythos Editora, é mais um capítulo essencial na recuperação da fase clássica do personagem no Brasil. Assim como nos melhores momentos da série, o volume funciona menos como uma simples coletânea e mais como um documento histórico: estamos diante de um Dredd em plena reconstrução de si mesmo e de Mega-City Um, ainda sofrendo as consequências diretas da Guerra do Apocalipse, arco que mudou a história da série. O material reúne histórias publicadas em um período marcado por episódios curtos, ritmo acelerado e aquela mistura inconfundível de humor ácido, crítica social e violência estilizada. John Wagner e Alan Grant, a dupla de roteiristas que melhor entendeu a essência do personagem, estão afiados, usando cada narrativa como uma pequena parábola futurista sobre burocracia, decadência urbana, paranoia estatal e a eterna tensão entre autoridade e caos. Histórias como “A Liga dos Gordos”, “O Caçador Hag” e outras pequenas joias do p...

8 de dezembro: o dia mais triste da história do rock

Existem datas que, por uma combinação cruel do destino, acabam marcadas para sempre na memória do rock. Oito de dezembro é uma delas. Em três momentos distintos ocorridos nos anos de 1980, 1984 e 2004 o mundo perdeu artistas fundamentais para a evolução do gênero: John Lennon, Razzle e Dimebag Darrell. Músicos diferentes, de épocas e estilos distintos, mas unidos por obras transformadoras e partidas abruptas que deixaram cicatrizes profundas na música pesada e na cultura pop. Na noite de 8 de dezembro de 1980, John Lennon retornava ao edifício Dakota, em Nova York, quando foi baleado por Mark Chapman. Socorrido às pressas, Lennon não resistiu. O choque foi imediato e global: não era apenas o assassinato de um músico: era a queda violenta de um dos pilares da música e da contracultura do século XX. A influência de Lennon atravessa décadas. Como cofundador dos Beatles, ele ajudou a redefinir os limites da música pop e do rock, levando o formato do álbum a um novo patamar artístico, a...

Made in Japan (1972): o Deep Purple no auge absoluto

Existem discos ao vivo que você escuta para sentir a energia de um show, e existem aqueles que parecem capturar um momento irrepetível na história do rock. Made in Japan pertence a essa segunda categoria. Lançado em 1972 e registrado no calor da turnê de Machine Head , o álbum mostra o Deep Purple em sua formação clássica tocando com uma confiança absurda, entregando improvisos que desafiam o óbvio e uma comunicação musical que beira o telepático. Gravado em três noites no Japão, entre Osaka e Tóquio, o álbum nasceu da insistência da própria banda. O Deep Purple nunca foi muito fã de overdubs em discos ao vivo, e aqui decidiu abraçar o risco: o que você ouve é essencialmente o que aconteceu no palco. E talvez seja justamente essa falta de polimento que torna Made in Japan tão irresistível. Cada faixa tem vida própria. Cada execução parece fluir para onde a música mandar. A abertura com “Highway Star” já deixa tudo claro: velocidade, precisão e um nível de confiança que só grupos ...

Oklahoma!: um dos maiores épicos de Tex (2025, Mythos Editora)

Há histórias de Tex que funcionam como aventuras tradicionais: rápidas, diretas, cheias de tiroteios, cavalgadas e justiça. Oklahoma! não é uma delas. Aqui, o roteirista Giancarlo Berardi, o mesmo nome por trás da poesia cotidiana de Ken Parker e do refinamento narrativo de Julia , amplia o faroeste bonelliano para algo mais ambicioso. É uma história longa, densa, quase um romance ilustrado, construída em cima de um episódio real da história dos Estados Unidos: a corrida pelos lotes de terra no Oklahoma. Logo nas primeiras páginas fica claro que Berardi não está interessado apenas em mover Tex e Kit Carson de um ponto a outro. Seu foco está nos detalhes humanos: nas famílias que atravessam o país em busca de um pedaço de chão, nos oportunistas que usam a confusão para enriquecer, nos conflitos entre esperança e brutalidade que moldam a fronteira. A narrativa respira, avança com calma, cria expectativas e acompanha personagens que entram e saem de cena como se fossem parte de um gra...

Oceanborn (1998): quando a Nightwish aprendeu a soar como Nightwish

Oceanborn (1998) é o primeiro grande voo do Nightwish. Se a estreia Angels Fall First (1997) ainda soava tímida, dividida entre folk e metal melódico, o segundo álbum transforma essa hesitação em pura ambição. Aqui a banda descobre não apenas como quer soar, mas o tamanho exato de sua própria grandiosidade. E decide abraçá-la sem medo. O disco marca a consolidação do que, anos depois, seria reconhecido como a espinha dorsal do symphonic metal: guitarras rápidas e melodias de power metal, arranjos neoclássicos de teclado e a voz operística de Tarja Turunen ocupando o centro do palco com uma segurança que já anunciava uma carreira única. Tudo é mais veloz, mais dramático e mais cinematográfico do que antes, como se Tuomas Holopainen tivesse encontrado, de repente, a chave do seu mundo interior. “Stargazers” abre o álbum sem pedir licença, uma avalanche power metal que expõe de cara a nova proposta: velocidade, técnica e melodia convivendo com naturalidade. “Gethsemane” e “Sacrament...