Martin Mystère Vol. 1: o início da saga de um dos maiores personagens dos quadrinhos italianos (2025, Editora 85)
Quando se fala em personagens fundamentais da Sergio Bonelli Editore, Martin Mystère ocupa um lugar muito particular. Criado por Alfredo Castelli em 1982, ele surge como uma resposta direta à curiosidade humana diante do inexplicável: um investigador do impossível que transita com naturalidade entre arqueologia, ciência, mito, teorias alternativas e conspirações globais. O primeiro volume da nova republicação brasileira pela Editora 85 não apenas resgata esse início histórico, como reafirma por que Martin Mystère continua atual mais de quarenta anos depois.
Martin é um intelectual aventureiro. Escritor, antropólogo e pesquisador independente, ele representa aquele tipo de herói que pensa antes de agir, mas que não hesita em agir quando necessário. Ao lado de Java, seu inseparável assistente neandertal, investiga mistérios que a ciência oficial prefere ignorar. O grande mérito de Castelli está em equilibrar informação, entretenimento e provocação intelectual: cada aventura convida o leitor a questionar verdades estabelecidas.
Dentro do catálogo Bonelli, Martin Mystère foi revolucionário por assumir abertamente o diálogo com temas “proibidos” ou marginalizados: Atlântida, astronautas antigos, sociedades secretas, manuscritos perdidos, genética misteriosa. Tudo isso tratado com rigor documental, bibliografia implícita e uma narrativa que nunca subestima o leitor.
A edição da Editora 85 aposta em um formato robusto de 562 páginas, reunindo em um único volume as primeiras histórias publicadas originalmente em 1982. É uma escolha editorial inteligente: além de facilitar o acesso, permite acompanhar de forma contínua a construção do universo do personagem. O acabamento segue o padrão dos omnibus da editora, que serviram de inspiração inclusive para os omnibus de Dylan Dog publicados pela Mythos, priorizando a leitura e a preservação do conteúdo clássico. Além disso, cada história é antecedida por um texto escrito pelo próprio Alfredo Castelli, apresentando e expandindo o tema. Além disso, a capa da edição passou por uma nova colorização e por uma nova diagramação, sem perder a essência original.
Este primeiro volume funciona como um verdadeiro manifesto da série, apresentando conceitos, inimigos recorrentes e o tom que acompanharia Martin Mystère por décadas.
A estreia com Os Homens de Negro não poderia ser mais emblemática. Aqui somos apresentados a uma das ideias mais fortes da série: a existência de uma organização que atua nas sombras para suprimir conhecimentos considerados perigosos. Castelli já deixa claro, logo de início, que Martin Mystère não é apenas aventura: é também uma reflexão sobre poder, informação e controle. Narrativamente, é uma história densa, ambiciosa e surpreendentemente madura para um número inaugural.
A segunda aventura, A Vingança de Rá, mergulha na mitologia egípcia e reforça a vocação da série para reinterpretar o passado sob uma ótica alternativa. O Egito aqui não é apenas cenário exótico, mas peça-chave de um quebra-cabeça maior. A trama é mais dinâmica e mostra um Martin ainda em formação, mas já totalmente identificado com o papel de investigador do inexplicável.
Já em Operação Arca temos uma das histórias mais representativas do espírito da série. Ao brincar com o mito da Arca da Aliança, Castelli mistura religião, história e especulação científica com habilidade. É nesse ponto que Martin Mystère começa a se diferenciar definitivamente de outras HQs de aventura: não há respostas fáceis, apenas hipóteses instigantes.
A Estirpe Maldita deixa o tom mais sombrio. A narrativa trabalha com hereditariedade, segredos de sangue e ciência mal compreendida, antecipando temas que se tornariam recorrentes nos anos seguintes. É uma história menos espetacular, mas extremamente importante para consolidar o lado mais inquietante da série.
Encerrando o volume, Terror em Providence flerta diretamente com o horror cósmico, evocando atmosferas lovecraftianas sem jamais perder a identidade da série. É uma aventura que amplia o escopo de Martin Mystère, mostrando que o desconhecido pode ser tão psicológico quanto físico.
Reler ou descobrir essas histórias deixa claro por que Martin Mystère se tornou um clássico. As ideias apresentadas aqui continuam fascinantes, e muitas delas ainda ecoam em debates contemporâneos sobre ciência, história e desinformação.
O primeiro volume da Editora 85 não é apenas uma republicação para colecionadores nostálgicos. Ele é uma porta de entrada ideal para novos leitores e um resgate necessário de um personagem que ajudou a redefinir o que a HQ italiana poderia ser. Para quem se interessa por quadrinhos que estimulam a curiosidade e desafiam certezas, Martin Mystère segue sendo leitura obrigatória.


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