O universo paralelo do Voivod: Dimension Hatröss (1988) e a criação do metal de vanguarda

Dimension Hatröss é o ponto em que o Voivod transcende o metal e cria um universo próprio. Lançado em 1988, é o quarto álbum da banda canadense e o segundo da fase clássica que consolidou sua reputação como uma das formações mais inventivas do metal progressivo e experimental. Se Killing Technology (1987) já havia mostrado que o grupo não tinha interesse em seguir padrões, Dimension Hatröss levou essa ruptura ao extremo — um mergulho em um mundo conceitual onde ficção científica, caos sonoro e precisão matemática se fundem.

O álbum gira em torno de uma narrativa conceitual: o cientista e anti-herói Korgull, mascote da banda, cria um universo paralelo em laboratório e observa sua evolução. É uma metáfora sobre controle, criação e destruição, temas que dialogam tanto com a paranoia da Guerra Fria quanto com reflexões filosóficas sobre o papel da humanidade na era tecnológica. A sonoridade reflete esse conceito: guitarras dissonantes, métricas irregulares, baixo pulsante e bateria que parece operar em outra dimensão. Piggy, o guitarrista, usa acordes não convencionais e riffs cortantes que soam como máquinas em colapso; o baterista Away cria ritmos quebrados e hipnóticos; Blacky injeta um baixo metálico e orgânico ao mesmo tempo; e Snake conduz tudo com vocais que variam entre o alienado e o profético.

As faixas formam uma sequência coesa e inquietante. “Tribal Convictions” é uma das melhores sínteses do som do Voivod, técnico e visceral. “Chaosmongers” alterna passagens quase jazzísticas com explosões thrash, enquanto “Brain Scan” e “Psychic Vacuum” são experiências sonoras que antecipam o metal progressivo dos anos 1990. O encerramento com “Cosmic Drama” fecha o ciclo com ironia e ousadia, como se a banda risse das convenções musicais e das leis da física ao mesmo tempo.

Na época, poucos compreenderam a complexidade de Dimension Hatröss — era um álbum à frente de seu tempo, lançado quando o thrash ainda buscava identidade e o progressivo parecia um gênero do passado. Décadas depois, o álbum é reverenciado como uma obra-prima do metal de vanguarda, influência direta para bandas como Meshuggah, Mastodon, Gojira e Tool.

Ouvir Dimension Hatröss hoje é entrar em um laboratório sonoro em permanente mutação. É o som do metal desafiando suas próprias fronteiras, da arte abraçando a dissonância e da inteligência se manifestando através do ruído. Um disco que continua, mesmo quase quarenta anos depois, parecendo vir do futuro.

O álbum nunca havia saído no Brasil, e ganhou a sua primeira edição nacional em 2025 através da Wikimetal em uma bela versão em CD com luva protetora e encarte de 12 páginas com as letras.