Superman - Entre a Foice o Martelo: a edição DC de Bolso de um clássico dos quadrinhos políticos (Mark Millar, 2025, Panini)
Superman: Red Son (título original) ou Superman: Entre a Foice e o Martelo, é uma graphic novel escrita por Mark Millar e lançada pela DC Comics em 2003. A obra faz parte do selo Elseworlds, conhecido por apresentar versões alternativas de personagens clássicos da editora. Com arte de Dave Johnson e Kilian Plunkett, a HQ é considerada uma das mais provocativas e criativas reinterpretações do Superman.
A premissa é simples: e se a nave que trouxe o bebê Kal-El à Terra não tivesse aterrissado no Kansas, mas sim em uma fazenda coletiva na Ucrânia soviética? Criado sob os ideais comunistas e formado pelo pensamento coletivista, o Superman torna-se o símbolo máximo da União Soviética e um instrumento poderoso do regime para consolidar sua influência no mundo. Millar utiliza esse cenário para subverter a clássica narrativa americana do herói salvador, inserindo o Homem de Aço em um jogo de poder, controle e propaganda.
Ao longo da HQ, vemos o Superman soviético construindo uma utopia à força, onde a paz é mantida por vigilância constante e pela supressão de qualquer oposição. Ele acredita estar fazendo o bem — e é justamente aí que reside a complexidade do personagem. A intenção é nobre, mas os métodos levantam dilemas morais profundos.
Millar explora essas tensões com personagens-chave: Lex Luthor (gênio americano que se transforma no principal antagonista político e filosófico do Superman), Batman (reimaginado como um dissidente soviético, torna-se o símbolo da resistência contra a tirania), Mulher-Maravilha (inicialmente aliada do regime, começa a questionar os caminhos tomados em nome da ordem) e Lois Lane (aqui esposa de Luthor, mas com uma fascinação imediata – e recíproca – pelo Superman).
O grande trunfo de Entre a Foice e o Martelo é a forma como reinterpreta mitos super-heroicos à luz da política global. A história lida com temas como autoritarismo, liberdade, moralidade e a construção de narrativas nacionais por meio de ícones culturais. No entanto, há momentos em que o roteiro se apoia em excessos retóricos, com recordatórios que tentam soar profundos, mas por vezes soam artificiais ou explicativos demais. A prosa de Millar nem sempre acompanha a riqueza do conceito que propõe — o que não chega a comprometer a leitura, mas suaviza o impacto de certas cenas que poderiam ser mais poderosas com uma abordagem textual mais sutil.
Visualmente, a HQ é bastante eficaz. Dave Johnson e Kilian Plunkett criam um mundo esteticamente coerente com a proposta, evocando o realismo brutalista da URSS e misturando-o com elementos retrofuturistas. Os uniformes, cenários e cores refletem a frieza e o peso ideológico do novo status quo global. A arte contribui para imergir o leitor em um mundo onde a propaganda visual é tão poderosa quanto os superpoderes do protagonista.
O final da história é inteligente, surpreendente e fecha o ciclo narrativo de forma simbólica e ousada. É o tipo de desfecho que recontextualiza toda a jornada do personagem, ampliando o escopo da história e fazendo o leitor refletir sobre destino, legado e eternidade.
Superman: Entre a Foice e o Martelo é uma obra que merece ser lida e debatida. Sua premissa poderosa continua atual e sua visão alternativa do Superman levanta questões relevantes sobre poder e responsabilidade. Embora o texto nem sempre esteja à altura do potencial da ideia — com passagens que poderiam se beneficiar de uma narrativa mais refinada —, a obra se sustenta como uma das mais ousadas releituras do Homem de Aço já publicadas.
A HQ ganhou uma nova edição pela Panini Comics dentro da coleção DC de Bolso, com formato e papel idênticos aos usados nos mangás publicados pela editora, além de valor bastante acessível. A edição anterior, em capa dura e formato americano, havia sido publicada pela última vez em 2017.
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