Depois do sucesso gigantesco de Ten (1991) e Vs. (1993), o Pearl Jam entrou no estúdio fragmentado, cansado da fama e lutando em várias frentes: desgaste interno, conflito com a imprensa, a guerra contra a Ticketmaster e uma sensação geral de que tudo havia crescido rápido demais. Esse turbilhão não só molda o tom do disco como define sua personalidade: Vitalogy (1994) soa urgente, tenso, autoconsciente. É um álbum que mais parece um documento emocional do que um produto calculado.
O resultado é um trabalho deliberadamente esquisito. A banda abre espaço para guitarras secas, arranjos magros e uma estética quase lo-fi em vários momentos — um contraste gigantesco em relação ao grunge massivo do início da década. “Corduroy”, por exemplo, resume perfeitamente o espírito da época: é um ataque direto à idolatria da indústria e ao incômodo de Eddie Vedder com a própria imagem pública. “Not for You” segue a mesma linha, cuspindo frustração em um formato que combina fúria punk e melodia típica do Pearl Jam.
Quando a banda decide acelerar, o impacto é imediato. “Spin the Black Circle”, que renderia ao grupo seu único Grammy, é uma explosão punk sobre obsessão por vinil e um aceno ao passado em um momento em que o rock alternativo já flertava abertamente com o mainstream. E quando desacelera, o grupo entrega algumas das composições mais fortes da carreira, como “Better Man”, uma faixa antiga de Vedder que aqui encontra sua forma definitiva e se torna um dos grandes momentos da discografia. As belas “Nothingman” e “Immortality” vão na mesma linha, ambas com uma pegada mais contemplativa.
Mas Vitalogy também abraça o desconforto. “Bugs” e “Hey Foxymophandlemama, That’s Me” parecem feitas para confundir mesmo: são experimentos, colagens, estados mentais transformados em som. Em qualquer outro contexto, poderiam soar descartáveis, mas aqui funcionam como parte do retrato maior: a fotografia de uma banda que se recusa a ser previsível.
O disco é irregular? Inegavelmente, sim. Mas essa irregularidade é justamente o que torna Vitalogy tão fascinante. Ele não busca agradar. Não tenta repetir fórmulas. É o Pearl Jam contra o mundo, e às vezes contra eles mesmos. E dessa fricção nasce um álbum contraditório, rebelde, emocionalmente cru — e, justamente por tudo isso, fundamental.
Trinta anos depois, Vitalogy permanece como o ponto de ruptura que permitiu ao Pearl Jam seguir adiante. Sem ele, o grupo não teria encontrado a autonomia que guiaria sua carreira dali em diante. É o disco mais estranho da primeira fase, mas também o mais honesto. E talvez seja por isso que ainda soa tão vivo.
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