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Martin Mystère Vol. 1: o início da saga de um dos maiores personagens dos quadrinhos italianos (2025, Editora 85)

Quando se fala em personagens fundamentais da Sergio Bonelli Editore, Martin Mystère ocupa um lugar muito particular. Criado por Alfredo Castelli em 1982, ele surge como uma resposta direta à curiosidade humana diante do inexplicável: um investigador do impossível que transita com naturalidade entre arqueologia, ciência, mito, teorias alternativas e conspirações globais. O primeiro volume da nova republicação brasileira pela Editora 85 não apenas resgata esse início histórico, como reafirma por que Martin Mystère continua atual mais de quarenta anos depois. Martin é um intelectual aventureiro. Escritor, antropólogo e pesquisador independente, ele representa aquele tipo de herói que pensa antes de agir, mas que não hesita em agir quando necessário. Ao lado de Java, seu inseparável assistente neandertal, investiga mistérios que a ciência oficial prefere ignorar. O grande mérito de Castelli está em equilibrar informação, entretenimento e provocação intelectual: cada aventura convida o l...
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Mais Podres do que Nunca (1985): o punk cru e definitivo dos Garotos Podres

Quando se fala em punk rock brasileiro, é impossível não citar Garotos Podres e seu álbum de estreia, Mais Podres do que Nunca , lançado em 1985. Gravado de forma improvisada em apenas 12 horas, o disco rapidamente se tornou um marco do punk nacional, não apenas pela sonoridade crua, mas principalmente pelas letras afiadas e carregadas de crítica social. O álbum surgiu em um momento crítico da história brasileira, ainda nos últimos anos da ditadura militar, quando a censura imperava sobre a cultura. Isso não impediu a banda de lançar faixas provocadoras como “Johnny”, “Vou Fazer Cocô” e “Papai Noel Velho Batuta”, muitas das quais tiveram seus títulos alterados para driblar a fiscalização do governo. Essa ousadia tornou o disco um símbolo de resistência, humor ácido e contestação social, características essenciais do punk. Mais Podres do que Nunca é direto e visceral: músicas curtas, batidas aceleradas e riffs agressivos compõem um punk cru e sem firulas, que consegue ser divertido...

Zoot Allures (1976): Frank Zappa e a guitarra como discurso musical

Em uma discografia marcada por excessos controlados, orquestrações complexas e conceitos rigorosamente arquitetados, Zoot Allures (1976) surge quase como um gesto de recusa. Lançado em meio às disputas legais entre Frank Zappa e seus antigos empresários, o álbum não tenta soar maior do que é. Pelo contrário: ele se apresenta enxuto, direto e, em muitos momentos, deliberadamente áspero. Essa escolha estética não é casual: ela dialoga diretamente com o momento de instabilidade e transição vivido pelo compositor. Diferente de trabalhos como Apostrophe (’) (1974) ou One Size Fits All (1975) , aqui Zappa reduz o escopo formal e coloca a guitarra elétrica no centro da narrativa musical . Não se trata apenas de solos mais longos ou frequentes, mas de uma mudança de linguagem: menos colagens abruptas, menos jogos rítmicos labirínticos e mais espaço para o desenvolvimento orgânico das ideias. Zoot Allures é um disco de fluxo , não de arquitetura. Essa abordagem fica clara já na abertura,...

Ritchie Blackmore’s Rainbow (1975): Blackmore, Dio e a busca por um novo idioma musical

Ritchie Blackmore’s Rainbow (1975) merece ser observado com mais atenção do que o simples rótulo de “álbum de estreia”. Trata-se, na prática, de um disco de ruptura e reconstrução. Blackmore não estava apenas montando uma nova banda após o Deep Purple: ele estava reorganizando sua própria linguagem musical, filtrando excessos do hard rock baseado no blues e abrindo espaço para uma abordagem mais imagética, quase narrativa. Diferente do Deep Purple, onde riffs e solos disputavam protagonismo, aqui Blackmore parece interessado em criar cenários sonoros . As músicas não são apenas tocadas, elas sugerem lugares, épocas e estados de espírito. Isso fica evidente em “Sixteenth Century Greensleeves”, onde o flerte com melodias tradicionais e escalas de inspiração renascentista não soa como ornamento, mas como estrutura. Ronnie James Dio é peça central nesse processo. Sua performance vai além da potência vocal: há intenção dramática em cada frase. Dio canta como quem conta histórias antiga...

Purple (2015): Baroness e a arte de sobreviver sem perder a identidade

O quarto álbum do Baroness soa como um trabalho de reconstrução artística e emocional sem jamais cair no discurso fácil da superação. Aqui, o grupo olha para frente, mas sem apagar as marcas do caminho. Após o grave acidente de ônibus sofrido em 2012, que interrompeu abruptamente a turnê de Yellow & Green (2012) , havia uma expectativa quase inevitável de que o Baroness retornasse mais cauteloso ou introspectivo. Purple (2015) confirma essa leitura apenas em parte. O álbum é mais direto, mais melódico e, em vários momentos, mais acessível, mas não menos intenso. A diferença está na forma como o peso é apresentado: menos esmagador, mais fluido. A produção de Dave Fridmann faz toda a diferença. O som ganha espaço, camadas e uma sensação quase aérea, que contrasta com a densidade típica do sludge metal que marcou os primeiros trabalhos da banda. Canções como “Chlorine & Wine” e “Shock Me” apostam em refrães fortes e linhas vocais memoráveis, algo que antes surgia de maneira mai...

