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Iron Maiden e a aventura progressiva de Dance of Death (2003)

Dance of Death (2003) ocupa um lugar curioso na discografia do Iron Maiden. Veio logo após Brave New World (2000), álbum que marcou a volta triunfal de Bruce Dickinson e Adrian Smith, e carregava a responsabilidade de provar que a reunião não era apenas um sopro de nostalgia, mas um novo fôlego criativo para a Donzela. Gravado novamente com Kevin Shirley na produção, o disco mostra uma banda mais confortável e disposta a ousar, misturando seu heavy metal clássico com estruturas longas, progressivas e, por vezes, inesperadas. O contexto favorecia o Maiden: o metal tradicional vivia um renascimento no início dos anos 2000, e a banda seguia como referência absoluta do gênero. Ao mesmo tempo, Bruce Dickinson, Steve Harris, Dave Murray, Janick Gers, Adrian Smith e Nicko McBrain estavam em sintonia após a turnê mundial do álbum anterior, prontos para expandir ainda mais as fronteiras de seu som. Musicalmente, Dance of Death é um álbum de contrastes. Ele abre com “Wildest Dreams”, uma ...
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Sepultura em Chaos A.D. (1993): peso, política e legado eterno

Chaos A.D. (1993) marcou um ponto de virada definitivo na carreira do Sepultura. Depois de conquistar o mundo com Beneath the Remains (1989) e consolidar seu nome no metal extremo com Arise (1991), a banda mineira decidiu mudar de rota. O thrash técnico, veloz e cheio de riffs intrincados cedeu espaço para algo mais cru, pesado e conectado com a realidade política e social da época. O início dos anos 1990 era de ebulição: queda do Muro de Berlim, conflitos étnicos na Europa, o massacre do Carandiru no Brasil e a sensação de que o mundo estava à beira de uma implosão. Esse caldo de caos, violência e descontentamento permeou o disco. As letras deixaram de lado os cenários apocalípticos típicos do metal para mergulhar em críticas diretas a governos, prisões, violência policial e injustiças sociais. Musicalmente, o Sepultura trouxe novas influências. O groove metal do Pantera, a agressividade do hardcore, o peso arrastado do doom e até elementos da música indígena brasileira entrar...

A Farewell to Kings (1977): o disco que projetou o Rush para o futuro

Quando se fala em evolução artística, poucos exemplos são tão claros quanto o que o Rush viveu entre 1976 e 1977. Depois de conquistar o público com 2112 , álbum que salvou a banda do fracasso comercial e abriu espaço para a ousadia, o trio canadense decidiu expandir ainda mais seus horizontes. O resultado foi A Farewell to Kings , lançado em 29 de agosto de 1977, um trabalho que mistura peso, virtuosismo e experimentação de forma ousada e refinada. Gravado no Rockfield Studios, no interior do País de Gales, o disco marca o início de uma fase em que o Rush abraçou de vez a sonoridade progressiva. As influências de Yes e Genesis são claras, mas filtradas pela energia do hard rock e pela pegada inconfundível de Geddy Lee, Alex Lifeson e Neil Peart. O uso de sintetizadores, instrumentos de percussão incomuns e arranjos elaborados demonstrava uma ambição que colocava o grupo além do rótulo de “power trio de rock pesado”. A faixa-título abre o álbum com clima medieval, violões e teclado...

Keeper of the Seven Keys Part II (1988): quando o Helloween definiu o power metal

Poucos discos têm o peso histórico e a aura de unanimidade que cercam Keeper of the Seven Keys Part II . Lançado em 29 de agosto de 1988, ele consolidou o Helloween como a grande força do power metal e ajudou a definir os rumos de um gênero que, até então, ainda tateava em busca de identidade. Se o primeiro Keeper já havia colocado a banda entre os nomes mais comentados da cena europeia, a segunda parte cravou a assinatura definitiva dos alemães no mapa do metal mundial. O contexto era favorável: o Helloween vinha da repercussão positiva de Walls of Jericho (1985) e do próprio Keeper I (1987), discos que mostraram um grupo jovem, veloz e ambicioso. Sob a liderança criativa de Kai Hansen, mas já com a figura magnética e a voz cristalina de Michael Kiske, a banda encontrou o equilíbrio perfeito entre peso, melodia e ambição épica. O resultado foi um álbum que soa grandioso sem perder o frescor, é técnico sem se tornar hermético, e acessível sem se vender à obviedade. Logo na abert...

Yazoo: a intensidade breve de um clássico do synthpop

O começo dos anos 1980 foi um terreno fértil para a música eletrônica. O pós-punk tinha aberto a porta, a new wave empurrava o som para as paradas e os sintetizadores começavam a dominar tanto rádios quanto pistas. É nesse ambiente que surge o Yazoo, união improvável de Vince Clarke, recém-saído do Depeche Mode, e Alison Moyet, cantora de blues com uma voz poderosa e melancólica. A química entre os dois era inusitada: Clarke construía bases minimalistas, secas e repetitivas, enquanto Moyet despejava emoção e densidade sobre aquelas linhas eletrônicas. O resultado foi imediato. O primeiro álbum, Upstairs at Eric’s (1982), trouxe faixas que se tornaram clássicos absolutos do synthpop, como “Only You”, “Don’t Go” e, principalmente, “Situation” — música que foi lançada primeiramente como lado B e explodiu nas pistas, especialmente nos Estados Unidos, onde virou hit número 1 na parada dance da Billboard graças ao remix feito pelo DJ francês François Kevorkian. No ano seguinte veio You ...

