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Under a Blood Red Sky (1983): o retrato do U2 descobrindo o próprio gigantismo


Under a Blood Red Sky
é o momento em que o U2 deixa de ser apenas uma promessa da virada dos anos 1970 para a década de 1980 e começa a assumir, diante das câmeras e do público, a própria vocação para o épico. Lançado em 1983, o disco captura a banda ainda jovem, politicamente carregada e emocionalmente elétrica, eternizando uma energia que, segundo a crítica da época, era o que realmente colocava o U2 no mapa. Há algo cru e urgente aqui — uma sensação de que cada música é tocada como se fosse a última, com o quarteto inteiro correndo atrás de uma grandeza que ainda não alcançou, mas já visualiza no horizonte.

A força do álbum está justamente nessa fricção entre ambição e instinto. O repertório, costurado a partir de gravações em diferentes shows da turnê War (1983), funciona como um retrato concentrado do U2 pré-estrelato global. A banda toca com intensidade quase marcial: Larry Mullen Jr. soa como um relógio militar, The Edge constrói paisagens inteiras com poucos acordes e muito eco, e Adam Clayton ancora tudo com aquele baixo firme que nunca chamou atenção para si, mas que sempre foi indispensável. Bono, por sua vez, canta como se estivesse tentando salvar alguém do outro lado do mundo. É exagerado? É. Mas é justamente esse exagero emocional que tornaria o U2 inconfundível nos anos seguintes.

As performances registradas aqui — principalmente “Gloria”, “I Will Follow”, “New Year’s Day” e “Sunday Bloody Sunday” — têm uma vibração que não depende de produção polida. Em estúdio, essas canções já eram fortes, mas ao vivo ganham músculos, respiração e uma tensão política que atravessava tanto a Irlanda quanto o mundo. A edição não esconde que o álbum é um recorte, não um show completo, mas isso não diminui o impacto. Under a Blood Red Sky funciona como um manifesto: curto, direto, inflamado.


O álbum, junto ao vídeo gravado em Red Rocks, redefiniu a imagem do U2 como uma banda que transformava qualquer palco em arena emocional. Não é apenas um documento de época: é um tijolo fundamental na construção de um mito. Antes de The Joshua Tree (1987), antes das grandes turnês multimidiáticas, antes do megastar messiânico e do ironista pós-moderno, existia esse U2: jovem, impetuoso, intensamente comprometido com a ideia de que o rock podia carregar o peso do mundo.

E é por isso que Under a Blood Red Sky permanece tão poderoso. Ele captura o instante em que tudo começou a fazer sentido — para a banda e para quem estava ouvindo. É o som de quatro caras descobrindo que tinham algo maior nas mãos, e tocando como se o futuro dependesse daquilo. Em retrospecto, talvez dependesse mesmo.


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