Mudanças de voz, mudanças de rumo: o Angra em Secret Garden (2014)

Secret Garden (2014) ocupa um lugar peculiar na discografia do Angra. Lançado no fim de 2014 no Japão e no início de 2015 no restante do mundo, o álbum representa, ao mesmo tempo, um encerramento e um recomeço. É o último registro de estúdio com Kiko Loureiro antes de sua saída para o Megadeth, e o primeiro com Fabio Lione nos vocais e Bruno Valverde na bateria. Esse caráter de transição ajuda a explicar tanto os acertos quanto as irregularidades do disco. Produzido por Jens Bogren, com pré-produção de Roy Z, Secret Garden aposta em um som moderno, limpo e poderoso, alinhado ao que havia de mais sofisticado no metal melódico da época. As guitarras de Kiko Loureiro e Rafael Bittencourt seguem técnicas e cheias de detalhes, com solos precisos e riffs que equilibram peso e melodia. A cozinha formada por Felipe Andreoli e Bruno Valverde garante solidez, ainda que o álbum não busque, em momento algum, a agressividade extrema. A estreia de Fabio Lione é um dos pontos mais debatidos. Se...

Hunky Dory (1971): o elo perdido entre o início e o mito de David Bowie

Hunky Dory (1971) é o disco em que David Bowie, definitivamente, encontra a própria voz. Não apenas no sentido literal, mas artístico, conceitual e estético. O álbum deixa para trás as tentativas ainda fragmentadas do fim dos anos 1960 e aponta com clareza para o artista que, poucos meses depois, redefiniria os limites do rock com The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars (1972). Diferente do impacto visual e do peso elétrico que marcariam Ziggy , Hunky Dory é, acima de tudo, um disco guiado pelo piano. As composições se apoiam fortemente nesse instrumento, criando uma atmosfera mais íntima, teatral e, ao mesmo tempo, sofisticada. É um álbum de canções no sentido mais clássico do termo, mas que já carrega em suas entrelinhas a inquietação artística e a ambiguidade que se tornariam marcas registradas de Bowie. Logo na abertura com “Changes” , Bowie apresenta o tema central do disco: transformação. A canção é quase um manifesto, tanto lírico quanto musical, sob...

Eric Clapton e a arte da contenção em Slowhand (1977)

Slowhand (1977) costuma ser citado como o álbum que consolidou, de forma definitiva, a carreira solo de Eric Clapton nos anos 1970. Entre o impacto mais imediato de 461 Ocean Boulevard (1974) e projetos posteriores menos consensuais, este disco representa o ponto em que Clapton encontra um equilíbrio raro entre identidade artística, apelo popular e maturidade musical. Produzido por Glyn Johns, Slowhand aposta em uma estética limpa, direta e sem excessos. A produção evita camadas desnecessárias e coloca a guitarra de Clapton sempre a serviço da canção, não da pirotecnia. O famoso “menos é mais” aqui não é discurso: é método. Cada frase soa pensada, cada silêncio tem peso, e o timbre seco, quente e muito bem definido ajuda a explicar por que o álbum envelheceu tão bem. O disco navega com naturalidade entre blues, rock e pop sofisticado. “Cocaine”, composição de J.J. Cale, abre o álbum com uma confiança quase displicente, sustentada por um groove econômico e irresistível. Já “Lay D...

Axis: Bold as Love (1967): o momento em que Jimi Hendrix assume o controle do próprio universo

Entre o impacto imediato de Are You Experienced (1967) e a ambição quase sem limites de Electric Ladyland (1968) , Axis: Bold as Love (1967) costuma ocupar um lugar curioso na discografia de Jimi Hendrix. Para alguns, é o “disco do meio”. Porém, ele é justamente o ponto em que Hendrix começa a dominar por completo o próprio universo criativo não mais apenas como guitarrista revolucionário, mas como compositor, arranjador e arquiteto sonoro. Axis aprofunda a psicodelia apresentada no debut, mas faz isso de forma mais controlada, quase elegante. Há menos urgência juvenil e mais consciência estética. A guitarra continua sendo o centro de tudo, claro, mas agora ela serve às canções, às melodias e às atmosferas, e não apenas ao choque imediato. Logo na abertura, “Up from the Skies” deixa claro que este não será um disco de explosões constantes. O clima etéreo, o groove quase jazzístico e o uso criativo do wah-wah mostram um Hendrix interessado em textura, espaço e sutileza. “Spanish ...

Um passo fora do óbvio: V (1991) e a maturidade da Legião Urbana

V (1991) ocupa um lugar peculiar e muitas vezes incompreendido na discografia da Legião Urbana. Vindo na sequência direta de As Quatro Estações (1989) , um dos maiores sucessos comerciais da música brasileira, o álbum soa menos como uma tentativa de continuidade e mais como um gesto deliberado de ruptura. Aqui, a banda desacelera, fecha-se em si mesma e entrega um disco introspectivo, denso e, em vários momentos, desconfortável. O Brasil atravessava um período de instabilidade econômica e Renato Russo vivia uma fase pessoal extremamente delicada. Essas tensões não aparecem de forma explícita ou panfletária, mas permeiam todo o álbum, seja na atmosfera melancólica, seja na sensação constante de desgaste emocional. V não busca catarse fácil nem refrões feitos para o rádio: ele exige tempo, atenção e disposição do ouvinte. Trata-se de um dos trabalhos mais ousados da Legião. As canções se estendem, os arranjos ganham camadas pouco usuais e há uma clara intenção de explorar climas qu...