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Do auge ao “metal espadinha”: por que o power metal virou piada?

O power metal já foi o rei das prateleiras, das lojas de CDs e dos cadernos de adolescentes que desenhavam logotipos no fundo da aula. Nos anos 1990 e 2000, o estilo era um dos motores do metal mundial — um ponto de entrada para novos fãs, um terreno fértil para melodias memoráveis e um abrigo para bandas que queriam unir peso, técnica e fantasia sem pedir desculpas. Duas décadas depois, parte do público trata o gênero com desprezo, reduzindo tudo a um estereótipo preguiçoso: o tal do “metal espadinha” . Uma rotulagem que tenta diminuir um movimento que, goste você ou não, ajudou a redefinir a cara do metal moderno. O curioso é que o power metal sempre soube exatamente o que era: velocidade, melodias fortes, técnica acima da média, refrões gigantescos e uma espiritualidade própria — umas bandas mais heroicas, outras mais sombrias, todas apostando no escapismo como forma de expressão. Não é um estilo que tentou enganar ninguém. Ele nunca se vendeu como agressivo ao extremo, nem como ...
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A fase Fabio Lione no Angra: discografia comentada dos álbuns de estúdio e ao vivo

Quando Fabio Lione entrou oficialmente para o Angra, em 2012, a sensação imediata foi de transição. A banda buscava estabilidade após anos turbulentos e, ao mesmo tempo, tentava encontrar novas linguagens dentro do metal melódico e progressivo. O vocalista italiano trouxe potência, técnica e uma dramaticidade operística incomum no power metal brasileiro, e essa combinação guiou a sonoridade do grupo nos três álbuns de estúdio que marcaram seu período no Angra: Secret Garden (2014), Ømni (2018) e Cycles of Pain (2023). No mesmo intervalo, ele também foi protagonista em três registros ao vivo que ajudam a entender sua importância na história da banda. Abaixo você tem uma discografia comentada dessa fase, misturando contexto histórico, recepção crítica e a análise sobre cada lançamento. Secret Garden (2014) O primeiro trabalho de estúdio com Lione era, ao mesmo tempo, um recomeço e um desafio: reintroduzir o Angra ao grande público e apresentar oficialmente seu novo vocalista em...

Metallica em Garage Inc. (1998): quando uma banda gigante volta para a garagem

Garage Inc. (1998) surgiu em um momento peculiar da carreira do Metallica. A banda acabava de atravessar o período mais bem-sucedido de sua existência, turbinada por Load (1996) e Reload (1997), que expandiram o som do grupo para além do thrash e garantiram exposição massiva fora do circuito metálico. O clima, portanto, pedia algo mais leve — não no peso, mas na pretensão. Um respiro. E esse respiro veio na forma de um disco duplo de covers que, no fim das contas, acabou contando uma história muito mais interessante do que parecia à primeira vista. O primeiro CD reúne regravações feitas especialmente para o projeto. Aqui, o Metallica revisita o que moldou seu DNA: Misfits, Black Sabbath, Diamond Head, Nick Cave, Mercyful Fate, Thin Lizzy e outros pilares que ajudaram a formar o gosto musical de James Hetfield, Lars Ulrich, Kirk Hammett e Jason Newsted. Mais do que versões fielmente adaptadas, o que existe em Garage Inc. é uma celebração — o Metallica tocando músicas que amavam, s...

Pantera e a perfeição brutal de Far Beyond Driven (1994)

Quando saiu em março de 1994, Far Beyond Driven soou como uma provocação: até onde uma banda no cast de uma grande gravadora poderia ir mantendo o metal extremo no centro da equação? O Pantera já vinha de Vulgar Display of Power (1992) , um disco que praticamente redefiniu a brutalidade dos anos 1990, mas aqui a banda empurra tudo ainda mais para frente — mais pesado, mais seco, mais inflexível. Em termos de atitude e intensidade, este é provavelmente o álbum mais extremo que já alcançou o topo da Billboard. O que impressiona em Far Beyond Driven é a coerência estética. As guitarras de Dimebag Darrell soam como serras industriais: riffs curtos, construídos com aquela lógica do groove metal que misturava thrash, hardcore e uma noção quase percussiva de composição. Rex Brown acompanha com um baixo que vibra no peito, sempre em diálogo com a bateria monstruosa de Vinnie Paul, cujo som parece esculpido para bater seco, sem espaço para respiro. Sobre esse paredão, Phil Anselmo entrega u...

The Spaghetti Incident? (1993): o disco que o Guns N’ Roses precisava, mas que quase ninguém pediu

Quando chegou às lojas em 23 de novembro de 1993, The Spaghetti Incident? já nasceu marcado por duas expectativas conflitantes: de um lado, o peso de suceder Use Your Illusion I & II (1991), dois dos maiores eventos rock do início dos anos 1990. De outro, a evidente sensação de que o Guns N’ Roses queria tirar o pé do acelerador. É justamente nesse intervalo — entre a megalomania e a descompressão — que o álbum encontra sua razão de existir. O disco é composto inteiramente por covers, principalmente do universo punk, glam e hard setentista. A proposta é direta: revisitar as músicas que moldaram os integrantes, especialmente o baixista Duff McKagan, cuja influência permeia praticamente todo o repertório. A leitura do GN’R para “Attitude”, do Misfits, e “Ain’t It Fun”, do Dead Boys, mostra uma banda confortável, tocando solta e sem o formalismo que cercava cada passo da fase Illusion . Há energia, há pegada, há vontade de tocar — algo que nem sempre transparecia nos anos anteriore...

