Garage Inc. (1998) surgiu em um momento peculiar da carreira do Metallica. A banda acabava de atravessar o período mais bem-sucedido de sua existência, turbinada por Load (1996) e Reload (1997), que expandiram o som do grupo para além do thrash e garantiram exposição massiva fora do circuito metálico. O clima, portanto, pedia algo mais leve — não no peso, mas na pretensão. Um respiro. E esse respiro veio na forma de um disco duplo de covers que, no fim das contas, acabou contando uma história muito mais interessante do que parecia à primeira vista.
O primeiro CD reúne regravações feitas especialmente para o projeto. Aqui, o Metallica revisita o que moldou seu DNA: Misfits, Black Sabbath, Diamond Head, Nick Cave, Mercyful Fate, Thin Lizzy e outros pilares que ajudaram a formar o gosto musical de James Hetfield, Lars Ulrich, Kirk Hammett e Jason Newsted. Mais do que versões fielmente adaptadas, o que existe em Garage Inc. é uma celebração — o Metallica tocando músicas que amavam, sem tentar “superá-las”, mas imprimindo seu peso, sua estética e sua identidade sonora pós-Black Album .
“Turn the Page”, de Bob Seger, virou um hit instantâneo, carregado de melancolia e conduzido pela interpretação mais adulta de James Hetfield nessa fase. “Whiskey in the Jar” transformou um clássico irlandês eternizado pelo Thin Lizzy em um dos maiores sucessos radiofônicos da banda nos anos 1990. Já a colagem de “Mercyful Fate” — quase 11 minutos costurando cinco faixas da banda de King Diamond — é um lembrete de como o Metallica sempre funcionou melhor quando tocava no limite.
O segundo CD é praticamente um baú histórico. São B-sides, lados-B, faixas de EPs e gravações avulsas que acompanharam o grupo em seus anos de formação. Aqui estão as versões de Diamond Head, Budgie, Killing Joke e Anti-Nowhere League que circulavam entre fãs desde os primórdios. Para quem gosta de colecionar e entender a evolução do Metallica, esse segundo disco é um documento precioso: não apenas pelo repertório, mas pela crueza, pela energia juvenil e pelo registro do Metallica quando ainda soava efervescente e imprevisível.
É curioso notar como essas gravações antigas contrastam com o clima mais polido das versões de 1998. Enquanto o primeiro disco é a banda gigante tocando suas influências com orçamento ilimitado, o segundo é o Metallica ainda arrancando faíscas da garagem: sujo, direto e sem filtro.
A crítica da época foi surpreendentemente positiva, destacando o espírito despretensioso do projeto e a forma como o Metallica assumiu suas referências sem cinismo. Comercialmente, o álbum foi um sucesso imediato: vendeu mais de 400 mil cópias na primeira semana nos EUA e emplacou singles que até hoje aparecem em playlists da banda.
Garage Inc. não é um disco essencial na discografia do Metallica no sentido narrativo — não muda rumos, não abre caminhos, não corrige rota. Mas é essencial para quem quer entender o Metallica como banda, como entidade musical e como conjunto de quatro fãs de música pesada que nunca perderam de vista o que os formou. É um álbum generoso, divertido e cheio de personalidade, com valor histórico e colecionável justamente por reunir material que antes estava espalhado em edições raras.
No fim das contas, Garage Inc. funciona como um grande mapa das influências do Metallica. Um lembrete de que, antes da fama planetária, havia apenas quatro garotos apaixonados por Diamond Head, Misfits e Thin Lizzy, e é nessa sinceridade que o álbum encontra sua força. Para o colecionador, é um registro indispensável. Para o fã, é quase uma carta de amor à própria formação musical. E para quem estudou a trajetória do Metallica, é um ponto de equilíbrio raro entre diversão, identidade e memória.


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