Iron Maiden e a maturidade sombria de A Matter of Life and Death (2006)

Após um período turbulento nos anos 1990, marcado pela saída de Bruce Dickinson e Adrian Smith, o Iron Maiden retomou seu fôlego criativo a partir do retorno da formação clássica, anunciada em fevereiro de 1999. Discos como Brave New World (2000) e Dance of Death (2003) mostraram uma banda em plena forma, mas foi com A Matter of Life and Death , lançado em agosto de 2006, que o grupo britânico consolidou sua maturidade musical no século XXI. Gravado praticamente ao vivo no estúdio, sem grandes edições e com pouquíssimos overdubs, o álbum carrega um peso e uma crueza sonora que se aproximam mais do progressivo setentista do que do metal de arena dos anos 1980. O produtor Kevin Shirley deixou a banda soar orgânica, priorizando a densidade e as camadas, o que fez o disco ganhar contornos de uma obra conceitual – mesmo sem ser oficialmente um álbum conceitual. A guerra, seja em sua dimensão bélica, religiosa ou existencial, permeia todas as letras, estabelecendo uma atmosfera sombria e...

Quando Júlia conheceu Myrna: o arco inicial que definiu a série da criminóloga da Bonelli

Em outubro de 1998, a Sergio Bonelli Editore lançou uma das séries mais originais de sua história: Júlia – Aventuras de uma Criminóloga . A criação de Giancarlo Berardi — roteirista também responsável por Ken Parker , cultuado western italiano — apresentava uma protagonista diferente de tudo o que se via nas bancas na época: uma criminóloga, jovem, intelectual e sensível, inspirada fisicamente na atriz Audrey Hepburn e psicologicamente moldada pelas referências do romance policial americano e das séries de TV dos anos 1970 e 1980. No Brasil, a Mythos Editora começou a publicar Júlia a partir de novembro de 2004, com a série passando por diversos formatos e configurações até se estabilizar no que temos hoje: duas séries em formato italiano, uma publicando as histórias mais antigas e a segunda, chamada de Nova Série, focada nas tramas publicadas a partir da edição italiana de número 200. O impacto junto ao público foi imediato: leitores acostumados com o ritmo aventuresco das HQs Bonel...

A megalomania do Guns N’ Roses em Use Your Illusion (1991): quando a banda quis ser maior que o próprio rock

Poucas bandas viveram um auge tão grandioso — e ao mesmo tempo tão autodestrutivo — quanto o Guns N’ Roses no início dos anos 1990. Após a explosão de Appetite for Destruction (1987), que se tornou um dos discos de estreia mais vendidos da história, o grupo se viu diante do desafio de superar ou ao menos sustentar o impacto daquele hard rock cru, sujo e irresistível. A resposta veio em setembro de 1991, quando Axl Rose, Slash, Duff McKagan, Izzy Stradlin e Matt Sorum lançaram não apenas um novo álbum, mas dois ao mesmo tempo: Use Your Illusion I e Use Your Illusion II . O projeto era, ao mesmo tempo, ambicioso e megalomaníaco. Em vez de repetir a fórmula de Appetite , o Guns expandiu suas fronteiras musicais, abraçando arranjos grandiosos, letras mais densas e uma diversidade de estilos que passavam pelo hard rock clássico, pelo blues, pelo punk, pelo country, pelo folk e até pela música erudita. O resultado foi uma obra que refletia a personalidade de Axl Rose: genial, intensa e, ...

Do luto à grandiosidade: Metallica e o intrincado e controverso ... And Justice for All (1988)

Quando o Metallica lançou ... And Justice for All em 25 de agosto de 1988, o peso da expectativa era gigantesco. A banda havia perdido Cliff Burton dois anos antes, em um acidente de ônibus devastador durante a turnê europeia, e agora estreava Jason Newsted no baixo – o músico havia sido apresentado no EP de covers Garage Days Re-Revisited (1987). Era também o primeiro álbum depois de Master of Puppets (1986), obra-prima que colocou o grupo como o nome mais importante do thrash metal mundial. O que o quarteto entregou foi um disco ambicioso, denso e quase claustrofóbico. ... And Justice for All é o Metallica levando sua música ao limite estrutural: riffs labirínticos, músicas longas, mudanças bruscas de andamento e uma produção seca, que privilegia a frieza técnica em vez da visceralidade. A ausência quase total do baixo de Newsted no mix virou lenda — e até hoje divide opiniões —, mas acaba reforçando a sensação de austeridade que marca o álbum. As influências estão claras: o ...

A Turma do Arrepio: humor, monstros e a cultura pop brasileira resgatados em uma edição histórica (2025, Comix Zone)

Nos anos 1980, o Brasil vivia um boom dos quadrinhos infantis. A Turma da Mônica dominava as bancas, mas outros personagens tentavam encontrar espaço no imaginário das crianças. Foi nesse cenário que surgiu A Turma do Arrepio , criação de Cesar Sandoval, lançada originalmente em 1989 pela Editora Globo. A proposta era simples e genial: pegar arquétipos clássicos do terror — vampiros, múmias, lobisomens, bruxas e monstros — e transformá-los em protagonistas de histórias leves, bem-humoradas e cheias de situações cotidianas. Era como se o universo de Scooby-Doo se encontrasse com a comédia infantil brasileira, resultando em quadrinhos divertidos e com forte apelo visual. Sandoval, que já havia trabalhado como ilustrador em agências de publicidade e editoras, criou A Turma do Arrepio inspirado pelo sucesso dos personagens de Maurício de Sousa e pelas produções de terror que povoavam a TV da época. Os anos 1980 estavam recheados de filmes de monstros e de aventura voltados ao públi...