Quando Fabio Lione entrou oficialmente para o Angra, em 2012, a sensação imediata foi de transição. A banda buscava estabilidade após anos turbulentos e, ao mesmo tempo, tentava encontrar novas linguagens dentro do metal melódico e progressivo. O vocalista italiano trouxe potência, técnica e uma dramaticidade operística incomum no power metal brasileiro, e essa combinação guiou a sonoridade do grupo nos três álbuns de estúdio que marcaram seu período no Angra: Secret Garden (2014), Ømni (2018) e Cycles of Pain (2023). No mesmo intervalo, ele também foi protagonista em três registros ao vivo que ajudam a entender sua importância na história da banda.
Abaixo você tem uma discografia comentada dessa fase, misturando contexto histórico, recepção crítica e a análise sobre cada lançamento.
Secret Garden (2014)
O primeiro trabalho de estúdio com Lione era, ao mesmo tempo, um recomeço e um desafio: reintroduzir o Angra ao grande público e apresentar oficialmente seu novo vocalista em meio a uma sonoridade renovada. Com Jens Bogren na produção, Secret Garden apostou em arranjos sofisticados, convidados de renome e um acabamento moderno que buscava equilibrar o metal progressivo clássico da banda com elementos mais contemporâneos.
O disco funciona bem como cartão de visitas. Lione mostra alcance, presença e um timbre que se encaixa de forma natural nas passagens mais épicas. Os arranjos são grandiosos, cheios de camadas orquestrais, e dão ao álbum um ar cinematográfico que, para muitos críticos, foi um dos pontos altos.
Ao mesmo tempo, a produção extremamente polida e a presença de muitos convidados dividiram opiniões. Parte dos fãs sentiu falta de um pouco mais de agressividade, enquanto outros viram no disco a prova de que o Angra seguia relevante e preparado para uma nova fase.
Secret Garden apresenta um Angra repaginado, com som limpo e foco na melodia. O álbum às vezes escorrega por excesso de brilho, mas entrega boas composições e uma estreia sólida de Lione, que assume a frente da banda com naturalidade.
Ømni (2018)
Se Secret Garden foi o gesto de reconstrução, Ømni foi o momento de ousar. Outro trabalho produzido por Jens Bogren, o álbum se apresenta como obra conceitual e mistura elementos do power metal clássico, experimentações rítmicas, momentos acústicos e participações vocais inesperadas, como Sandy e Alissa White-Gluz.
A recepção foi majoritariamente positiva, com elogios à ambição do projeto e ao modo como a banda transitou entre diferentes atmosferas sem perder a identidade. Foi também o disco que consolidou Fabio Lione dentro da estética do Angra. Sua performance, variando entre o épico e o contido, ajudou a costurar o conceito e dar fluidez ao repertório.
Nem tudo, porém, funcionou de maneira uniforme. Como todo álbum conceitual, Ømni tem momentos em que a narrativa é mais forte do que a música, e algumas faixas parecem funcionar melhor isoladamente do que no fluxo contínuo do disco.
Ømni representa o Angra em seu momento de maior confiança artística desde o retorno em 2009. É variado, ousado e tecnicamente impecável. E coloca Lione como elemento fundamental na construção da identidade dessa fase da banda.
Cycles of Pain (2023)
O terceiro e último disco de estúdio do Angra com Fabio Lione é, talvez, o mais emocional e pessoal do período. Cycles of Pain lida com temas de perda, superação e reconstrução, tanto no plano individual quanto coletivo. Musicalmente, a banda busca equilíbrio entre velocidade, dramaticidade e passagens mais progressivas.
A crítica recebeu o álbum de forma positiva, destacando sua consistência, o peso balanceado e a solidez da performance de Lione. Há quem considere este o melhor disco da fase moderna da banda, pela maturidade das composições e pela coesão geral.
Claro, algumas observações recorrentes também apareceram: certos fãs apontaram previsibilidade em alguns momentos ou a falta de um elemento realmente disruptivo. Ainda assim, o álbum se consolidou como marco importante dentro da nova era do Angra.
Cycles of Pain é um trabalho denso, emocional e tecnicamente bem resolvido. Talvez seja o álbum que melhor resume a fase Lione: seguro, melodioso e interpretado com força, mas sem grandes rompimentos com a fórmula contemporânea da banda.
Angels Cry — 20th Anniversary Tour (2013)
Gravado durante a turnê comemorativa de Angels Cry, o registro colocou Lione na posição mais delicada possível: cantar repertório intimamente associado a Andre Matos. O italiano se saiu bem, respeitando as melodias clássicas sem recorrer à imitação. O DVD também impressiona pela qualidade da gravação e pelas participações especiais.
O disco cumpre papel histórico — reaproximar fases distintas do Angra — e Lione demonstra respeito, técnica e personalidade.
Ømni Live (2021)
Registrado já com a banda afiada no novo repertório, Ømni Live é frequentemente apontado como um dos melhores álbuns ao vivo do Angra. O setlist equilibrado entre material novo e clássico favoreceu Lione, que demonstra versatilidade ao navegar entre eras distintas da banda. Também lançado em DVD.
É o ao vivo que melhor captura o vocalista em plena forma, seguro e integrado ao som do Angra.
Acoustic — Live At Ópera de Arame (2024)
Aqui, a proposta é outra: desnudar as composições. Com arranjos acústicos e atmosfera intimista, o disco revela nuances da voz de Lione que nem sempre aparecem nos registros de estúdio. A sonoridade reduzida evidencia melodias, harmonias e a força das composições. Foi lançado também em DVD.
Um documento importante para entender o alcance interpretativo de Lione e a capacidade do Angra de se reinventar em outros formatos.
A fase de Fabio Lione no Angra deixa três impressões centrais:
Versatilidade e potência: Lione se provou capaz de assumir repertórios clássicos e, ao mesmo tempo, imprimir sua própria marca nos álbuns inéditos.
Ambição estética: Secret Garden, Ømni e Cycles of Pain mostram uma banda disposta a experimentar, trazendo orquestrações, convidados, narrativas e sonoridades menos convencionais.
Consistência técnica: ee a fase não tem a mesma aura lendária dos anos 1990, ela se destaca pela regularidade e qualidade de execução, tanto em estúdio quanto ao vivo.
Para muitos fãs, Fabio Lione foi o vocalista perfeito para manter a chama acesa em um dos períodos mais instáveis da história do Angra. Para outros, a fase deixou a sensação de que a banda poderia ter ousado ainda mais. Mas, olhando em retrospecto, sua contribuição é inegável: ele deu voz a alguns dos trabalhos mais profissionais e ambiciosos do Angra contemporâneo e sustentou a banda nos palcos com competência e respeito à história do grupo.


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