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Presto (1989): a transição suave do Rush para os anos 1990


Presto
marca um daqueles instantes em que o Rush decidiu mudar sem fazer alarde. Depois de uma década dominada por sintetizadores, timbres digitais e aquela estética high-tech que definiu o trio na metade dos anos 1980, o álbum chegou como uma curva suave na estrada: nada abrupto, nada chocante, mas suficientemente claro para mostrar que Geddy Lee, Alex Lifeson e Neil Peart queriam abrir novas janelas dentro de si mesmos.

A presença de Rupert Hine na produção não é mero detalhe — ele atua como um reorganizador silencioso. Em vez de empurrar o Rush para mais experimentos eletrônicos, Hine ajuda a limpar o terreno, deixando as guitarras respirarem e devolvendo ao trio um senso de organicidade que havia se perdido entre samplers, sequencers e camadas de teclados. O resultado é um som mais enxuto, luminoso e, de certa forma, mais humano.

Essa mudança fica evidente logo na abertura com “Show Don’t Tell”, um chute firme que apresenta o novo Rush: riffs mais presentes, linhas de baixo sinuosas e uma bateria que troca o gigantismo por uma precisão quase cirúrgica. A música não tenta competir com o passado: ela apenas existe no próprio eixo, segura de si.

Mas o coração emocional do disco é “The Pass”, uma das letras mais fortes de Neil Peart. O tema — a idealização da autodestruição e o impacto disso na vida real — transforma a faixa em um raro momento em que o Rush abandona a postura narrativa e mergulha num terreno mais vulnerável. Lifeson, contido e melodioso, cria um pano de fundo que amplifica a densidade da letra, enquanto Geddy entrega uma performance que está entre as mais sinceras de sua carreira.


No geral, Presto é um álbum discreto. Não tenta ser grandioso como Moving Pictures (1981), nem icônico como 2112 (1976), e tampouco quer disputar atenção com as ousadias eletrônicas de Power Windows (1985). Ele habita aquele espaço estranho — e muitas vezes ingrato — dos discos de transição. E, justamente por isso, envelheceu de forma curiosamente elegante.

As composições são sólidas, mesmo quando não impressionam de imediato. Há uma clareza melódica nova, uma contenção que pode soar tímida em comparação aos excessos progressivos da fase clássica ou às explosões sintéticas de discos anteriores. Mas essa sobriedade permite descobrir detalhes que só aparecem com o tempo: arranjos pequenos, sutis, que revelam um Rush mais maduro, mais consciente do próprio legado e menos preocupado em provar alguma coisa.

Se Presto não figura entre os favoritos do público, é porque seu papel é outro. É o episódio silencioso, o capítulo intermediário, a respiração funda antes de um novo passo. Mas sua importância está justamente aí: é o álbum que reorganiza o Rush, que reposiciona o trio para os anos 1990 e que mostra que a banda, mesmo depois de uma década de reinvenções, ainda tinha inúmeras formas de soar como si mesma.

E isso, no universo do Rush, já vale muito.


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