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Fantasia sombria vs. aventura pulp: o duelo de identidades no encontro entre Dragonero e Zagor (2025, Mythos)


Dragonero & Zagor: Aventura em Darkwood
é um daqueles encontros improváveis que, no papel, soam como fan service — e talvez até sejam —, mas que surpreendem pela energia, pelo cuidado visual e pelo respeito às tradições de dois universos muito distintos. Reunindo os Speciali Dragonero #2 e #8, a edição da Mythos entrega não apenas o primeiro choque entre os heróis, mas também um desdobramento posterior mais ousado, que amplia a escala e mistura fantasia sombria com aventura pulp.

A primeira história, que dá título à edição brasileira, é a mais redonda. Publicada na Itália em 2015, segue o ritual clássico dos crossovers entre personagens de universos distintos: desentendimento inicial, choque de culturas e entendimento forçado pela presença de uma ameaça maior. Aqui, tudo flui com naturalidade. A ação tem ótimo ritmo, a arte trabalha muito bem a exuberância da floresta de Darkwood e a figura imponente de Dragonero, e o contraste entre os personagens funciona sem esforço. É aventura bonelliana de primeira linha, carregada de dinamismo e daquele charme narrativo que faz especiais anuais serem tão divertidos.

O segundo arco, A Viagem dos Herós, publicado originalmente na Itália em 2021, mira alto, e é justamente essa ambição que gera tanto elogios quanto críticas. Visualmente, é a parte mais imponente da edição: cenas grandiosas, criaturas, pirotecnia, conceitos maiores e até elementos de multiverso. Para quem busca escala, é um prato cheio. Porém, é perceptível um certo desencaixe na caracterização de Zagor: sua “voz” soa diferente, como se ele perdesse as características que o fazem único e se transformasse em um personagem de ação genérico. O ritmo acelerado da trama também contribui para isso: quase não há espaço para o Zagor reagir ao absurdo do que vê, algo que sempre fez parte da humanidade do personagem. Em uma história com tanta urgência visual, ele acaba sendo sugado pelo tom mais épico de Dragonero. E, para leitores acostumados ao senso moral, humor e presença icônica do Espírito da Machadinha, isso salta aos olhos.



Nada disso inviabiliza a leitura, mas explica por que o segundo crossover divide opiniões: para alguns, é puro espetáculo visual bem construído, enquanto para outros sacrifica nuances tradicionais de Zagor em nome da grandiosidade.

A Mythos reuniu as duas histórias em um volume robusto, formato italiano e com 260 páginas coloridas impressas em papel offset, com excelente impacto gráfico. O encontro entre Dragonero e Zagor poderia facilmente virar um Frankenstein tonal, mas o material italiano — com altos e baixos — encontra um ponto de equilíbrio interessante, especialmente no primeiro arco.

No geral, trata-se uma leitura que entrega exatamente o que promete: ação, criaturas, choque de estilos e páginas cheias de energia. Para fãs de Dragonero, é a chance de ver Ian Aranill fora de Erondar, confrontando uma mitologia completamente nova. Para zagorianos, mesmo com as ressalvas, é um crossover curioso, com momentos memoráveis e visuais impressionantes. E para quem acompanha a Bonelli de forma mais ampla, é mais um indício de que o selo tem buscado ampliar horizontes narrativos, mesmo quando isso significa arriscar um pouco com seus personagens mais queridos.


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