O Eternauta – Segunda Parte: o quadrinho que começou como ficção e terminou como profecia (2025, Pipoca & Nanquim)

O Eternauta – Segunda Parte não é apenas a continuação de uma das HQs mais importantes da América Latina e da história dos quadrinhos mundiais. É um documento emocional e político. Publicada originalmente entre 1976 e 1978, em plena ebulição da ditadura argentina, a história carrega em cada página o peso de um autor que já não escrevia apenas sobre resistência, mas a partir da resistência. Héctor G. Oesterheld estava cada vez mais envolvido com movimentos opositores, e seu desaparecimento pouco tempo depois transforma esta obra em uma espécie de testamento involuntário. Se a primeira parte era uma ficção científica sobre invasão, viagem no tempo e sobrevivência coletiva, a segunda rompe com qualquer pretensão de neutralidade. Oesterheld amplia o escopo, adota um tom mais duro e retrabalha Juan Salvo, agora menos herói clássico e mais figura trágica. A ingenuidade do começo se dissolve. A esperança também. A narrativa assume uma visão quase desesperada sobre o destino humano, desenha...

O universo paralelo do Anthrax em The Greater of Two Evils (2004): e se John Bush tivesse cantado tudo desde o começo?

The Greater of Two Evils (2004) é um daqueles discos que dividem instantaneamente a audiência, mas que, vinte anos depois, revelam um retrato muito específico do Anthrax. Não é uma coletânea, não é um álbum novo: é um experimento. E, como todo experimento, diz muito sobre o momento da banda e sobre como ela enxergava o próprio legado no início dos anos 2000. A ideia surgiu depois de uma votação no site oficial: os fãs escolheram quais músicas da fase clássica gostariam de ouvir na voz de John Bush , então vocalista e um dos pilares da reinvenção do grupo nos anos 1990. O Anthrax entrou no Avatar Studios em janeiro de 2004 e regravou tudo praticamente ao vivo em estúdio. O resultado é um choque temporal: clássicos das eras Neil Turbin e Joey Belladonna reinterpretados por uma formação mais pesada, mais seca e moldada pelas experiências pós- Sound of White Noise (1993) . A energia crua dessas sessões é o que define o álbum. Não há a polidez juvenil dos originais, nem a atmosfera car...

Delicate Sound of Thunder (1988): quando o Pink Floyd provou que ainda era o Pink Floyd

Delicate Sound of Thunder (1988) registra o Pink Floyd em um momento raro: o renascimento público de uma banda monumental tentando provar que ainda era capaz de erguer catedrais sonoras sem Roger Waters por perto. Gravado em agosto de 1988 no Nassau Coliseum, em Nova York, o álbum captura a formação liderada por David Gilmour , com Nick Mason e o então retornado Richard Wright , navegando pela turnê de A Momentary Lapse of Reason (1987) com a segurança de quem sabia que carregava um legado, mas precisava reafirmá-lo ao vivo. O que se ouve é uma performance extremamente precisa. Para muitos, precisa até demais. Delicate Sound of Thunder não tenta esconder seu acabamento polido, quase clínico, que dá às músicas a sensação de terem sido esculpidas em estúdio diante de plateia. É o tipo de álbum ao vivo que aposta na clareza e na solidez do som, não na espontaneidade. E isso divide opiniões até hoje. Há quem enxergue frieza nos arranjos e rigidez na execução, e há quem valorize a n...

Vitalogy (1994) é o Pearl Jam em crise — e por isso mesmo em combustão

Depois do sucesso gigantesco de Ten (1991) e Vs. (1993) , o Pearl Jam entrou no estúdio fragmentado, cansado da fama e lutando em várias frentes: desgaste interno, conflito com a imprensa, a guerra contra a Ticketmaster e uma sensação geral de que tudo havia crescido rápido demais. Esse turbilhão não só molda o tom do disco como define sua personalidade: Vitalogy (1994) soa urgente, tenso, autoconsciente. É um álbum que mais parece um documento emocional do que um produto calculado. O resultado é um trabalho deliberadamente esquisito. A banda abre espaço para guitarras secas, arranjos magros e uma estética quase lo-fi em vários momentos — um contraste gigantesco em relação ao grunge massivo do início da década. “Corduroy”, por exemplo, resume perfeitamente o espírito da época: é um ataque direto à idolatria da indústria e ao incômodo de Eddie Vedder com a própria imagem pública. “Not for You” segue a mesma linha, cuspindo frustração em um formato que combina fúria punk e melodia tí...

Presto (1989): a transição suave do Rush para os anos 1990

Presto marca um daqueles instantes em que o Rush decidiu mudar sem fazer alarde. Depois de uma década dominada por sintetizadores, timbres digitais e aquela estética high-tech que definiu o trio na metade dos anos 1980, o álbum chegou como uma curva suave na estrada: nada abrupto, nada chocante, mas suficientemente claro para mostrar que Geddy Lee, Alex Lifeson e Neil Peart queriam abrir novas janelas dentro de si mesmos. A presença de Rupert Hine na produção não é mero detalhe — ele atua como um reorganizador silencioso. Em vez de empurrar o Rush para mais experimentos eletrônicos, Hine ajuda a limpar o terreno, deixando as guitarras respirarem e devolvendo ao trio um senso de organicidade que havia se perdido entre samplers, sequencers e camadas de teclados. O resultado é um som mais enxuto, luminoso e, de certa forma, mais humano. Essa mudança fica evidente logo na abertura com “Show Don’t Tell”, um chute firme que apresenta o novo Rush: riffs mais presentes, linhas de baixo si...