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O Eternauta – Segunda Parte: o quadrinho que começou como ficção e terminou como profecia (2025, Pipoca & Nanquim)


O Eternauta – Segunda Parte
não é apenas a continuação de uma das HQs mais importantes da América Latina e da história dos quadrinhos mundiais. É um documento emocional e político. Publicada originalmente entre 1976 e 1978, em plena ebulição da ditadura argentina, a história carrega em cada página o peso de um autor que já não escrevia apenas sobre resistência, mas a partir da resistência. Héctor G. Oesterheld estava cada vez mais envolvido com movimentos opositores, e seu desaparecimento pouco tempo depois transforma esta obra em uma espécie de testamento involuntário.

Se a primeira parte era uma ficção científica sobre invasão, viagem no tempo e sobrevivência coletiva, a segunda rompe com qualquer pretensão de neutralidade. Oesterheld amplia o escopo, adota um tom mais duro e retrabalha Juan Salvo, agora menos herói clássico e mais figura trágica. A ingenuidade do começo se dissolve. A esperança também. A narrativa assume uma visão quase desesperada sobre o destino humano, desenhada com uma contundência que ainda hoje fere.

O traço de Francisco Solano López acompanha essa virada. Comparado à edição original, aqui ele aparece mais maduro, mais expressivo e mais preciso. As composições são mais sombrias, os rostos mais marcados, e o mundo ao redor de Salvo parece constantemente à beira de desmoronar. A arte deixa de ilustrar um roteiro e passa a funcionar como extensão emocional dele.



Há quem veja a continuação de O Eternauta como irregular, e parte dessa crítica faz sentido. A história é menos fluida, mais fragmentada, mais amarga. Mas também é justamente essa ruptura que lhe dá força. Não se trata mais de uma aventura de ficção científica ― é um grito codificado em quadrinhos, escrito por alguém que já sabia que não sairia vivo da realidade em que estava preso. O final, polêmico entre muitos leitores, reforça essa sensação de desintegração inevitável.

A edição da Pipoca & Nanquim valoriza essa leitura ao apresentar o material em versão definitiva, com uma luva protetora, capa dura e acabamento cuidadoso, além de dois artigos complementares sobre a obra e Oesterheld, além de biografias muito bem escritas sobre os autores. É uma obra que exige respeito editorial — não por nostalgia, mas pela importância histórica de compreender a última mensagem de um dos maiores roteiristas que o quadrinho mundial já teve.

O Eternauta – Segunda Parte não é uma continuação tradicional. É a evolução amarga de uma história que começou como ficção e terminou como profecia. Um quadrinho desconfortável, potente e absolutamente indispensável.

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