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Thorgal: o clássico que definiu o quadrinho europeu finalmente chega em edição definitiva no Brasil (2025, Pipoca & Nanquim)


Jean Van Hamme e Grzegorz Rosiński são dois nomes que mudaram para sempre o quadrinho europeu. E Thorgal é a prova mais concreta disso. Nascida no final dos anos 1970 nas páginas da revista Tintin, a série sempre chamou atenção por sua mistura única: vikings, mitologia nórdica, fantasia épica e uma boa dose de ficção científica. Um caldeirão ousado que poderia soar estranho no papel, mas que, nas mãos da dupla belga-polonesa virou um clássico incontornável do quadrinho franco-belga.

A Pipoca & Nanquim acaba de lançar o primeiro volume da série clássica, reunindo os oito primeiros álbuns: A Feiticeira Traída, A Ilha dos Mares Gelados, Os Três Anciões do Reino de Aran, A Galé Negra, Além das Sombras, A Queda de Brek Zarith, O Filho das Estrelas e Alinoë, publicados originalmente entre 1977 e 1984. É uma edição de 420 páginas em formato 20,5 x 27,2 cm, capa dura, papel couché colorido e recheado de extras que contextualizam a obra e sua importância.

E o que temos aqui é simplesmente a gênese de um dos maiores personagens dos quadrinhos europeus. Thorgal não é um bárbaro sem cérebro nem um guerreiro invencível. É um homem dividido entre sua origem misteriosa, o amor por Aaricia e o desejo de viver em paz em um mundo que parece conspirar contra isso. Van Hamme escreve aventuras que tanto podem ser épicos marítimos e disputas de poder, quanto mergulhos na fantasia sombria e no existencialismo. Essa variedade dá ao universo de Thorgal uma fluidez rara.

O traço de Rosiński evolui diante dos olhos do leitor. Nos primeiros álbuns ainda há certa rigidez, mas rapidamente seu desenho encontra o equilíbrio entre energia, lirismo e composição cinematográfica. As cenas de ação têm impacto, enquanto os momentos intimistas carregam peso emocional. É arte de altíssimo nível, com páginas estupendas que enchem os olhos.

A edição traz ao menos três álbuns que são verdadeiras obras-primas da nona arte. Além das Sombras, publicado originalmente na França e na Bélgica em 1982, mostra Thorgal mergulhando em um mundo sombrio devido a acontecimentos ocorridos nos volumes anteriores. É aqui que a arte de Rosiński dá um salto estratosférico em relação aos primeiros álbuns, enquanto o roteiro de Van Hamme explora questões como existencialismo, filosofia e religião. Em O Filho das Estrelas, que saiu originalmente em 1983, conhecemos a origem de Thorgal em uma trama que une ao mesmo tempo elementos das lendas escandinavas, ficção científica e homenagens aos personagens clássicos dos quadrinhos, como Superman. E, por fim, a espetacular Alinoë, de 1984 em que o pequeno Jolan, filho de Thorgal e Aaricia, revela a sua natureza complexa e desconhecida em um exercício brilhante de roteiro de Van Hamme, com arte não menos incrível de Rosiński.

Vale lembrar: essa é a primeira vez que a maior parte desses álbuns sai no Brasil. Na década de 1980, a obscura VHD Diffusion publicou alguns volumes de forma esparsa, em formatos hoje perdidos e restritos a colecionadores hardcore. Ou seja, até agora nunca tínhamos recebido por aqui um tratamento à altura da importância de Thorgal.

O legado da série é imenso. Influenciou autores, abriu espaço para uma visão mais humana e contraditória dos heróis de papel e mostrou que quadrinhos de aventura podem, sim, carregar camadas de reflexão. E a edição da Pipoca & Nanquim faz jus a isso: acabamento de primeira, contextualização editorial e respeito absoluto pela obra. Um marco para quem acompanha a cena de quadrinhos no Brasil.

Thorgal – Série Clássica Vol. 1 é leitura obrigatória. Para quem ama fantasia, histórias bem escritas, arte de qualidade e personagens complexos, é um prato cheio. Um clássico que finalmente chega em edição definitiva ao Brasil.


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