Criados em 1958 pelo quadrinista belga Pierre Culliford — conhecido como Peyo —, os Smurfs são um dos raros casos de personagens de HQs europeias que conquistaram o mundo e se transformaram em ícones da cultura pop global. Com seu visual inconfundível e um universo próprio, os pequenos seres azuis atravessaram décadas e mídias, do papel às telas, mantendo sua relevância com uma força impressionante.
A estreia dos Smurfs aconteceu como coadjuvantes na história A Flauta de Seis Furos, da série Johan et Pirlouit, publicada na revista franco-belga Spirou. O sucesso foi imediato: os leitores ficaram fascinados com aquelas criaturinhas azuis, de fala estranha e comportamento coletivo. No ano seguinte, em 1959, eles ganharam sua própria série, e o nome original — Les Schtroumpfs — nasceu de uma brincadeira de Peyo ao esquecer a palavra “saleiro” durante um jantar com o também autor André Franquin: “passe-me o... schtroumpf”.
Ao longo dos anos 1960 e 1970, os Smurfs consolidaram sua popularidade nos quadrinhos europeus, mas foi com a série animada da Hanna-Barbera, exibida entre 1981 e 1989, que eles se tornaram verdadeiramente globais. A produção americana levou os Smurfs para milhões de lares ao redor do planeta, popularizando personagens como Papai Smurf, Gargamel, o gato Cruel e a Smurfette.
Por trás da estética leve e infantil, os Smurfs sempre carregaram camadas mais profundas. A organização da vila — liderada por um sábio ancião e baseada na coletividade — já foi interpretada por estudiosos como uma utopia socialista ou uma alegoria do autoritarismo disfarçado. Um exemplo claro disso é a história O Smurfíssimo, em que a eleição de um novo líder transforma a comunidade em uma pequena ditadura azul.
Apesar da popularidade dos desenhos animados por aqui, os quadrinhos originais de Peyo eram praticamente inéditos no Brasil até agora. A Comix Zone corrigiu isso com o lançamento do primeiro volume da coleção Os Smurfs Integral, uma antologia em cinco volumes que apresentará todas as histórias clássicas dos personagens, em ordem cronológica e com acabamento digno do colecionador mais exigente.
O primeiro volume da coleção traz três histórias principais, além de tramas menores. Os Smurfs Negros (Les Schtroumpfs noirs, 1959) foi a primeira HQ solo dos personagens e mostra um misterioso contágio que transforma os Smurfs em versões agressivas e sombrias de si mesmos. A trama foi posteriormente adaptada para a TV com alterações visuais, tornando-se Os Smurfs Roxos nos EUA por razões culturais. O Smurfíssimo (Le Schtroumpfissime, 1964) é uma sátira política em tom leve, mas carregada de crítica, sobre liderança, vaidade e abuso de poder. A leitura soa extremamente atual, mesmo seis décadas depois de sua publicação original. Já A Flauta de Seis Furos (La Flûte à six trous, 1958) é a história onde tudo começou. Lançada originalmente na série Johan et Pirlouit, ela apresenta os Smurfs como ajudantes mágicos de um cavaleiro e de seu escudeiro, em uma divertida aventura medieval com elementos de fantasia. Essas três histórias nunca haviam sido publicadas no Brasil em sua forma original e completa — muito menos com o cuidado editorial que a Comix Zone imprimiu nesta edição, incluindo textos introdutórios para cada uma delas.
A edição brasileira de Os Smurfs – Edição Integral Vol. 1 tem 192 páginas em papel couchê, capa dura com verniz localizado, formato grande (21 × 27,5 cm) e tradução cuidadosa e fluida, assinada por Fernando Paz. A arte original de Peyo foi restaurada em alta qualidade, preservando detalhes, cores e ambientação. Além disso, o volume inclui materiais de apoio que contextualizam as histórias e o impacto cultural dos Smurfs ao longo dos anos. A Comix Zone tem se destacado como uma das editoras mais importantes no resgate de HQs europeias no Brasil, e esta coleção dos Smurfs eleva ainda mais seu catálogo — que já conta com obras de outros gigantes da BD franco-belga.
A publicação de Os Smurfs Integral no Brasil preenche uma lacuna histórica e permite, finalmente, que os leitores brasileiros conheçam os personagens como foram concebidos por Peyo: com senso de humor afiado, crítica social disfarçada e um traço cartunesco de grande expressividade. Vai além da nostalgia. É história em quadrinhos de primeira linha, com qualidade artística e narrativa que segue viva mesmo após mais de 60 anos.
Se você cresceu assistindo os Smurfs na TV, este volume é uma chance de ouro de reencontrá-los com novos olhos. E se nunca leu uma HQ deles, melhor começar pelo começo — do jeito certo.
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